sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Shakespeare Apaixonado

Título original: Shakespeare in Love
Ano: 1998
Direção: John Madden
Roteiro: Tom Stoppard, Marc Norman
Gênero: Romance
Origem: Estados Unidos/Inglaterra
Duração: 122 minutos


Quero poesia em minha vida. E aventura. E amor. Acima de tudo amor. Não a atitude simulada do amor... mas o amor que avassala a vida. Incontido, desgovernado, como um motim no coração. Que nada possa deter. Nem a tragédia nem o êxtase.


São esses os apaixonados dizeres – enunciados pela doce personagem de Gwyneth Paltrow – com os quais o telespectador é brindado ainda nos primeiros minutos de Shakespeare Apaixonado, filme vencedor de sete óscars no ano de 1999. Nesse ponto, devo confessar a minha provável inaptidão para comentar essa obra de John Madden, tal é a variedade de opiniões por mim identificadas nas tantas pesquisas que fiz na internet. Os sete óscars a ela cedido – em especial no tocante às categorias Melhor Filme, Melhor Atriz (Gwyneth Paltrow) e Melhor Atriz Coadjuvante (Judi Dench) são alguns dos pontos nevrálgicos dos críticos ao comentarem a obra, que, a princípio, eu defino como belíssima, reconhecendo, porém, o fato de a mesma deixar o telespectador com a sensação de haver-lhe faltado algo.


Nesse âmbito, se eu quisesse (e pudesse) listar o que falta a Shakespeare Apaixonado, eu colocaria, como primeiro elemento da lista, a consistência. Embora ciente da possibilidade de estar eu equivocado, parece-me ser inconcebível ao telespectador moderno uma história de amor – estória, para este caso – alicerçada em uma premissa inverossímil, como é o caso do romance entre Will (Joseph Fiennes) e Viola (Gwyneth Paltrow). Esta última, antes mesmo de conhecer o seu amado, já era, de alguma forma, apaixonada pelo mesmo, tal era o seu encantamento diante das peças que assistia no magnífico The Rose Theatre, onde, na vida real, Shakespeare realizou os seus primeiros trabalhos, acredita-se. O personagem de Fiennes, por sua vez, apaixona-se pela heroína à primeira vista, deslumbrando-se com a sua imagem ao conhecê-la durante uma valsa. E aí temos um outro problema: enquanto Will descreve para seu companheiro a bela mulher que contempla diante de si, a sua descrição não corresponde ao que o telespectador vê de fato.


Aqui, vale tecer alguns comentários sobre a atuação de Paltrow em Shakespeare Apaixonado. Dela, pode-se dizer, em primeiro lugar, que é uma mulher de aparência comum, dando vida a uma personagem talvez doce demais para o que um homem com o perfil psicológico do personagem Will pudesse esperar de uma mulher. Isso, porém, o telespectador releva sem dificuldade. Em segundo lugar, menciona-se o fato de que a interpretação afetada de Paltrow nas manifestações do exacerbado amor de sua personagem soa como sarcástica, o que, a despeito de tratar-se de uma comédia, não me parece ser a intenção de Madden. O amor ali, penso, era para parecer sincero. Tudo isso, creio, deve-se muito à inadequação de Paltrow para o papel, o que me leva a lamentar o fato de Kate Winslet – a Rose DeWitt Bukkater, de Titanic (1997) – haver recusado o papel. Não sejamos, porém, assim tão duros com Gwyneth Paltrow. Ela tem lá os seus momentos de brilho no filme, e, apesar dos pontos negativos, acaba por defender bem a sua Viola. A sua atuação, porém – e disso eu estou certo – não a torna digna de desbancar concorrentes como Fernanda Montenegro e Maryl Streep, como aconteceu.


Ainda focando as atrizes, prefiro não entrar no mérito da premiação com o óscar à Judi Dench, não podendo negar, todavia, que as três ou quatro aparições da atriz como a imponente Rainha Elizabeth, somando algo próximo de seis ou sete minutos, são o suficiente para que o telespectador perceba que Dench não está ali a passeio. Acredito haver uma certa tendência a exaltarmos a atuação de atores idosos no cinema, não sei se por respeito ou se pelo brilhantismo que o tempo, naturalmente, atribui a esses atores, mas isso nem me parece lá de grande relevância. A personagem de Dench, com sua fala incisiva, sua expressão lacônica, dividida entre a consciência da dureza de ser mulher e a necessidade de fazer a justiça dos homens, coloca a atriz em alto patamar, rendendo-lhe, sim, muitos merecimentos.


Quanto a Fiennes, não resistirei a mencionar que o mesmo não está, infelizmente, tão, digamos, “exposto” como estaria quatro anos mais tarde em Mata-me de Prazer (2002). A despeito dessa lástima, porém, o ator defende bem o seu papel, dando vida a um Shakespeare romântico, engraçado, o que fica difícil de imaginarmos sobre o dramaturgo à leitura de tragédias como Otelo, Hamlet e mesmo Romeu & Julieta. A meu ver, Fiennes aparenta ter a idade certa para o papel (tinha apenas 28 anos na ocasião das gravações, mas o personagem aparentava estar na casa dos trinta) e a aparência pertinente ao que o diretor pretendia: sedutor, com um olhar que, de acordo com a necessidade, se alterna entre o frio, o piedoso e o apaixonado. Isso, porém, ainda não o torna digno do óscar e fico feliz que a Academy of Motion Picture Arts and Sciences não haja cometido em relação a ele o mesmo erro que cometeu ao premiar Paltrow. Já a indicação do mesmo na British Academy of Film and Television Arts, na categoria Melhor Ator, e no MTV Movie Awards, na categoria Melhor Revelação Masculina (e que revelação...!) parecem-me justas.


Talvez pela mescla de romance, comédia e fatos e personagens reais, Shakespeare Apaixonado chegue ao final como uma obra inacabada, ou mesmo como uma obra que tinha às mãos tudo o que lhe era necessário para ser ainda maior, não sabendo aproveita-lo, contudo. Isso, porém, está longe de reduzi-la a um filme ruim. Muito pelo contrário, tratamos aqui de uma obra bastante corajosa por apresentar um Shakespeare sensível e “gente boa” quando tanto especula-se acerca do caráter, sexualidade e religiosidade do verdadeiro William Shakespeare. Uma bela direção de arte, um impecável figurino e texto apaixonado. Tudo isso coloca o filme em merecido destaque, efetivando-o como aquela estória que a gente pode assistir por repetidas vezes com o mesmo encantamento. Enfim, um bom filme. Um bálsamo para almas, tal como a minha, apaixonadas...


