sexta-feira, 30 de julho de 2010

Sobre formaturas, aprendizados e saudades...

Há alguns dias – no dia 11 de julho, para ser mais preciso – fez um ano que me formei em Letras. Devo dizer que dois dias antes da ‘comemoração’ desta data, me fiz presente na cerimônia de colação de grau de uma pessoa muito querida, vendo-me às voltas com as lembranças da minha formatura. Há quem diga que toda cerimônia de colação de grau é a mesma coisa, que todas seguem o mesmo ritual etc. É verdade. Já assisti a inúmeras delas e percebo que todas são exatamente a mesma coisa. A diferença – e que diferença! – existe apenas para quem se forma; para quem, naquela ocasião, segura, vitorioso, o canudo como um troféu pelos anos de dificultosa lida...


Bons tempos aqueles...


Da faculdade, eu trouxe poucos, mas bons amigos! Alguns ‘inimigos’, contra a minha vontade; boas e más lembranças; bastante pendências, e muito, mas muito aprendizado. Bom, opto por não falar muito sobre, pois temo acabar caindo naquela pieguice sobre “o quanto aprendemos na faculdade” etc. e tal. Talvez até pudesse fazê-lo, mas falta-me, neste momento, inspiração para tanto. Sendo assim, limito-me a dizer que, na ocasião da cerimônia de colação de grau a qual assisti recentemente, vi-me tocado não só por ver a conquista de uma pessoa querida, mas também por ver uma outra pessoa querida – o patrono da turma – proferir um belíssimo discurso, durante o qual ele versava sobre superação, solidariedade e valores humanos. Belas palavras...


Assim, impossibilitado de postar aqui tão belo discurso, perguntei-me por que não postei aqui o meu discurso de formatura há mais tempo. Não que, livre de toda modéstia, eu esteja a dizer que o meu discurso é uma verdadeira obra-prima. Nada disso. Ocorre apenas que o mesmo foi aplaudido, foi elogiado e, principalmente, foi redigido com todo o meu afeto e orgulho por ser orador daquela turma. Só eu sei o quão significativos foram para mim os quatro anos de graduação. Aliás, apenas quem vive é quem sabe, e não me refiro apenas à cerimônias de colação de grau...


Sendo assim, posto a seguir o meu discurso, que me traz agora a lembrança daqueles intensos anos de faculdade, os quais eu não gostaria de vivenciar de novo, confesso, mas que serão para sempre lembrados como bons e saudosos tempos.



Discurso


Em primeiro lugar eu gostaria de agradecer a Deus, pedindo a Ele que abençoe o representante do reitor, assim como os demais à mesa: nossa paraninfa Profa. Vera, nossa patronesse Profa. Arabie, e professores Clézio, Raquel e Pedro, que por razões pessoais não pôde se fazer presente, embora assim se faça em nosso pensamento. Aproveito para agradecer à turma por me haver escolhido como seu orador. E, já que a turma me escolheu, eu lhes peço licença para esquivar-me do discurso pra lá de clichê que eu ouço em toda colação de grau. Falam da inocência que tinham ao ingressar na Universidade, do processo de conhecimento, das brigas e das festas que serviram sempre para manter unidos os colegas. Não! Recuso-me a dizer isso. Não porque nossa turma haja sido especial a ponto de não vivenciar o que vivenciaram todos os que nos antecederam. A minha recusa justifica-se tão somente pelo fato de eu, e creio que meus colegas hão de concordar comigo, estar levando desse curso algo que está muito além de ocorrências corriqueiras, panelinhas, amizades, festinhas... Nós estamos levando aquilo no que nos tornamos ao longo do curso.


Numa aula de Sociologia, no 2º período do nosso curso, chegamos a ouvir da nossa Professora Adriana Penzim que nós nos transformamos a cada segundo em algo novo e jamais, em circunstância alguma, nos será possível voltar a ser o que fomos há um segundo, como bem diz também uma canção de Lulu Santos...


Nós que nos encontramos aqui, vestidos de beca, tão bonitos, não somos aqueles que ingressaram na PUC Minas, tão tímidos, sem grandes opiniões formadas, de fato; curiosos em conhecer as mediações da Universidade. Desta Universidade da qual tanto desejamos sair... Sim, porque nem tudo foram rosas durante o Curso de Letras.


