terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Do Começo ao Fim

Título original: Do Começo ao Fim
Ano: 2009
Direção: Aluizio Abranches
Roteiro: Aluizio Abranches
Gênero: Drama
Origem: Brasil
Duração: 100 minutos

As críticas ao filme “Do começo ao fim” estão se tornando tão inúteis quanto o próprio filme, tal é a repetitividade delas. Que isso não seja interpretado como uma “crítica às críticas”. Muito pelo contrário, as considero naturais, uma vez que o filme frustrou a expectativa dos inúmeros telespectadores que, assim como eu, foram como que ludibriados por um trailer inquestionavelmente belíssimo! Aliás, “Do começo ao fim” levou-me a vivenciar a primeira experiência de me decepcionar com um filme cujo trailer o superava.

Não reparem, mas discorrerei mais acerca do trailer, pela razão que explicarei logo a diante. Esse consegue deixar o telespectador exatamente na tensão que o filme como um todo deveria deixar. O fundo musical que perpassa todo o vídeo promocional e a boa seleção de cenas são elementos que contribuem para que se pense que “Do começo ao fim” se trata de um bom filme. Ledo engano... O que ele tem de ousado é tão somente a proposta, e não se permita enganar pensando que o filme lhe proporcionou alguma reflexão, pois não foi o filme quem fez isso, mas o trailer.

Procuro não colocar em questão o fato de não haver conflitos no filme, uma vez que Aluizio Abranches, desde o princípio, deixou explícita a sua intenção de construir um filme libertário, objetivando promover a reflexão de que o amor, mesmo que numa representação postulada como “errada”, se torna uma aceitável e até bela possibilidade se considerado no contexto da realidade do nosso mundo, marcado por um caos ocasionado pela falta de consciência do outro. Em vez disso, porém, nos são apresentados dois personagens fisicamente belos, mas longe de serem simpáticos. Eles parecem tão absortos neles mesmos, que o telespectador não é levado a regozijar-se com eles em seus momentos de felicidade, tampouco entristecer-se e torcer pelos mesmos em seus momentos de solidão e saudade. Tanto faz para o telespectador se ambos voltarão ou não a viverem juntos. Será por quê? Bom, talvez os telespectadores hajam experimentado dissabores maiores do que uma bela oportunidade no exterior que lhes impossibilita uma costumeira transa com determinado parceiro.

A ironia foi extremamente exagerada, não é? Eu concordo, mas quem me lê há de convir comigo que ela chega a ser bem plausível se considerarmos, por exemplo, uma cena em que os personagens Francisco e Thomas (ou só um deles, não entendi bem) se masturbam enquanto se vêem pela internet. Essa cena, que parece querer expressar a urgência que os personagens têm um do outro, não consegue nada além de ser mais ou menos erótica e desnecessária. Podemos nos referir também à cena em que ambos dançam, pensando-se, neste ponto, na desnecessidade de eles estarem nus. Resumindo, o problema é o seguinte: essas e outras cenas seriam muito lindas se o filme conseguisse expressar, como pretendia, o amor entre aqueles personagens. Eles, infelizmente, são muito superficiais, o que nem é tanto culpa dos atores, mas do roteiro, da forma como as coisas vão caminhando no filme. O personagem Francisco, quando adulto, chega a parecer tolo ao chamar o irmão por aquele apelido tão sem graça (Tom-tom, ou algo parecido). É visivelmente forçado.

Ops! Eu mencionei a palavra “irmão”? Pois é, surpreendi você, não é? Você havia se esquecido de que os personagens são irmãos, certo? Bom, ao menos para mim, esse parentesco pareceu ser apenas um detalhe no filme, pois, com o decorrer do mesmo, a sensação que eu tinha era a de que me estava sendo apresentada apenas uma relação homoafetiva comum, o que me levava a perguntar para quê este filme foi feito. Essa, porém, não é uma pergunta difícil de se responder. Abranches parece ter construído “Do começo ao fim” com o objetivo de enaltecer alguns estereótipos gays (reproduzido por grupos gays específicos, vale ressaltar. Nada de generalizações). A beleza “top model” dos personagens, a riqueza presente nos ambientes, a oportunidade na Rússia. De forma alguma estou dizendo que os atores não deveriam ser bonitos. Muito pelo contrário... Essa beleza, porém – unida aos demais elementos mencionados – considerados no contexto da proposta de Abranches, acabam por revelar que o mesmo duvida que se possa criar um filme libertário com personagens comuns. Ou seja: a experiência de um amor pleno livre de preconceitos só é possível em um contexto específico. Você vê isso como um filme libertário? Ah, tenha dó...