(...)


– Queres partir? Ainda não amanheceu. Do rouxinol – não da cotovia – era a voz que te feriu o ouvido. Canta assim todas as noites. Ouve, amor, é o rouxinol.


– Foi a cotovia... anunciando o sol... não o rouxinol. Olhe, amor, o rubor das luzes invejosas que tinge as nuvens no levante. As velas noturnas se apagaram. A aurora pousa os pés na crista das montanhas. Devo partir para viver... ou ficar e morrer.


– Não é a luz do dia que vês. É um meteoro, talvez, que o sol exala para guiar-te esta noite como uma tocha a caminho de Mântua! Fica mais um pouco. Ainda é cedo.


– Que me prendam. Que me matem. De bom grado teu desejo vou cumprir. Prefiro ficar. Não quero partir. Oh morte, és bem-vinda! Julieta assim o quer.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Considerações sobre o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência e a sua luta de todo dia


Esta imagem, comumente vista em páginas de discussão online sobre a temática da deficiência, eu retirei do blog da vereadora Edileuza (Tucuruí/PA), do PSC.

Uma breve consulta à internet foi o suficiente para proporcionar-me, há pouco, algum contentamento, visto que a mesma me notifica, em inúmeros resultados de uma busca ao Google, sobre ações promovidas pelo mundo afora em comemoração ao 3 de dezembro, escolhido pela Organização das Nações Unidas (ONU) para mais intensa conscientização acerca da condição e demandas da pessoa com deficiência. Assim, temos o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, em 3 de dezembro, e o Dia Nacional de Luta da Pessoa Portadora de Deficiência (sic), em 21 de setembro, celebrado nesta minha pátria amada. Dezembro, aliás, consta de inúmeras datas comemorativas que, de algum modo, se relacionam dentro dessa temática inclusiva. Dentre elas, parece-me pertinente destacar ainda o Dia da Criança Defeituosa (sic), em 9 de dezembro, o Dia da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro, e o Dia do Deficiente Visual, em 13 de dezembro.


Essas, diferentemente de datas comemorativas como o Natal, não existem para o culto a uma grande personalidade ou a um grande feito, constituindo-se, sim, como dias para a reflexão acerca do quanto há ainda por fazer no âmbito da inclusão e respeito concreto à cidadania do outro que não enxerga; que se locomove com dificuldade; que aprende/assimila as informações em tempo mais longo que os demais, ditos comuns; que não escuta; enfim, de todos aqueles que, por apresentarem-se física, mental e/ou sensorialmente fora do padrão de normalidade socialmente estabelecido, carecem de terem atendidas as suas peculiaridades, promovendo-se, assim, a concretização do ideal de igualdade e respeito à diferença. Essa, aliás, é a mais complexa e bela dualidade não raro trazida à baila nos contextos de discussão/estudo em inclusão social.


Pensar a luta cotidiana, todavia, é pensar, também, as histórias de sucesso; os bons resultados; os pontos de chegada alcançados por tantos indivíduos que, com suas cadeiras, bengalas e afins, perseguiram, obstinados, por anos a fio. Daí a pertinência de chamarmos de “data comemorativa” esse 3 de dezembro. Histórias de sucesso, conheço muitas, o que coloca-me na condição de um ser humano privilegiado enquanto colaborador de uma instituição que, a despeito das barreiras que se lhe apresentam nesse sentido, segue firme no seu propósito inclusivo. Assim, me vejo, todos os dias – seja no trabalho seja na vida pessoal –, premiado pela convivência com o ator surdo, com o jornalista com paralisia cerebral, com o cientista social cego, a psicanalista com baixa potência visual, o lingüista com limitações locomotoras e tantos outros.


Esses, no entanto, não devem ser tomados como modelos de pessoas com deficiência, o que, se ocorre, só faz ocasionar maiores preconceitos e promoção dos estereótipos. No contexto inclusivo há ainda gente – e gente bem intencionada, aliás – presa às concepções estereotipadas de indivíduos com limitações, defendendo, assim, a noção de que esses vivem em constante processo de superação. Não raro me chegam relatos de pessoas que, ao cumprirem com uma mera obrigação – como apresentar um bom trabalho acadêmico ou cumprir com seus horários no trabalho – tiveram suas ações exaltadas por trazerem consigo o estigma da deficiência. Assim, a deficiência se nos apresenta, ainda, como algo negativo a ser superado, por exemplo, por uma notável inteligência, uma inquestionável índole ou um generoso dom para as artes.


Promover as minorias por via de sua exaltação parece-me não ser um bom caminho, uma vez que, no contato com a realidade, não raro gera frustrações, além de ofuscar os impasses ainda existentes nesse contexto. Nesse 3 de dezembro, o Estadão noticiou que países desfavorecidos concentram 80% de incapacitados (sic), fazendo uma explanação sintética de dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo o Estadão, dos 65 milhões de pessoas que necessitam de cadeira de rodas, apenas um número irrisório tem sua demanda atendida nas regiões mais pobres. A notícia apresenta ainda números alarmantes em se tratando de empregabilidade e políticas de acesso para pessoas com deficiência. Partindo do contexto mundial para a minha vida pessoal, apresenta-se-me a irmã de uma amiga que, fisicamente limitada por ocasião de uma paralisia cerebral, só recentemente, aos 40 anos de idade, conseguiu a cadeira de rodas, a qual, finalmente, proporciona maior conforto para si e sua família. Família essa, aliás, que, não resignada com o diagnóstico médico de que a criança recém-nascida, hoje mulher, não suportaria por muitos dias, enveredou-se por uma constante luta para oferecer-lhe a qualidade de vida da qual é digna, dispondo apenas das deploráveis condições do SUS e de um e outro programa.


Como se vê, as histórias de sucesso trazem consigo ou atrás de si uma longa e dificultosa jornada, sobre a qual todos os setores sociais devem ter plena ciência para que se trabalhe mais arduamente pela atual e pelas próximas gerações de pessoas com deficiência. Avançamos muito, é verdade. De uma época em que usuários da Língua de Sinais eram tidos como criminosos e crianças com deficiência eram sacrificadas, passamos a uma época em que se discute a educação prioritariamente inclusiva, a acessibilidade, a inclusão digital e as tecnologias assistivas. Urge, porém, que avancemos muito ainda, cientes da não equivalência entre “histórias de sucesso” e “vitórias”, dado que uma vitória, no contexto da inclusão, deve significar a aceitação, o respeito e a acessibilidade plena, e para chegar a tanto, o Brasil e o mundo têm ainda um bom caminho a percorrer.