Em verdade eu penso que foram os espinhos os protagonistas da nossa trajetória. Não digo isso porque tivemos trabalhos em excesso, até porque quando se entra em uma Universidade, está-se propondo a isso. Os espinhos foram devido à turbulência na nossa mente diante do espetáculo do conhecimento. E como desejamos, inocentemente, que isso acabasse logo, pois, como bem diz a professora Vera Lopes, nossa tão querida paraninfa, “quem tem consciência, sofre.”.


O próprio orador que lhes fala chegou a afirmar, quando se viu, enfim, no 8º período, que o tão esperado canudo nada mais é do que a nossa carta de alforria. Sim! Não que tenhamos concebido a Universidade como uma prisão. Não!... Acreditamos, porém, que muitos de nós, se não todos, vimos a Universidade como o lugar que nos tirou da passividade, da indiferença perante o mundo, convidando-nos a ser sujeitos que questionam, que se posicionam, que opinam, que pensam. Eis a retirada dos grilhões da ignorância e, contraditoriamente, a colocação dos grilhões da dúvida, do questionamento constante e da inquietação permanente.


O.K.! Deixamo-nos transformar, e não mais voltaremos a ser o que éramos. Portanto, se isso não tem volta, que tenhamos nos tornado pessoas conscientes do próximo; pessoas mais humanas; pessoas capazes de entender que a diversidade, um emaranhado de línguas, culturas e raças, é a coisa mais maravilhosa da criação; que tenhamos compreendido de fato que, com uma só palavra, se fez o mundo; que tenha se eternizado em nós aquele menino que, em Manoel de Barros, “exagerava o azul”, ou aquele personagem que, por Guimarães Rosa, tem em um único parágrafo a expressão de toda a sua solidão; que tenhamos aprendido, com as aulas de Cultura Religiosa, que Deus é muito, mas muito humano, e é isso que Ele quer que sejamos; que tenhamos aprendido, com as aulas de Sociolingüística, que a língua de um povo expressa muito do que ele é e, com as aulas de Lingüística Românica, que essa história já é antiga e complexa... E que tenhamos aprendido, principalmente, que é preciso ter um olhar poético sobre a vida, vivendo-a com força, com firmeza, com caráter, mas sempre com delicadeza...


Meus caros colegas, cuja presença me será tão saudosa, que no exercício de nossa profissão, a qual é denominada de tantas formas – mestres, professores, educadores, formadores – tenhamos sempre como lema as palavras de Moysés Maimonides, proferidas pelo Grande Guimarães Rosa em seu discurso de formatura, no ano de 1930:


“Senhor, enche a minha alma de amor pela arte e por todas as creaturas. Sustenta a força do meu coração, para que esteja sempre prompto a servir ao pobre e ao rico, ao amigo e ao inimigo, ao bondoso e ao malvado. E faz com que eu não veja sinão o humano, naquelle que soffre!...”


E, se não pode faltar a poesia, eu não vou mais me estender, encerrando o meu discurso com uma poesia, pois poesia diz tudo. Faço minhas, então, as palavras de Cora Coralina:


“Não sei... se a vida é curta ou longa demais pra nós, Mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas. Muitas vezes basta ser: Colo que acolhe, Braço que envolve, Palavra que conforta, Silêncio que respeita. Alegria que contagia, Lágrima que corre, Olhar que acaricia, Desejo que sacia, Amor que promove. E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja curta, nem longa demais Mas que seja intensa Verdadeira, pura ... Enquanto durar.”


Obrigado a todos. Um grande beijo.


Alex Gabriel

Belo Horizonte, 11 de julho de 2009.



