quarta-feira, 9 de março de 2011

Sobre Sandy, cerveja e publicidade

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Peça de divulgação da Campanha Devassa 2011, com Sandy Leah.
Imagem retirada de trade news.

Início de ano, verão, calor, Carnaval e cerveja. E têm início as polêmicas peças publicitárias oriundas desse ramo. Mais problemáticas do que as próprias propagandas, porém, é o tratamento destinado a elas por essas terras, que oscilam entre os ideais inquisitórios da Idade Média e o mais exacerbado liberalismo, passando, raras vezes, por algum ponto de equilíbrio. Atualmente, muito se comenta sobre a peça publicitária criada pela Cervejaria Schincariol para divulgação da cerveja Devassa para esse início de 2011, estrelada pela insossa Sandy, a “Garota Devassa que não bebe cerveja”, como tem sido chamada. Como escritor que vem, obviamente, defender um ponto de vista, julgo válido esclarecer, desde já, que não pretendo fazer uma apologia ao consumo de álcool. Pelo contrário, embora beba ocasionalmente, não consigo enxergar a grande vantagem que muita gente vê em beber a ponto de tecer comentários vangloriando o péssimo estado no qual uma bebedeira lhe deixou. Mas, cada um na sua. Voltando à propaganda veiculada, pode-se dizer que as críticas negativas a mesma se concentram em dois pontos: i) a escolha da garota-propaganda, que, considera-se, é incompatível com a imagem da “mocinha com um lado Devassa” que o comercial postula, e ii) o fato de a garota Devassa não aparecer tomando a cerveja durante o comercial e, sabe-se, não gostar da bebida na vida real. No tocante ao primeiro ponto, aliás, li, no YouTube, dois comentários impagáveis postados por dois usuários. O primeiro estabelece uma comparação entre a Sandy fazendo comercial de cerveja e o Zeca Pagodinho fazendo propaganda do Dolly Guaraná ou sobre antitabagismo. O segundo afirma, veementemente, que, pior que a Sandy para esse comercial, só a Madre Tereza.

Brincadeiras à parte, alguns argumentos podem rebater, em parte, essas críticas. Em primeiro lugar, a aparente incompatibilidade da garota propaganda escolhida com a personagem que ela interpreta durante o comercial tem mais a ver com a imagem que se fez da moça ao longo de sua carreira, imagem essa arraigada na mente dos brasileiros, do que com a realidade sobre ela. Tanto é assim que as críticas às peças da cerveja se dividem entre as muito positivas, elogiosas, e as supernegativas. A Sandy está longe de ser desprovida de beleza, como alguns têm dito como argumento contra os vídeos. O problema é que a moça, creio, carrega o estigma do seu primeiro nome, coitada. Explico: consta na biografia da Sandy que os pais dela lhe deram esse nome inspirados pela Sandy Olsson, personagem pura, casta e boazinha de Olivia Newton-John no filme Grease - Nos Tempos da Brilhantina (um dos meus favoritos), de 1978. Não deu outra: a Sandy – cantora e garota Devassa de então – ficou igualzinha à personagem, só não tendo a sorte de “pegar” o John Travolta ainda jovem. Outro ponto é que estamos falando de um comercial, onde tudo é cenográfico. Logo, consumir cerveja durante a propaganda – o que nenhum artista, com exceção do Zeca Pagodinho, faz – ou na vida real não é e nem deve ser requisito para que a moça participe da campanha de uma cervejaria.

Realmente, o que pesou ali foi a interpretação da Sandy. A primeira peça da Devassa veiculada nesse ano – na qual a Sandy, inicialmente sem mostrar o rosto, vai entrando em um bar enquanto o locutor fala ”Todo mundo achava que ela era comportadinha, boa menina, dormia cedo...” – é muito divertida, criativa. E a segunda também, não fosse pelo fato de a Sandy falar durante o comercial. Apesar de nunca haver sido fã, admito que Sandy é talentosa, mas não como atriz. Lembram-se de Estrela-Guia (2001) e afins? Essa negativa qualidade interpretativa, mesclada à imagem que se construiu em torno da moça (ou que ela mesma construiu) ao longo de sua carreira, contribuem para que o telespectador custe a crer que Sandy tenha, de fato, um lado devassa. Na coletiva de imprensa da campanha Devassa, a moça bem que insistiu em falar sobre esse seu “outro lado”, afirmando nunca haver existido aquele lado meigo que, segundo ela, foram construindo a sua volta. Bom, Sandy está passando pelo mesmo que passaram artistas como Angélica, Eliana, Flávia Monteiro etc. Artistas que, por verem ir pelo ralo o seu sucesso com as crianças ou mesmo por quererem desbravar novas terras (só a Xuxa que ainda insiste), empenham-se na criação de uma nova imagem, mais descontraída, desencanada, desinibida. Estilo Devassa, enfim. Bom, tomara que a Sandy consiga, pois, no caso dela, a aparência e voz delicadas não ajudam. Mas, talvez, esse quadro seja revertido quando ela ceder aos insistentes convites da Playboy ou mesmo quando ela, finalmente, soltar um “pum”, ou coisa do tipo.