Em um determinado momento, o telespectador se vê quase que desinteressado pelo final do filme. Afinal, se o filme não vinha mostrando nada, o que poderia mostrar de interessante no final? As metáforas também não são boas, e as que são, não funcionam. Destaque para uma delas: enquanto os personagens, quando crianças, falavam sobre passarinhos, gaiolas etc., o (às vezes chato) personagem Thomas vira-se para a governanta Rosa dizendo “Rosa, promete que nunca vai deixar que coloquem a gente em uma gaiola?” (nunca vi nada mais forçado), ao que o personagem Francisco responde “Eu não vou deixar”, resposta tola, haja vista que o paternalismo desse em relação a Thomás simplesmente desaparece na idade adulta de ambos, o que é uma pena, pois daria certo romantismo à relação. A mencionada personagem Rosa, por sua vez, é um dos problemas na trama. Numa cena de diálogo entre ela e Julieta – cena essa bem divertida, não nego – há a clara tentativa de se contextualizar aquela personagem, mas é apenas mais uma tentativa frustrada dentro do filme. A primeira cena de sexo entre os personagens também é um problema, e grave... Será que Abranches pensou que lançar uma cena de sexo logo no início da segunda fase do filme era a única forma de conscientizar o telespectador da existência de uma relação afetiva entre os personagens? Ou será que ele tinha muita pressa em mostrar tal cena, ciente de que, no Brasil, as pessoas dão a vida para ver uma cena de beijo entre homens no último capítulo da novela das oito?

Mas não sejamos injustos, vai. “Do começo ao fim” não é uma catástrofe, tampouco me causou a sensação de haver perdido o meu tempo e dinheiro no cinema. O que permite isso, no entanto, é a brilhante atuação de Júlia Lemmertz, perfeita no papel de mãe acolhedora, afetuosa, amiga. Todas as cenas dela são gostosas de se ver. Houvesse ela permanecido no filme na fase adulta dos protagonistas... Infelizmente, porém, sua personagem teve que morrer, a governanta Rosa teve que cair fora e Alexandre, o pai, teve que se mandar, graças à aparente dificuldade de Abranches em tratar a relação homoafetiva e incestuosa de forma libertária na presença desses personagens. O personagem Thomás fala de livre-arbítrio no início do filme? Ah, sem pais e outros parentes próximos por perto até eu exerço o meu livre-arbítrio, ora. Com tantos obstáculos de peso a menos fica bem mais fácil... Mas voltando aos pontos positivos: Júlia é a estrela do filme, maravilhosa; o personagem de Fábio Assunção é meio apagado na trama, mas chega a chamar a atenção, uma vez que a gente sabe que, culturalmente, o pai é mais resistente em lidar com certos assuntos. Fábio defende bem o seu papel. Gabriel Kauffmann, a despeito das várias falhas na sua interpretação, arranca boas risadas em algumas cenas. O personagem Francisco, quando adulto, também chega a parecer simpático quando dialoga, em sua casa, com a personagem interessada por ele (esqueci-me do nome da personagem). E eu não deixaria de mencionar, claro, um belo diálogo que ocorre entre os personagens quando esses acabam de fazer amor. “Para entender o nosso amor seria preciso virar o mundo de cabeça para baixo”. A cena é marcante pela sua beleza.

O filme de Abranches é assim. Baseado em uma proposta maravilhosa, mas que não se concretiza. Não por má direção, pois, com base em seus trabalhos anteriores, julgo Abranches como um bom diretor. Em termos de roteiro, no entanto, “Do começo ao fim” é muito problemático... E levemos em consideração também o fato de que, pelo que consta, não foi um filme fácil de se fazer. Estrear um tema desses... O filme se torna imperdoável, no entanto, devido ao tratamento que foi dado a uma boa e pertinente idéia. Que pena...

O curioso é que algumas mentes limitadas têm interpretado as críticas negativas ao filme como uma manifestação de resistência à questão da homossexualidade, e então entram em apaixonada defesa à obra. Alguns outros, almas fúteis e corrompidas por determinados valores, talvez considerem este filme um merecedor do Oscar!, por mais que, lá no fundo, saibam que ele é bastante vazio, chegando a ser apenas parcialmente interessante, mas, no geral, inútil do começo ao fim.

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