Discurso proferido em ocasião da Solenidade de Colação de Grau da turma do Curso de Letras da PUC Minas, unidade São Gabriel (2º/2005 – 1º/2009).


sábado, 10 de julho de 2010

"Educação não é mercadoria"

Há muito eu vinha planejando postar neste meu diário virtual o meu texto “A educação pelo viés capitalista: mero produto mercadológico ou direito do cidadão?”, premiado no I Concurso de Redação do Sindicato dos Auxiliares de Administração Escolar de Minas Gerais (SAAEMG). Inflar o meu ego está, obviamente, entre os meus objetivos ao publicar aqui o meu texto. Não é esse, porém, o meu objetivo primeiro. A grande verdade é que não tive ainda a oportunidade de fazer, mais formalmente, os meus agradecimentos as tantas pessoas que contribuíram e/ou que comemoraram comigo esta conquista.


Parece-me válido fazer os meus agradecimentos seguindo a ordem dos acontecimentos, começando, portanto, pela minha querida amiga Rosimária Ruela, colega de trabalho e a mais nova mamãe, por me haver contado sobre o concurso, incentivando-me a produzir o meu texto e enviar. Agradeço a minha querida amiga Débora Silva e ao meu caro (e charmosíssimo) ex-professor Clézio Roberto, por haverem lido, opinado e revisado o meu texto. Agradeço às pessoas do Núcleo de Apoio à Inclusão do Aluno com NEE da PUC Minas (NAI) – representados aqui pelo nome da Prof.ª Maria do Carmo Menicucci –, pelo tamanho afeto que me foi dado no dia da entrega do prêmio. Agradeço, de coração, aos membros do SAAEMG – aqui representados pelo nome de seu presidente Carlúcio Kleber Borges –, tanto pelo prêmio quanto pela presença no dia da entrega. Ao meu pai, por haver ido até o meu trabalho e levado o meu prêmio para casa (risos). Ao Paulo Cruz, designer e ilustrador, que produziu a caricatura abaixo, publicada no Informativo No Ponto junto à notícia da premiação. A todos os membros da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (CONTEE), pelo carinho e cordialidade com a qual nos receberam no XIV CONSIND da CONTEE. Agradeço ao Sérgio Messias Guimarães e à Andréia Pereira – 1º e 2º lugares do concurso – por me haverem dado a oportunidade de conhece-los, partilhando comigo as idéias acerca do cenário educacional brasileiro.


Enfim, é muita gente boa. Impressiona-me como alguns, ao serem ovacionados, inflam-se de auto-estima e esquecem-se de imediato das tantas pessoas que têm parte significativa em sua conquista. Que muitas vitórias venham ainda, e que, com a mão Dele sobre mim, eu siga valendo-me da palavra para brigar pelo respeito, pela inclusão, pela igualdade e pela vida de todo e qualquer ser humano. Um grande beijo.



A educação pelo viés capitalista: mero produto mercadológico ou direito do cidadão?


A educação - ao lado da saúde, do emprego, da habitação e do meio ambiente – figura no campo das necessidades básicas do ser humano. Verifica-se, porém, que, desde a nossa colonização, a educação apresenta-se deficiente, uma vez que marcada pela seletividade ao estabelecer modelos educacionais específicos para cada classe social, a saber: um modelo “acadêmico”, voltado para a burguesia, e outro mais primário, destinado às classes menos privilegiadas, sendo isso nada mais que uma cópia dos modelos educacionais europeus de então. Em uma sociedade acentuadamente hierarquizada, esforçava-se para manter como nula qualquer possibilidade de mobilidade social, oferecendo-se um sistema de ensino privado, isto é, dispendioso, o que já pressupunha o seu caráter seletivo e exclusivo, e ministrando, nesse modelo educacional burguês, conteúdos desprovidos de finalidades práticas para o dia-a-dia, o que levava à desistência o indivíduo pobre que por ventura ingressasse em uma escola inerente ao referido modelo.


A manutenção desse modelo educacional em detrimento às classes menos favorecidas, teve sucesso até a década de 20, quando começa a se proliferar no Brasil a chamada classe média. O surgimento dessa nova classe provoca o enfraquecimento do então modelo educacional voltado para atender apenas duas parcelas da população – a elite e o povo. A educação, então, vai se “deselitizando” e distanciando-se dos traços europeus, uma vez que era por via dela, a educação, que a classe média buscava ascensão social. Isso, todavia, não alterou em grande parte o cenário que se apresentava à classe desfavorecida de fato, uma vez que as políticas educacionais nesse âmbito não mudaram e o modelo educacional voltado aos indivíduos de baixa renda não era via de acesso a outros níveis de ensino.