Quanto ao trabalho com pessoas com deficiência, devo dizer do mesmo enquanto um trabalho extremamente humanizador e inquestionavelmente generoso, uma vez que, mais que uma remuneração, proporciona um constante aprendizado e me forma como um ser humano mais humano, envolvido e solidário. Assim, apenas hoje, à beira dos 30 anos, fico a me perguntar onde eu estava, o que estava eu fazendo durante todo esse tempo para não haver me envolvido antes com o edificante trabalho em prol desse grupo do qual eu faço parte. Assim, me torno mais humano a cada vez que, por exemplo, ajudo o meu amigo com limitações locomotoras a se virar no banheiro ou oferecer-lhe o braço para descer uma escada, enquanto o mesmo, fazendo uso da visão perfeita da qual não disponho, fica atento ao atravessarmos uma avenida ou ao aguardarmos o meu ônibus. Assim, agimos um pelo outro e ambos pela construção de uma sociedade mais tolerante, igualitária e inclusiva.
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quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Sem título

Bem me lembro. Foi em 1996. Estava eu na sexta série e uma professora de português – a Prof.ª Aparecida Fulanete – apresentou-nos uma proposta de atividade: a criação de um poema. Não recordo os detalhes, mas me lembro bem da minha inaptidão para esse tipo de coisa. Arriscava contos, mas não arriscava versos como hoje arrisco. Deu-se que minha irmã socorreu-me ditando-me este belo e singelo poema, criado por ela assim, de supetão, enquanto estávamos nós à mesa da copa fazendo nossas atividades escolares. E dá-lhe a inspiração dos amores adolescentes, lembrados por toda a vida...



[Sem título]
Patrícia Silva

Quantas vezes me vi amando
e acordado me vejo sonhando.
Sonhando com um verdadeiro amor...
E, cruelmente, sou despertado de dor.
Dor, ao perceber que me engano,
pois, quando me vejo amando,
descubro a ilusão.
Pobre deste coração,
que, ao pensar que ama,
é consumido nas chamas
e padece.
Às vezes, pobre de mim,
que, por um amor sem fim,
vivo à procura constante.
Um dia, de tão distante,
com certeza cansarei.
Quem sabe então esquecido
ele se torne vivo.
Quem sabe não seja engano
e este desejo insano
de amar se torne real.


sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Poema deboriano

E não é que, durante uma excelente aula de Língua Portuguesa, o deus da inspiração acertou em cheio a minha amiga Débora e ela, inventando de arriscar uns versos, acabou por dedicar a mim esta bela e singela poesia? E assim eu, dado a dedicar meus versinhos a outrem, foi finalmente poetizado também... Obrigado, amiga! Quero fazer felicidade...


Alex Gabriel da Silva.
Nascido no Brasil.
Criado em Parságada.

Poeta brasileiro.
Amante das palavras.
Sem medo de ser feliz.

Comprou um cantinho.
Foi morar sozinho.
Foi fazer felicidade.

Da sua amiga!
Débora

11/09/2010

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Sobre formaturas, aprendizados e saudades...

Há alguns dias – no dia 11 de julho, para ser mais preciso – fez um ano que me formei em Letras. Devo dizer que dois dias antes da ‘comemoração’ desta data, me fiz presente na cerimônia de colação de grau de uma pessoa muito querida, vendo-me às voltas com as lembranças da minha formatura. Há quem diga que toda cerimônia de colação de grau é a mesma coisa, que todas seguem o mesmo ritual etc. É verdade. Já assisti a inúmeras delas e percebo que todas são exatamente a mesma coisa. A diferença – e que diferença! – existe apenas para quem se forma; para quem, naquela ocasião, segura, vitorioso, o canudo como um troféu pelos anos de dificultosa lida...


Bons tempos aqueles...


Da faculdade, eu trouxe poucos, mas bons amigos! Alguns ‘inimigos’, contra a minha vontade; boas e más lembranças; bastante pendências, e muito, mas muito aprendizado. Bom, opto por não falar muito sobre, pois temo acabar caindo naquela pieguice sobre “o quanto aprendemos na faculdade” etc. e tal. Talvez até pudesse fazê-lo, mas falta-me, neste momento, inspiração para tanto. Sendo assim, limito-me a dizer que, na ocasião da cerimônia de colação de grau a qual assisti recentemente, vi-me tocado não só por ver a conquista de uma pessoa querida, mas também por ver uma outra pessoa querida – o patrono da turma – proferir um belíssimo discurso, durante o qual ele versava sobre superação, solidariedade e valores humanos. Belas palavras...


Assim, impossibilitado de postar aqui tão belo discurso, perguntei-me por que não postei aqui o meu discurso de formatura há mais tempo. Não que, livre de toda modéstia, eu esteja a dizer que o meu discurso é uma verdadeira obra-prima. Nada disso. Ocorre apenas que o mesmo foi aplaudido, foi elogiado e, principalmente, foi redigido com todo o meu afeto e orgulho por ser orador daquela turma. Só eu sei o quão significativos foram para mim os quatro anos de graduação. Aliás, apenas quem vive é quem sabe, e não me refiro apenas à cerimônias de colação de grau...


Sendo assim, posto a seguir o meu discurso, que me traz agora a lembrança daqueles intensos anos de faculdade, os quais eu não gostaria de vivenciar de novo, confesso, mas que serão para sempre lembrados como bons e saudosos tempos.



Discurso


Em primeiro lugar eu gostaria de agradecer a Deus, pedindo a Ele que abençoe o representante do reitor, assim como os demais à mesa: nossa paraninfa Profa. Vera, nossa patronesse Profa. Arabie, e professores Clézio, Raquel e Pedro, que por razões pessoais não pôde se fazer presente, embora assim se faça em nosso pensamento. Aproveito para agradecer à turma por me haver escolhido como seu orador. E, já que a turma me escolheu, eu lhes peço licença para esquivar-me do discurso pra lá de clichê que eu ouço em toda colação de grau. Falam da inocência que tinham ao ingressar na Universidade, do processo de conhecimento, das brigas e das festas que serviram sempre para manter unidos os colegas. Não! Recuso-me a dizer isso. Não porque nossa turma haja sido especial a ponto de não vivenciar o que vivenciaram todos os que nos antecederam. A minha recusa justifica-se tão somente pelo fato de eu, e creio que meus colegas hão de concordar comigo, estar levando desse curso algo que está muito além de ocorrências corriqueiras, panelinhas, amizades, festinhas... Nós estamos levando aquilo no que nos tornamos ao longo do curso.


