sábado, 4 de dezembro de 2010

Considerações sobre o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência e a sua luta de todo dia


Esta imagem, comumente vista em páginas de discussão online sobre a temática da deficiência, eu retirei do blog da vereadora Edileuza (Tucuruí/PA), do PSC.

Uma breve consulta à internet foi o suficiente para proporcionar-me, há pouco, algum contentamento, visto que a mesma me notifica, em inúmeros resultados de uma busca ao Google, sobre ações promovidas pelo mundo afora em comemoração ao 3 de dezembro, escolhido pela Organização das Nações Unidas (ONU) para mais intensa conscientização acerca da condição e demandas da pessoa com deficiência. Assim, temos o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, em 3 de dezembro, e o Dia Nacional de Luta da Pessoa Portadora de Deficiência (sic), em 21 de setembro, celebrado nesta minha pátria amada. Dezembro, aliás, consta de inúmeras datas comemorativas que, de algum modo, se relacionam dentro dessa temática inclusiva. Dentre elas, parece-me pertinente destacar ainda o Dia da Criança Defeituosa (sic), em 9 de dezembro, o Dia da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro, e o Dia do Deficiente Visual, em 13 de dezembro.


Essas, diferentemente de datas comemorativas como o Natal, não existem para o culto a uma grande personalidade ou a um grande feito, constituindo-se, sim, como dias para a reflexão acerca do quanto há ainda por fazer no âmbito da inclusão e respeito concreto à cidadania do outro que não enxerga; que se locomove com dificuldade; que aprende/assimila as informações em tempo mais longo que os demais, ditos comuns; que não escuta; enfim, de todos aqueles que, por apresentarem-se física, mental e/ou sensorialmente fora do padrão de normalidade socialmente estabelecido, carecem de terem atendidas as suas peculiaridades, promovendo-se, assim, a concretização do ideal de igualdade e respeito à diferença. Essa, aliás, é a mais complexa e bela dualidade não raro trazida à baila nos contextos de discussão/estudo em inclusão social.


Pensar a luta cotidiana, todavia, é pensar, também, as histórias de sucesso; os bons resultados; os pontos de chegada alcançados por tantos indivíduos que, com suas cadeiras, bengalas e afins, perseguiram, obstinados, por anos a fio. Daí a pertinência de chamarmos de “data comemorativa” esse 3 de dezembro. Histórias de sucesso, conheço muitas, o que coloca-me na condição de um ser humano privilegiado enquanto colaborador de uma instituição que, a despeito das barreiras que se lhe apresentam nesse sentido, segue firme no seu propósito inclusivo. Assim, me vejo, todos os dias – seja no trabalho seja na vida pessoal –, premiado pela convivência com o ator surdo, com o jornalista com paralisia cerebral, com o cientista social cego, a psicanalista com baixa potência visual, o lingüista com limitações locomotoras e tantos outros.


Esses, no entanto, não devem ser tomados como modelos de pessoas com deficiência, o que, se ocorre, só faz ocasionar maiores preconceitos e promoção dos estereótipos. No contexto inclusivo há ainda gente – e gente bem intencionada, aliás – presa às concepções estereotipadas de indivíduos com limitações, defendendo, assim, a noção de que esses vivem em constante processo de superação. Não raro me chegam relatos de pessoas que, ao cumprirem com uma mera obrigação – como apresentar um bom trabalho acadêmico ou cumprir com seus horários no trabalho – tiveram suas ações exaltadas por trazerem consigo o estigma da deficiência. Assim, a deficiência se nos apresenta, ainda, como algo negativo a ser superado, por exemplo, por uma notável inteligência, uma inquestionável índole ou um generoso dom para as artes.


Promover as minorias por via de sua exaltação parece-me não ser um bom caminho, uma vez que, no contato com a realidade, não raro gera frustrações, além de ofuscar os impasses ainda existentes nesse contexto. Nesse 3 de dezembro, o Estadão noticiou que países desfavorecidos concentram 80% de incapacitados (sic), fazendo uma explanação sintética de dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo o Estadão, dos 65 milhões de pessoas que necessitam de cadeira de rodas, apenas um número irrisório tem sua demanda atendida nas regiões mais pobres. A notícia apresenta ainda números alarmantes em se tratando de empregabilidade e políticas de acesso para pessoas com deficiência. Partindo do contexto mundial para a minha vida pessoal, apresenta-se-me a irmã de uma amiga que, fisicamente limitada por ocasião de uma paralisia cerebral, só recentemente, aos 40 anos de idade, conseguiu a cadeira de rodas, a qual, finalmente, proporciona maior conforto para si e sua família. Família essa, aliás, que, não resignada com o diagnóstico médico de que a criança recém-nascida, hoje mulher, não suportaria por muitos dias, enveredou-se por uma constante luta para oferecer-lhe a qualidade de vida da qual é digna, dispondo apenas das deploráveis condições do SUS e de um e outro programa.


Como se vê, as histórias de sucesso trazem consigo ou atrás de si uma longa e dificultosa jornada, sobre a qual todos os setores sociais devem ter plena ciência para que se trabalhe mais arduamente pela atual e pelas próximas gerações de pessoas com deficiência. Avançamos muito, é verdade. De uma época em que usuários da Língua de Sinais eram tidos como criminosos e crianças com deficiência eram sacrificadas, passamos a uma época em que se discute a educação prioritariamente inclusiva, a acessibilidade, a inclusão digital e as tecnologias assistivas. Urge, porém, que avancemos muito ainda, cientes da não equivalência entre “histórias de sucesso” e “vitórias”, dado que uma vitória, no contexto da inclusão, deve significar a aceitação, o respeito e a acessibilidade plena, e para chegar a tanto, o Brasil e o mundo têm ainda um bom caminho a percorrer.


Quanto ao trabalho com pessoas com deficiência, devo dizer do mesmo enquanto um trabalho extremamente humanizador e inquestionavelmente generoso, uma vez que, mais que uma remuneração, proporciona um constante aprendizado e me forma como um ser humano mais humano, envolvido e solidário. Assim, apenas hoje, à beira dos 30 anos, fico a me perguntar onde eu estava, o que estava eu fazendo durante todo esse tempo para não haver me envolvido antes com o edificante trabalho em prol desse grupo do qual eu faço parte. Assim, me torno mais humano a cada vez que, por exemplo, ajudo o meu amigo com limitações locomotoras a se virar no banheiro ou oferecer-lhe o braço para descer uma escada, enquanto o mesmo, fazendo uso da visão perfeita da qual não disponho, fica atento ao atravessarmos uma avenida ou ao aguardarmos o meu ônibus. Assim, agimos um pelo outro e ambos pela construção de uma sociedade mais tolerante, igualitária e inclusiva.
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