A meu ver, esse quadro pouco ou nada mudou na atualidade, o que se confirma na explanação feita pela filósofa Marilena Chauí, em aula de inauguração da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, em palestra intitulada “Educação: direito do cidadão e não mercadoria” (20 de fevereiro de 2003). Chauí denuncia a resignação do povo brasileiro diante da existência de um ensino privado dito de qualidade e um ensino público dito ruim. Com base em Chauí, é possível afirmar que nossos atuais modelos educacionais permanecem trabalhando na manutenção da desigualdade e da exclusão, haja vista que, tal como ocorrido antes da década de 20, um modelo educacional dito de qualidade continua a ser restrito à classe média alta e superiores. Em outras palavras, a educação de qualidade é privatizada, ao passo que o ensino público, nos níveis fundamental e médio, é precário e de baixa qualidade, o que leva Marilena Chauí à conclusão de que a educação reduziu-se à mera mercadoria, quando devia ser efetivamente direito do cidadão.


No que concerne ao Ensino Superior, não me parece exagerado dizer que cursar uma faculdade passou a fazer parte da tão enaltecida moda, sendo, assim, equivalente à preocupação com a beleza e a estética. Em minha opinião, aliás, os cursos pré-vestibulares – que abrem e fecham todo dia – deviam promover, um pouco, a reflexão acerca do que o mundo espera de jovens universitários. Aposto todas as fichas em que, desta forma, dar-se-ia uma boa “peneirada” antes da data dos exames, diminuindo-se, assim, a má qualidade nas salas de aula do Ensino Superior. Até então, porém, tudo o que se tem é a fraca ressonância de uma militância universitária de outrora.


Um ex-professor da faculdade, a quem eu tenho como o eterno mestre Pedro Perini-Santos, bem soube denunciar a concepção de educação como mercadoria, quando escrevia para o Caderno de Cultura do Jornal Hoje em Dia. Munido da característica ironia desses escritos, Perini-Santos (Hoje em Dia, 06 de março de 2000) questionava a absurda banalização a qual foi submetido o conceito de educação, sendo que professores e alunos deixaram de sê-lo, para tornarem-se “funcionários e clientes”. Nesse âmbito, ainda segundo o autor, a educação – outrora sinônimo de humanização, de formação de sujeitos aptos a atuar sobre o mundo em que vivem – regride à mera condição de produto, cuja qualidade é avaliada pelo grau de “facilidades” que o professor oferece ao aluno, durante o processo que devia ser de aprendizagem.


Note-se o pertinente emprego da palavra “relação”, a qual, lamentavelmente, informa que não parte apenas do aluno a concepção equivocada de educação, mas também dos próprios diretores, educadores, enfim!, do grupo que tem o poder de reverter essa situação. E não me parece nada edificante que a própria educação, esperança da humanidade, perdendo apenas para a família, reproduza em si as relações de um mundo capitalista que ela tanto deve denunciar. Ora, eu sei o quanto essas relações são complicadas, sei que as instituições de ensino privadas precisam manter-se, sei o quão arraigadas estão na mente dos brasileiros concepções equivocadas de educação... Enfim. Isso, porém, não anula a minha consciência de que, no que toca a educação, as coisas estão, grosso modo, um tanto esquisitas! Poesia parece-me sempre uma boa pedida nessas horas, tanto que, nas minhas considerações finais, recorro aos versos do outrora polêmico poeta Neimar de Barros, que, “no vento livre do seu arbítrio”, questionava veementemente o leitor: “Quantos anos você tem? / Você tem idade para tomar vergonha / Ou a vergonha se consumiu na sua sociedade de consumo?”.


É, Neimar... Parece-me que a vergonha já se deixou absorver pela tal sociedade de consumo, sim. E junto dela se foram o caráter, a dignidade e, até, a educação... Mas há esperança, e, assim como eu, há quem não duvide disso.



Disponível em: I Concurso de redação do SAAEMG.