terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Hairspray - Em Busca da Fama

Título original: Hairspray
Ano: 2007
Direção: Adam Shankman
Roteiro: John Waters (roteiro de 1988), Mark O'Donnell (peça musical), Leslie Dixon (roteiro)
Gênero: Comédia/Drama/Musical
Origem: Estados Unidos/Reino Unido
Duração: 117 minutos
O meu ingresso na idade adulta é marcado por, dentre tantas coisas, minha compreensão da Sétima Arte como boa oportunidade de se promover a humanização, tal é a possibilidade de que um filme seja origem de determinadas reflexões. Hairspray – Em Busca da Fama se encaixa na minha concepção de cinema com tal perfeição, que impressionou a mim mesmo. Confesso que, até então, filmes do gênero comédia não me haviam proporcionado grandes reflexões, e as poucas que houveram logo caíram no esquecimento, ficando em minha memória tão somente as boas risadas que o filme me fizera dar. Hairspray, no entanto, conseguiu ir além disso, uma vez que munido não apenas de piadas e cenas inusitadas, mas também de romance, crítica e otimismo.

Infelizmente ainda não tive a oportunidade de assistir na íntegra à versão original do filme, de 1988. Mas julgo que tanto o filme de John Waters como este remake de Adam Shankman apresentam-se como excelentes filmes para os seus respectivos tempos. A crítica que Hairspray – Em Busca da Fama faz à segregação racial e aos padrões de beleza se dá de modo que o filme caia como uma luva para o século XXI. A história se passa na década de 60, o que é apenas um recurso do roteirista para que o racismo seja abordado de maneira mais enfática (atualmente, não há problema nenhum no fato de negros e brancos aparecerem juntos na TV, muito embora o preconceito ainda existente faça com que poucos negros consigam chegar “lá”), mas sabemos que o filme está longe de objetivar uma mera conscientização histórica, sendo, sim, uma denúncia à intolerância dos dias atuais.

Ao contrário de alguns filmes que levam o telespectador a desejar que o par romântico protagonista se desfaça, sem final feliz, Hairspray consegue dar vida ao romance dos seus personagens. O telespectador acredita na paixão entre Tracy e Link, Penny e Seaweed, Edna e Wilbur. E isso ocorre não é devido ao excesso de cenas românticas (não há tal excesso no filme), mas por causa das cenas musicais como I Can Hear the Bells, (You're) Timeless to Me e Without Love. Aliás, algumas das tantas cenas musicais contidas no filme merecem destaque, uma vez que marcam momentos decisivos da trama: Welcome to the 60s, quando a personagem Edna supera seus medos, graças à insistência de Tracy, que, ao início da canção, diz “Estamos nos anos 60. As pessoas diferentes serão aceitas!” Essa bela afirmação, unida às belíssimas vozes de Terita Redd e Shayna Steele, além do momento em que Tracy e a mãe, após transformadas, saem da loja do Sr. Pinky – que, por sua vez, também esbanja simpatia – e dançam na rua, ao lado de uma série de figurantes. É uma cena belíssima, principalmente porque é impossível não torcer pela afetuosa e acolhedora personagem de Travolta. I Know Where I've Been marca um momento sério na trama. A canção é triste, e o filme carecia dessa tristeza. É belíssima aquela passeata até a emissora, liderada pela personagem da bela Queen Latifah, tendo ao lado Tracy, a única branca em meio àquela multidão. Única pelo menos até aparecer Edna, que se junta aos protestantes e, num belo gesto, se põe à frente dos policiais, impedindo-lhes a passagem quando esses querem prender Tracy. Without Love marca tanto por ser um inocente hino ao amor como por afirmar de forma mais enfática que os personagens estão apaixonados. Há, ali, algo que une aqueles personagens negros, brancos, pobres, ricos e acima do peso: o amor. Além disso, estamos nos aproximando do momento final, Link demonstra que não é mais aquele sujeito egoísta e Tracy se une aos seus amigos, que, a gente sabe, vão ajuda-la.