Numa aula de Sociologia, no 2º período do nosso curso, chegamos a ouvir da nossa Professora Adriana Penzim que nós nos transformamos a cada segundo em algo novo e jamais, em circunstância alguma, nos será possível voltar a ser o que fomos há um segundo, como bem diz também uma canção de Lulu Santos...


Nós que nos encontramos aqui, vestidos de beca, tão bonitos, não somos aqueles que ingressaram na PUC Minas, tão tímidos, sem grandes opiniões formadas, de fato; curiosos em conhecer as mediações da Universidade. Desta Universidade da qual tanto desejamos sair... Sim, porque nem tudo foram rosas durante o Curso de Letras.


Em verdade eu penso que foram os espinhos os protagonistas da nossa trajetória. Não digo isso porque tivemos trabalhos em excesso, até porque quando se entra em uma Universidade, está-se propondo a isso. Os espinhos foram devido à turbulência na nossa mente diante do espetáculo do conhecimento. E como desejamos, inocentemente, que isso acabasse logo, pois, como bem diz a professora Vera Lopes, nossa tão querida paraninfa, “quem tem consciência, sofre.”.


O próprio orador que lhes fala chegou a afirmar, quando se viu, enfim, no 8º período, que o tão esperado canudo nada mais é do que a nossa carta de alforria. Sim! Não que tenhamos concebido a Universidade como uma prisão. Não!... Acreditamos, porém, que muitos de nós, se não todos, vimos a Universidade como o lugar que nos tirou da passividade, da indiferença perante o mundo, convidando-nos a ser sujeitos que questionam, que se posicionam, que opinam, que pensam. Eis a retirada dos grilhões da ignorância e, contraditoriamente, a colocação dos grilhões da dúvida, do questionamento constante e da inquietação permanente.


O.K.! Deixamo-nos transformar, e não mais voltaremos a ser o que éramos. Portanto, se isso não tem volta, que tenhamos nos tornado pessoas conscientes do próximo; pessoas mais humanas; pessoas capazes de entender que a diversidade, um emaranhado de línguas, culturas e raças, é a coisa mais maravilhosa da criação; que tenhamos compreendido de fato que, com uma só palavra, se fez o mundo; que tenha se eternizado em nós aquele menino que, em Manoel de Barros, “exagerava o azul”, ou aquele personagem que, por Guimarães Rosa, tem em um único parágrafo a expressão de toda a sua solidão; que tenhamos aprendido, com as aulas de Cultura Religiosa, que Deus é muito, mas muito humano, e é isso que Ele quer que sejamos; que tenhamos aprendido, com as aulas de Sociolingüística, que a língua de um povo expressa muito do que ele é e, com as aulas de Lingüística Românica, que essa história já é antiga e complexa... E que tenhamos aprendido, principalmente, que é preciso ter um olhar poético sobre a vida, vivendo-a com força, com firmeza, com caráter, mas sempre com delicadeza...


Meus caros colegas, cuja presença me será tão saudosa, que no exercício de nossa profissão, a qual é denominada de tantas formas – mestres, professores, educadores, formadores – tenhamos sempre como lema as palavras de Moysés Maimonides, proferidas pelo Grande Guimarães Rosa em seu discurso de formatura, no ano de 1930:


“Senhor, enche a minha alma de amor pela arte e por todas as creaturas. Sustenta a força do meu coração, para que esteja sempre prompto a servir ao pobre e ao rico, ao amigo e ao inimigo, ao bondoso e ao malvado. E faz com que eu não veja sinão o humano, naquelle que soffre!...”


E, se não pode faltar a poesia, eu não vou mais me estender, encerrando o meu discurso com uma poesia, pois poesia diz tudo. Faço minhas, então, as palavras de Cora Coralina:


“Não sei... se a vida é curta ou longa demais pra nós, Mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas. Muitas vezes basta ser: Colo que acolhe, Braço que envolve, Palavra que conforta, Silêncio que respeita. Alegria que contagia, Lágrima que corre, Olhar que acaricia, Desejo que sacia, Amor que promove. E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja curta, nem longa demais Mas que seja intensa Verdadeira, pura ... Enquanto durar.”


Obrigado a todos. Um grande beijo.


Alex Gabriel

Belo Horizonte, 11 de julho de 2009.



Discurso proferido em ocasião da Solenidade de Colação de Grau da turma do Curso de Letras da PUC Minas, unidade São Gabriel (2º/2005 – 1º/2009).


sábado, 10 de julho de 2010

"Educação não é mercadoria"

Há muito eu vinha planejando postar neste meu diário virtual o meu texto “A educação pelo viés capitalista: mero produto mercadológico ou direito do cidadão?”, premiado no I Concurso de Redação do Sindicato dos Auxiliares de Administração Escolar de Minas Gerais (SAAEMG). Inflar o meu ego está, obviamente, entre os meus objetivos ao publicar aqui o meu texto. Não é esse, porém, o meu objetivo primeiro. A grande verdade é que não tive ainda a oportunidade de fazer, mais formalmente, os meus agradecimentos as tantas pessoas que contribuíram e/ou que comemoraram comigo esta conquista.


Parece-me válido fazer os meus agradecimentos seguindo a ordem dos acontecimentos, começando, portanto, pela minha querida amiga Rosimária Ruela, colega de trabalho e a mais nova mamãe, por me haver contado sobre o concurso, incentivando-me a produzir o meu texto e enviar. Agradeço a minha querida amiga Débora Silva e ao meu caro (e charmosíssimo) ex-professor Clézio Roberto, por haverem lido, opinado e revisado o meu texto. Agradeço às pessoas do Núcleo de Apoio à Inclusão do Aluno com NEE da PUC Minas (NAI) – representados aqui pelo nome da Prof.ª Maria do Carmo Menicucci –, pelo tamanho afeto que me foi dado no dia da entrega do prêmio. Agradeço, de coração, aos membros do SAAEMG – aqui representados pelo nome de seu presidente Carlúcio Kleber Borges –, tanto pelo prêmio quanto pela presença no dia da entrega. Ao meu pai, por haver ido até o meu trabalho e levado o meu prêmio para casa (risos). Ao Paulo Cruz, designer e ilustrador, que produziu a caricatura abaixo, publicada no Informativo No Ponto junto à notícia da premiação. A todos os membros da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (CONTEE), pelo carinho e cordialidade com a qual nos receberam no XIV CONSIND da CONTEE. Agradeço ao Sérgio Messias Guimarães e à Andréia Pereira – 1º e 2º lugares do concurso – por me haverem dado a oportunidade de conhece-los, partilhando comigo as idéias acerca do cenário educacional brasileiro.