Peça de divulgação da Campanha Devassa 2010, com Paris Hilton.
Imagem adaptada de Web Luxo.

De qualquer modo, a escolha de Sandy para a campanha foi uma grande jogada do departamento de marketing da Schincariol: o vídeo está sendo exaustivamente assistido e comentado. Não é a primeira vez, no entanto, que uma propaganda da empresa causa rebuliço. Maior repercussão teve a campanha de 2010, que tinha como estrela a belíssima patricinha devassa Paris Hilton. Muito embora não mostrasse nada demais, a propaganda foi acusada de discriminatória e sexista, sendo, enfim, banida da TV por uma investida do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar). Após o episódio, a Schincariol veiculou uma propaganda ironizando a censura. A peça apresentava os seios do desenho da mulher – que é a logomarca da Devassa – cobertos por uma tarja, informando, no início, que o vídeo com Paris Hilton estava disponível na internet para aqueles que não haviam se ofendido com o mesmo. Bom, vale dizer que, conforme explica a publicitária Silvia Zampar, há uma ampla legislação no tocante à normatização para a produção e veiculação da propaganda. Logo, proibições (ridículas) como a ocorrida no caso da campanha da Devassa estrelada por Paris Hilton não acontecem num estalar de dedos, sendo, sim, resultado de um longo processo. Tudo isso, porém, torna-se uma grande palhaçada quando colocado diante de uma série de coisas realmente ofensivas que se vê dentro e fora da mídia, para as quais vive se fazendo vista grossa nesse país. Ao lado disso, temos a existência de comerciais realmente ofensivos, visto o forte apelo sexual, que não tiveram nenhuma repercussão e, pior, não sofreram a mínima retaliação. Citemos como exemplo um comercial da Kaiser, no qual a simpatia de José Valien Royo (o baixinho da Kaiser) cede lugar aos marmanjos Marcos Palmeira e Murilo Benício, que, em uma praia, conseguem manipular os movimentos de uma mulher, personagem da modelo Pietra Ferrari, através de uma garrafa de Kaiser. Felizmente, há quem tenha a cabeça no lugar, e nós podemos ver isso nas pertinentes considerações de Emílio Conde, que, questionando a postura do Conar, discorre sobre a sutil diferença entre sexualidade e sensualidade nas propagandas, fazendo menção a esse último comercial mencionado.

Peça de divulgação da Campanha Nova Schin 2010, com Ivete Sangalo.
Imagem retirada de axezeiro.com.

Antes disso, porém – pasmem –, a Schincariol já havia se metido em problemas. Entre esses, temos uma engraçada peça produzida para divulgação do guaraná Schin, onde um “primo chato” levava os parentes aos nervos ao tratar, levianamente, de temas delicados como a adoção. Não vejo quem pudesse se ofender com a propaganda, razão pela qual achei também ridícula a proibição. Defenderia, porém, a criação de um órgão que proibisse a comercialização do produto, de tão porcaria que é. Não a veiculação da peça publicitária...

Realmente grave, porém, foi o comercial veiculado pela mesma empresa durante o verão de 2005. Questões concernentes ao Estatuto do Idoso, criado em outubro de 2003, estavam ainda em voga. Finalmente os idosos tinham uma legislação mais consistente para assegurar-lhes os direitos. O tema havia sido, inclusive, seriamente abordado no folhetim das oito Mulheres Apaixonadas (2003). Nada disso, porém, foi pensado pela Schincariol de modo a desistir da produção de um comercial de gosto duvidoso, no qual dois jovens fogem desesperados de uma multidão de velhinhas sedentas de sexo, até pularem dentro de um freezer da Nova Schin e irem parar em uma praia repleta de jovens mulheres, entre as quais destacava-se o mulherão Ivete Sangalo, garota da marca há mais de dez anos, que encerra a propaganda com o inteligentíssimo slogan da campanha: "Quanto mais nova, mais gostosa". Recordo-me de, antes de ler qualquer coisa a respeito, haver me sentido mal ao assistir a propaganda, que parecia-me de mau gosto, reduzindo a melhor idade a uma deplorável fase na qual reina a carência por sexo com pessoas jovens. Ledo engano... ou, melhor dizendo, preconceito idiota na propaganda de uma cerveja que até hoje se auto intitula “Nova” quando é, na verdade, mais velha que as senhoras que aparecem no comercial.