You Can't Stop the Beat dispensa comentários. Não posso negar que o grande problema da trama – a segregação racial no Programa Corny Collins Show – é resolvido com muita facilidade, de forma um tanto superficial. A personagem Inez Strub se torna a principal dançarina do programa, após ser a mais votada na competição. Ela, todavia, mal aparece dançando, e, quando aparece, dá apenas uns passinhos fracos. A alegria dos personagens, no entanto, é contagiante; Amber e Velma Von Tussle têm um fim merecido (e engraçadíssimo!). Em um final alternativo, Velma ia presa, o que seria meio que exagerado no contexto do filme. Merece destaque a caracterização inesperada de Tracy, tal como a atitude solidária dessa e do personagem Link, ao juntarem-se aos seus amigos Penny e Seaweed, quando esses, inebriados pelo seu amor e pela música, entram no palco impulsivamente. Se a aparição de negros e brancos dançando juntos na TV era um absurdo, imagine então a aparição de um negro e uma branca em demonstrações de afeto. Destaque também para a belíssima aparição da personagem Edna nesta cena. Não é apenas Tracy que fica surpreendida ao ver sua mãe entrar no palco, mas também o telespectador. Observe o movimento que ocorre atrás de Edna quando essa entra. Não sejamos ingênuos, nenhum dos dançarinos sabia da existência de Edna. O movimento se dá pelo simples fato de que aquela Edna esconde o grande John Travolta, fenômeno dos musicais de outrora. E convenhamos: ele bem que merece. Embora neste filme ele não se apresente maravilhosamente como dançarino, sua interpretação é brilhante!

E pra fechar com chave de ouro, Motormouth Maybelle encerra o show, para o ódio da “Srta. Branquela”, com afirmações belíssimas e otimistas como “O futuro não diferencia negro de branco”. Queen Latifah sempre me pareceu uma grande, mas desperdiçada, atriz. Em Hairspray, no entanto, ela se supera pela personificação da mulher durona e batalhadora e pela ironia dos seus cabelos loiros.

Os personagens de Hairspray têm vida própria: Tracy (e creio que Nikki Blonsky também) é tão carismática, assim como o simpático Corny Collins, que aparece sorrindo em praticamente todas as suas cenas. O personagem de Zac Efron parece-me um tanto apagado e caricato, mas a sua interpretação é boa, e, convenhamos, com aquela aparência ele não precisa ter interpretação perfeita. Elijah Kelley defende bem o seu personagem e apresenta-se tão sedutor quanto o Johnny Castle, de Dirty Dancing. Ao lado dele, temos Cynthia Rhodes em sua excelente interpretação de boa amiga e adolescente apaixonada disposta a passar por cima de tudo para viver o seu amor. Tracy, Edna, Wilbur, Sr. Pinky, Corny Collins... todos são personagens humanitários e essa é a principal beleza do filme.

Hairspray talvez peque por apresentar uma história em que os negros parecem não lutar se não tiverem o apoio de um branco. Todos pareciam tão satisfeitos com o chamado “Dia do Negro”, tão resignados. Até mesmo a idéia de se realizar uma caminhada até à emissora parte de Tracy. Bom, mas talvez eu deva reconsiderar a minha colocação, pensando-se no fato de a história se passar na década e 60. Outro ponto é que, no momento final, percebe-se que todos os dançarinos e toda a platéia está tão feliz com a premiação de Inez e com a decisão de Corny Collins de que, dali em diante, o seu programa seria para sempre integrado. O racismo, então, parte apenas de Velma e Amber? Toda a luta de Tracy e dos negros foi apenas contra elas? Há também novamente o fato de Inez vencer a competição. Sinceramente, pareceu-me a melhor escolha (seria previsível demais se Tracy fosse a vencedora), mas parece-me no mínimo improvável que ela recebesse tantos votos.

Qualquer ponto negativo do filme, no entanto, é superado pelas suas inúmeras qualidades. O Brasil costuma dar traduções desprovidas de sentido aos filmes norte-americanos, mas no caso deste – Hairspray – Em Busca da Fama – podemos pensar na fama não como uma conquista pessoal, mas como a conquista do sucesso na luta pela igualdade!

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