Enfim, é muita gente boa. Impressiona-me como alguns, ao serem ovacionados, inflam-se de auto-estima e esquecem-se de imediato das tantas pessoas que têm parte significativa em sua conquista. Que muitas vitórias venham ainda, e que, com a mão Dele sobre mim, eu siga valendo-me da palavra para brigar pelo respeito, pela inclusão, pela igualdade e pela vida de todo e qualquer ser humano. Um grande beijo.



A educação pelo viés capitalista: mero produto mercadológico ou direito do cidadão?


A educação - ao lado da saúde, do emprego, da habitação e do meio ambiente – figura no campo das necessidades básicas do ser humano. Verifica-se, porém, que, desde a nossa colonização, a educação apresenta-se deficiente, uma vez que marcada pela seletividade ao estabelecer modelos educacionais específicos para cada classe social, a saber: um modelo “acadêmico”, voltado para a burguesia, e outro mais primário, destinado às classes menos privilegiadas, sendo isso nada mais que uma cópia dos modelos educacionais europeus de então. Em uma sociedade acentuadamente hierarquizada, esforçava-se para manter como nula qualquer possibilidade de mobilidade social, oferecendo-se um sistema de ensino privado, isto é, dispendioso, o que já pressupunha o seu caráter seletivo e exclusivo, e ministrando, nesse modelo educacional burguês, conteúdos desprovidos de finalidades práticas para o dia-a-dia, o que levava à desistência o indivíduo pobre que por ventura ingressasse em uma escola inerente ao referido modelo.


A manutenção desse modelo educacional em detrimento às classes menos favorecidas, teve sucesso até a década de 20, quando começa a se proliferar no Brasil a chamada classe média. O surgimento dessa nova classe provoca o enfraquecimento do então modelo educacional voltado para atender apenas duas parcelas da população – a elite e o povo. A educação, então, vai se “deselitizando” e distanciando-se dos traços europeus, uma vez que era por via dela, a educação, que a classe média buscava ascensão social. Isso, todavia, não alterou em grande parte o cenário que se apresentava à classe desfavorecida de fato, uma vez que as políticas educacionais nesse âmbito não mudaram e o modelo educacional voltado aos indivíduos de baixa renda não era via de acesso a outros níveis de ensino.


A meu ver, esse quadro pouco ou nada mudou na atualidade, o que se confirma na explanação feita pela filósofa Marilena Chauí, em aula de inauguração da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, em palestra intitulada “Educação: direito do cidadão e não mercadoria” (20 de fevereiro de 2003). Chauí denuncia a resignação do povo brasileiro diante da existência de um ensino privado dito de qualidade e um ensino público dito ruim. Com base em Chauí, é possível afirmar que nossos atuais modelos educacionais permanecem trabalhando na manutenção da desigualdade e da exclusão, haja vista que, tal como ocorrido antes da década de 20, um modelo educacional dito de qualidade continua a ser restrito à classe média alta e superiores. Em outras palavras, a educação de qualidade é privatizada, ao passo que o ensino público, nos níveis fundamental e médio, é precário e de baixa qualidade, o que leva Marilena Chauí à conclusão de que a educação reduziu-se à mera mercadoria, quando devia ser efetivamente direito do cidadão.


No que concerne ao Ensino Superior, não me parece exagerado dizer que cursar uma faculdade passou a fazer parte da tão enaltecida moda, sendo, assim, equivalente à preocupação com a beleza e a estética. Em minha opinião, aliás, os cursos pré-vestibulares – que abrem e fecham todo dia – deviam promover, um pouco, a reflexão acerca do que o mundo espera de jovens universitários. Aposto todas as fichas em que, desta forma, dar-se-ia uma boa “peneirada” antes da data dos exames, diminuindo-se, assim, a má qualidade nas salas de aula do Ensino Superior. Até então, porém, tudo o que se tem é a fraca ressonância de uma militância universitária de outrora.


Um ex-professor da faculdade, a quem eu tenho como o eterno mestre Pedro Perini-Santos, bem soube denunciar a concepção de educação como mercadoria, quando escrevia para o Caderno de Cultura do Jornal Hoje em Dia. Munido da característica ironia desses escritos, Perini-Santos (Hoje em Dia, 06 de março de 2000) questionava a absurda banalização a qual foi submetido o conceito de educação, sendo que professores e alunos deixaram de sê-lo, para tornarem-se “funcionários e clientes”. Nesse âmbito, ainda segundo o autor, a educação – outrora sinônimo de humanização, de formação de sujeitos aptos a atuar sobre o mundo em que vivem – regride à mera condição de produto, cuja qualidade é avaliada pelo grau de “facilidades” que o professor oferece ao aluno, durante o processo que devia ser de aprendizagem.


Note-se o pertinente emprego da palavra “relação”, a qual, lamentavelmente, informa que não parte apenas do aluno a concepção equivocada de educação, mas também dos próprios diretores, educadores, enfim!, do grupo que tem o poder de reverter essa situação. E não me parece nada edificante que a própria educação, esperança da humanidade, perdendo apenas para a família, reproduza em si as relações de um mundo capitalista que ela tanto deve denunciar. Ora, eu sei o quanto essas relações são complicadas, sei que as instituições de ensino privadas precisam manter-se, sei o quão arraigadas estão na mente dos brasileiros concepções equivocadas de educação... Enfim. Isso, porém, não anula a minha consciência de que, no que toca a educação, as coisas estão, grosso modo, um tanto esquisitas! Poesia parece-me sempre uma boa pedida nessas horas, tanto que, nas minhas considerações finais, recorro aos versos do outrora polêmico poeta Neimar de Barros, que, “no vento livre do seu arbítrio”, questionava veementemente o leitor: “Quantos anos você tem? / Você tem idade para tomar vergonha / Ou a vergonha se consumiu na sua sociedade de consumo?”.