Eu, que na época não tinha acesso à internet e era bem mais desligado dos acontecimentos do mundo, só fui saber que muita gente compartilhara do meu desconforto diante da peça publicitária quando fui prestar um vestibular na PUC Minas em meados de 2005 (no qual fui aprovado. Oba!) e um dos textos da prova de Língua Portuguesa tinham como temática esse lamentável episódio. Louvável, dessa vez, a atitude do Conar, cujas ações levaram à retirada do comercial do ar. Destaque para a bela carta-denúncia enviada ao Conar pelo pesquisador Pedro Paulo Monteiro, que foi um dos primeiros a repercutir o caso, e para o não menos pertinente e-mail de Delma Gama, publicado na imprensa, direcionado à Ivete Sangalo. Entre inúmeras considerações plausíveis, a autora da mensagem diz o seguinte: “Fiquei com pena de você e dos rapazes que correm até encontrar o freezer cheio de cerveja, porque a própria propaganda diz a fórmula para não envelhecer: morrer jovem!”.

É pena que a Ivete, pessoa a quem eu, ao lado de tantos, admiro pelo talento e pelo caráter que aparenta ter, haja se envolvido com tudo isso. Duvido que em algum momento a sua atuação no comercial haja sido maldosa, o que não lhe tira, claro, a responsabilidade sobre o mesmo. Bom, mas é um caso semelhante ao da Sandy, minha gente. Da mesma forma que essa não se importa se o fato de ter a sua imagem vinculada a uma marca de cerveja pode induzir jovens fãs que cresceram junto com ela a beberem, a Ivete também não se preocupou com os danos que o comercial da Nova Velha Schin poderia causar. É trabalho, caro leitor... e há milhões de reais envolvidos. Seria maravilhoso que a responsabilidade social fosse uma prioridade de todos os artistas, mas, sejamos compreensivos: se assim fosse, os lucros das estrelas seriam bem menores... Logo, pro inferno com a responsabilidade social. Quanta a essa ideia de propagandas induzirem pessoas a isso ou àquilo, eu sou meio contrário, mas confesso não ter uma opinião formada sobre. Só penso que, se nossos jovens estão se deixando influenciar por peças publicitárias a ponto de adquirirem hábitos negativos como o consumo de álcool, é sinal de que urge investimento pesado em dois pontos: criação e educação.

Bom, fica como consolo a divertida propaganda da Nova Schin que foi ao ar nesse início de ano: sem apelação, Ivete Sangalo recebe um grupo de artistas (selecionados com base em não sei que critérios) para uma feijoada com cerveja em sua casa. Todos interagindo na mais falsa felicidade. Ficou legal, mas nenhum comercial e nenhuma cerveja ganham da Bohemia, que, entre as suas pouquíssimas (e belas) peças publicitárias que já vi na mídia, impressionou com um delicado comercial regado a texto de Tom Jobim e Vinícius de Moraes.

Se todos fossem
Iguais a você
Que maravilha viver
Uma canção pelo ar
Uma mulher a cantar
Uma cidade a cantar, a sorrir, a cantar, a pedir
(...)

Bom, mas se podemos tirar algo de realmente bom dessa cervejada toda, relembremos um válido comentário da Sandy, em uma entrevista concedida antes de toda essa história de Devassa. “...eu não gosto dessa sensação de perder o controle, de você não... não poder controlar o que você fala, o que você pensa, o que você faz, a coordenação do corpo...”. Portanto, leitor, saboreie com moderação e, se for dirigir, não beba (risos). Bom, e para não passar de cervejas para chinelos, eu não vou nem mencionar aquela propaganda da Havaianas que também foi proibida por apresentar uma avó incentivando a neta ao sexo descompromissado com o Cauã Reymond, porque é hipocrisia demais pra minha cabeça. O povo brasileiro tem cada uma, viu? Afinal, todo mundo tem um lado descontraído, desinibido e desencanado, ora. Exceto a Sandy, claro.

Referências:

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ANÔNIMO. Sandy. In: Wikipédia. Acesso em: 09 mar. 2011.

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