É, Neimar... Parece-me que a vergonha já se deixou absorver pela tal sociedade de consumo, sim. E junto dela se foram o caráter, a dignidade e, até, a educação... Mas há esperança, e, assim como eu, há quem não duvide disso.



Disponível em: I Concurso de redação do SAAEMG.


quarta-feira, 21 de abril de 2010

Das feias, a mais bela...

Inúmeras formas de se contar uma mesma estória: foi essa a conseqüência de Yo soy Betty, la fea, de Fernando Gaitán, que ocasionou a criação de outras feias por todo o mundo. Todas elas cativantes...

 


Ainda nos primeiros meses do ano de 2002, a RedeTV! começou a exibir uma breve chamada de estréia da primeira telenovela a ser por ela exibida. Naquela propaganda, toda a informação que tínhamos sobre a trama resumia-se à voz do locutor que, divertido, dizia: “Na RedeTV! vai chegar uma feia...” Víamos então uma curta cena – o suficiente para despertar a nossa curiosidade acerca da protagonista – e a continuação da fala do locutor. “...e você vai se apaixonar por ela!” Foi ‘dito e certo’, como costumamos dizer aqui em Minas. Betty, a feia (Yo soy Betty, la fea), trama colombiana de Fernando Gaitán, despertou paixões em inúmeros países que, numa empreitada nem sempre bem-sucedida, adquiriram os direitos da telenovela, adaptando-a as suas preferências. Recordo que, às vésperas da estréia da telenovela, ouvira em um programa da tarde intitulado A Casa é Sua – na época, apresentado por Sônia Abrão – que o SBT e a Rede Globo chegaram a entrar em uma verdadeira disputa pela aquisição dos direitos da telenovela. Obviamente, não era intenção da Rede Globo exibi-la, objetivando tão-somente impedir que a mesma trouxesse para o SBT a audiência que ocasionara em outros países. Deu no que deu: a passos curtos, a RedeTV! entrou em campo, adquiriu os direitos de exibição e brindou o público com a divertidíssima trama Betty, a feia, no período de 27 de maio de 2002 a 28 de junho de 2003, reprisando-a, com vários cortes e pouco sucesso, no período de 01 de dezembro de 2004 a 10 de março de 2005.


No que toca às adaptações da trama, podemos dizer que três delas tornaram-se conhecidas nossas, graças ao SBT e a Rede Record, que – desastrosamente, ao meu ver – tem sido a responsável pela primeira versão brasileira da obra de Gaitán. Sendo assim, nos foram apresentadas a mexicana A feia mais bela (La fea más bella), adaptação de Palmira Olguín e Alejandro Pohlenz, que alcançou grande êxito em seu país de origem; a premiadíssima série norte-americana Ugly Betty, adaptação de Salma Hayek, e, finalmente, a telenovela em exibição pela Rede Record Bela, a feia, de Gisele Joras. Objetivando identificar as diferenças entre tantas feias, faz-se necessário relembrar um pouco cada uma delas. Vamos a isso:



Muito embora essa história de moça-feia-mas-com-caráter-que-fica-bonita-com-o-tempo não fosse uma novidade para ninguém (todo mundo já viu essa estória em algum lugar), a telenovela Betty, a feia em si surpreendeu o público, tanto pela simpatia da sua protagonista como pelo jeito diferente de fazer novela. Os clichês, claro, estavam todos ali, até mesmo porque, de modo geral, são eles, em primeiro lugar, que sustentam uma telenovela. Nesse âmbito, tínhamos a moça feia, porém inteligentíssima e com caráter inquestionável; a paixão idealizada pelo patrão e, claro, o patrão mulherengo que, milagrosamente, render-se-ia aos encantos daquela mulher horrenda, totalmente distinta das inúmeras modelos que ele sempre galanteara. A trama, porém, passou longe de se resumir aos clichês, apresentando-nos verdadeiras questões de ordem ética e moral, como família, honestidade, aparências etc., tudo isso de forma bem-humorada. Outro ponto interessante foi a transformação da protagonista, que ocorre de forma lenta, concebível pelo telespectador mais exigente. Destaque também para os momentos antagônicos, que foram todos dispostos de forma equilibrada. Assim, temos o inesquecível capítulo em que Betty (Ana Maria Orozco) narra ao seu amado chefe Armando Mendonza (Jorge Enrique Abello) a triste história que vivera (ela fora vítima de uma aposta feita entre um grupo de jovens do bairro, que, empenhados em escarnecê-la pela sua aparência, decidiram-se por eleger alguém que tivesse a coragem de transar com ela); outro no qual ela encontra uma fatídica carta que lhe revela estar sendo novamente vítima de um ato inescrupuloso (o seu chefe a seduzira apenas por interesses relacionados à empresa, muito embora já a amasse de fato a essas alturas) e um último, em que, numa reunião entre os acionistas da Eco Moda, ela, desnorteada, apresenta o real balancete da empresa (que ia mal...), dispondo entre os documentos cópias da carta outrora encontrada.


Os tropeços de Betty, a feia, ficaram por conta das histórias não concluídas e das mudanças de idéia de Gaitán. Nesse âmbito, temos o misterioso amor da boa Inesita (Dora Cadavid), que, simplesmente desaparecera da trama; a história mal resolvida entre Sofía (Paula Pena) e o ex-marido, que não fora aprofundada; os problemas que Bertha (Luces Velásquez) enfrentava na tentativa de emagrecer, e, finalmente, o superficialíssimo final dado à personagem Patrícia (Lorna Paz), que, durante a trama, dera sinais de estar se humanizando e, inclusive, apaixonando-se pelo estranho Nicolas (Mario Duarte), amigo inseparável de Betty, tão bizarro quanto ela. Nesse sentido, a trama nos pareceu um tanto descuidada, mas uma boa trama, devido às questões que abordara, a propriedade com que eram tratados os assuntos empresariais e, claro, a história central – o romance entre Betty e Armando, sem falar as participações especiais, dentre as quais esteve a brasileira Taís Araújo, na época conhecida na Colômbia graças ao seu sucesso em Xica da Silva.



Não estou certo disso, mas receio que, por mais que Betty, a feia haja cativado o público, o seu remake mexicano A feia mais bela acabou por ser mais bem-sucedido do que a trama original, especialmente no México, claro. Desconheço os ingredientes que a adaptação de Palmira Olguín e Alejandro Pohlenz tinha para conseguir tal sucesso, mas a mim, particularmente, a trama não passou de uma versão piorada da obra de Gaitán. Assim, nos deparamos com uma Patrícia e uma Aura Maria (Stefanía Gómez) substituídas por uma Alice Ferreira (Patrícia Navidad) e uma Paula Maria (Niurka Marcos) bastante vulgares; um Nicolás Mora substituído por um horrendo Tomás Moura (Luis Manuel Ávila); um Armando Mendonza que virou um Fernando Mendiola, cujo intérprete Jaime Camil se esforçava para deixar engraçado e fazer parecer galã. Ah, claro... Há também a protagonista Letty (Angélica Vale), diferente da original, mas simpática com suas características bizarras. Podemos mencionar também o famigerado “Quartel das feias”, que, enquanto na trama original era composto por mulheres comuns – algumas delas até muito bonitas – porém diferentes no modo de vestir, na classe social e no comportamento, na adaptação A feia mais bela é substituído por outro quartel, composto por personagens realmente feias e pouquíssimo simpáticas. Apesar dos pontos negativos, no entanto, a trama merece a nossa benevolência, tanto por ser mais uma adaptação do que um remake quanto pelo fato de o SBT – responsável pela exibição da telenovela no Brasil – haver destruído a obra, graças aos inúmeros cortes, à péssima dublagem e às constantes alterações no horário de exibição.


Isso, no entanto, não desmotivou a Rede Record, que, na tentativa de conquistar tanto o público global quanto o “essebetano”, anda produzindo novelas no estilo de ambas emissoras. Assim, tão logo o SBT rompeu contrato com a Televisa, a Rede Record firmou contrato com a rede mexicana, apresentando, assim, Bela, a feia, novela de Gisele Joras. De ‘adaptada’, porém, a trama tem somente o básico, pois trata-se, de um modo geral, de uma estória diferente, com vários núcleos adicionais e situações inverossímeis, tratadas com imensa naturalidade por Joras, novelista outrora comparada a Janete Clair pelo seu trabalho Amor e intrigas, também exibido pela Record.



Bela, a feia nos apresenta a protagonista Anabela Palhares, a Bela (a realmente bela Giselle Itié), personagem cuja autora vive a nos tentar convencer que é inteligentíssima, embora fique ela totalmente muda diante das constantes e até criminosas humilhações de Verônica (Simone Spoladore), Cíntia (Carla Regina) e Adriano (Iran Malfitano). Aliás, Joras parece ter alguma cisma com humilhação, pois, além de Bela, temos Guto (Daniel Aguiar), inúmeras vezes insultado por Diogo (Sérgio Menezes); Dinorá (Ildi Silva), sempre humilhada por Adriano, e Olga (Ângela Leal), exaustivamente maltratada por Cíntia e Verônica. Assim como Bela, todos eles ficam devidamente calados diante das humilhações. Vá perguntar para Joras qual é o sentido disso... Poderíamos listar aqui uma série de outros pontos negativos de Bela, a feia, a começar pelo desperdício de atores com personagens que ficam muitíssimo aquém do talento deles. É o caso de Simone Spoladore, premiada pela sua atuação em Desmundo, adaptação cinematográfica da obra de Ana Miranda. Uma excelente atriz que tem que se virar com o péssimo texto que lhe é imposto. Ela, no entanto, defende bem a sua vilã, ao menos na medida do possível... Além de Spoladore temos muitos outros, como Jonas Bloch, Luisa Thomé, Esther Góes, Sílvia Pfeifer etc. Bons atores, notáveis por trabalhos anteriores, que ficam movimentando-se feito tolos em Bela, a feia, trocando de personalidade como trocam de roupa. Sobre a transformação de Bela, podemos mencionar a forma apressada com que foi mostrada. O.K., O.K.... Estou ciente de que, do início da trama até a transformação da protagonista, passou-se o tempo de uma gestação, certo? Algo próximo de nove meses. O problema está em como isso aconteceu: em menos de dez capítulos Bela se torna uma mulher maravilhosa, assume a presidência da Mais Brasil, revela ao seu amado Rodrigo (o belíssimo Bruno Ferrari) a sua identidade, e desperta o ódio de Verônica, que, após vê-la no disfarce de Valentina Carvalho apenas em uma ocasião, vê-se já decidida a armar o seu seqüestro, junto dos bandidos Dinho (Thierry Figueira) e Ataulfo (André Mattos), a dupla que, embora clichê, está entre as poucas coisas que salvam a trama. Recordo-me bem do que mencionei sobre os clichês anteriormente. É claro que eles são necessários. Bela, a feia, no entanto, é sustentada única e exclusivamente por eles, e isso é um grave problema. Problema é também a relação dos personagens Diogo e Diego (Daniel Erthal), através dos quais a homossexualidade é tratada de uma forma velada e bastante descuidada. A trama não poupa o telespectador dos beijos entre o bissexual Diego e Vanda (Denise Del Vecchio), mas entre Diego e Diogo não vimos nem sequer um ‘Adoro você’. Para quê então colocar um casal homossexual na estória? Pergunte à Joras... Aproveite e pergunte também o porquê da semelhança entre os nomes Diego e Diogo. Mera coincidência ou uma metáfora abaixo do paupérrimo? E além de metáfora pobre temos que aturar também Psicanálise barata através do personagem Guto, que, desprezado pela mãe Bárbara, envolve-se com a quarentona Vanda, em determinado momento da trama. Isso sem falar nos chatíssimos e desprovidos de qualquer sinal de inteligência diálogos entre Guto, Dinorá, Sheyla (Camila Guebur) e Tânia (Alice Assef), a substituta de Mariana (Natalia Guimarães, a Miss Brasil 2007).


É claro, porém, que Bela, a feia tem alguns méritos, embora poucos. Dentre eles, destaca-se a galera da Gamboa, em especial a galera do Salão Montezuma, onde os atores tem a árdua tarefa de parecerem engraçados e, por muitas vezes, conseguem. Engraçadíssima a relação entre Elvira (Bárbara Borges) e Magdalena (Laila Zaid), cujas constantes brigas são a prova da sua grande amizade. Bárbara Borges defende muitíssimo bem a sua simpática Elvira, com aquele jeito gostoso de falar e seu semblante que expressa delicadeza e bondade. É uma pena que sua personagem esteja limitada às brigas com Magdalena e aos namoros com todos os amigos de Rodrigo, que, por razões pessoais dos atores, acabam abandonando a trama... Na Mais Brasil, destaca-se o excelente trabalho de Roberta Gualda (lembram-se da homofóbica Paulinha de Mulheres apaixonadas?), interpretando Luzia, que, ao lado de Nelson (Cláudio Gabriel), Hortência (Bia Montez) e da galera da Gamboa, compõe o núcleo cômico da trama. Destaque também para o trabalho de Marcela Barrozo, como a malvada adolescente Ludmila, e Sérgio Menezes, como Diogo, que, por sua atraente retórica, dá um toque especial a qualquer personagem que interprete.


Bela, a feia é assim: uma trama que tinha tudo para dar certo, mas não dá, tão instável que é. Serve, porém, como entretenimento, graças às situações engraçadas e ao romance entre Bela e Rodrigo, embalado pelas belíssimas canções Dulce Melodia e Mi Sol, da dupla Jesse & Joy, e In Your Heart I'm Home, da dupla Alex Band e Yasmin.


Reconheço que uma crítica mais consistente deve ficar por conta de grandes críticos da teledramaturgia, pessoas entendidas no assunto. Eu, no entanto, na condição de mero telespectador, defendo que a telenovela, tal como o cinema, não deve reduzir-se ao mero entretenimento, constituindo-se, sim, como manifestação artística, e possibilitando, dessa forma, a reflexão acerca de assuntos que perpassem a existência humana. Bela, a feia, infelizmente, está longe de consegui-lo, deixando todos os méeixando todos os mos que perpassem a existflextituindo-se, sim, como manifestaçicadeza e bondade. ritos para Betty, a feia, tal como para sua premiada adaptação norte-americana em forma de série. Estou falando da famigerada Ugly Betty, série em exibição na ABC desde setembro de 2006, nos Estados Unidos. No Brasil, tomamos conhecimento da série através do SBT, que, após havê-la exibido até a 2ª temporada com inúmeras alterações de horário, cancelou a exibição. Nós brasileiros, porém, temos ainda a possibilidade de conferir a série através do canal pago Sony.



Muito bem, meu caro leitor, se você nunca ouviu falar de Ugly Betty, ou se já ouviu, mas nunca teve a oportunidade de conferi-la, não vá esperando encontrar a feia deslumbrada pelo chefe e desejosa de fazer parte do mundo das mulheres 90-60-90. Nada disso: Betty Suarez (America Ferrera), durante toda a série, mantêm-se empenhada em não adaptar-se ao mundo que a rodeia dentro da Mode Magazine, e ela tampouco se apaixona pelo chefe, Daniel (Eric Mabius), embora a 4º e última temporada da série nos dê sinais de que haverá algo entre eles. Durante toda a série, porém, Betty se relaciona com rapazes do mundo dela, sem idealizações. Outro ponto é que Betty, com a sua indumentária nada a ver e com o seu jeito desastrado, não é uma personagem totalmente fora da realidade, sendo que, em nosso cotidiano, podemos facilmente nos deparar com alguém semelhante. E é justamente isso que é interessante em Ugly Betty: os elementos da realidade, sendo muitos deles constantemente colocados em discussão na série. Nesse âmbito, temos a homossexualidade na adolescência, seriamente tratada através da personagem Justin (Mark Indelicato), o que chegou a gerar protestos nos Estados Unidos, dado o argumento de que a personagem (tal como o próprio ator) era muito nova para que se tratasse a sua orientação sexual. Apresentou-se-nos, também – embora de maneira mais superficial – o tema da transexualidade, através da personagem Alexis (a belíssima Rebecca Romijn). De um modo mais geral, podemos citar valores – como honestidade, aparências e família – que são, tal como em Betty, a feia, abordados na série. Destaque, por exemplo, para as diferenças gritantes entre a humilde família de Betty Suarez – onde todos se ajudam e se amam, a despeito dos naturais problemas familiares, prevalecendo sempre o acolhimento – e a sofisticada família de Daniel, sempre desestruturada e marcada pelas desavenças.


Em se tratando de Ugly Betty, é difícil mencionar o talento desse ou daquele ator. Portanto, para não tornar ainda mais longo esse artigo, mencionarei apenas dois deles. Sendo assim, vamos à esplêndida Vanessa Williams (a Miss América 1984), que constrói a sua vilã Wilhelmina Slater com notável sucesso. Em suma, durante toda a série Wilhelmina dedica-se a bolar artimanhas para tornar-se a editora-chefe da Mode, sempre com o apoio do seu simpático aliado Marc (Michael Urie). Wilhelmina é aquele tipo de vilã que – embora sempre temida pelo telespectador, que sabe que ela sempre terá uma carta na manga – conquista até o mais escrupuloso dos seres com a sua graça, sua beleza rara e seus planos ardilosos e bem pensados para conseguir o que quer. Mas é claro que Wilhelmina em momento algum ofusca a nossa amada Betty Suarez, sempre empenhada em tirar o seu chefe das dificuldades (todas elas ocasionadas pelo péssimo caráter de Wilhelmina) e sempre às voltas com escolhas difíceis de serem feitas e situações que colocam à prova a pessoa que é. Parece-me muito pouco dizer que America Ferrera defende bem a sua Betty, uma vez que ela faz muito mais do que isso: ela dá vida a uma personagem que, em inúmeros aspectos, serve de exemplo para qualquer ser humano, conquistando qualquer público realmente inteligente. É lamentável que, ao final de sua 4ª temporada, tenhamos que nos despedir de Ugly Betty, ficando carentes das extraordinárias situações com as quais só nos deparamos ali, na Mode.


Foi essa a consequência da obra do colombiano Fernando Gaitán, da qual ele deve ser orgulhoso, mesmo havendo-se passado onze longos anos de sua criação. Há rumores de que Ugly Betty ganhe uma versão cinematográfica, com a própria America Ferrera no papel principal, mas nada ainda está confirmado. Receio que, encerrada Bela, a feia, não mais teremos ressonâncias da obra de Gaitán, tão desgastada que já está a fórmula. E após essa longa fase de adaptações mexicanas, brasileiras, portuguesas, turcas, russas, holandesas, estadunidenses e tantas outras, o que nos restará será a lembrança das feias que tomaram conta do coração da gente. Todas elas – Ana María Orozco, Angélica Vale, Giselle Itié, America Ferrera e as demais – nos virão à mente como as feias que nos deram uma importantíssima lição: o ser humano é muito mais que um corpo bonito vestido com sofisticação, e a beleza nada mais é além de algo que, durante uma longa trajetória, vai se manifestando de dentro para fora.