sexta-feira, 6 de maio de 2011

Entre a dor e a esperança

.
Imagem retirada do site Colloquium.


“A palavra é o meu domínio sobre o mundo”, já disse Clarice Lispector. Alguns anos mais tarde, outra literata sensível e maravilhosa, a Elisa Lucinda, definiria a poesia como uma possibilidade de captar a essência do cotidiano. O poeta seria, para ela, como um fotógrafo, que, com sua câmera fotográfica (a palavra), capta um trecho do correr dos dias, eternizando-o no verso. E assim, dou início a este texto prestando as minhas homenagens às Elisas, Clarices, Drummond’s e tantos outros poetas que utilizaram-se/utilizam-se da palavra para manter vivos todos os momentos, os bons e, claro, os maus, que também fazem parte da vida. E eu, entretido pelos meus draminhas pessoais, assistindo a esse turbilhão de acontecimentos dos quais o nosso tão pequeno mundo tem sido palco, mas deixando tudo isso passar sem a oportunidade de vir até aqui e registrar, em um post que seja, "a vida exterior, com seus teatros, as suas palavras de café, os seus almoços ruidosos e cheios de risos, as suas aventuras picantes, as suas peripécias, as suas alegrias...", como versava Aluisio Azevedo em sua Girândola de amores.


Não são, todavia, exatamente risos, amores e alegrias que têm protagonizado a infindável história da humanidade ultimamente. Somente no século XXI, o nosso planeta já foi palco de inúmeros desastres naturais, dentre os quais, se quisermos nos ater aos mais destrutivos e divulgados, podemos citar o tsunami na Ásia (2004), o Furacão Katrina nos EUA (2005), o terremoto no Haiti (2010) e o mais recente sismo sofrido pelo Japão, acompanhado por um tsunami (2011). Em se tratando de terras brasileiras, podemos mencionar não um terremoto – o que já houve por aqui –, mas a recente tragédia causada pelas chuvas na região serrana do Rio de Janeiro, cujas imagens de dor, perda, coragem e solidariedade chocaram todo o mundo, despertando lágrimas e mobilizando voluntários por todo o país.


Culpa da natureza?, da ação humana?, de Deus? Cheguei a acompanhar num fórum virtual sobre a catástrofe no Japão uma discussão entre pessoas mais centradas, indiferentes e fanáticos religiosos, que culpavam o distanciamento do homem das coisas de Deus pelo ocorrido no oriente. Na época do ocorrido na Ásia e no Haiti não foram raras as ocasiões em que ouvi acaloradas discussões sobre o “desprezo” ao Cristianismo em terras orientais como causa das respectivas tragédias. A velha estória de um controverso Deus que ora ama incondicionalmente ora ignora ou mesmo destrói quem não o segue conforme os mandamentos da igreja. E assim, o nome de Deus e as considerações sobre o pecado continuam a servir como subterfúgio para religiosos mais preocupados em apontarem os outros, desviando a atenção de suas próprias misérias, do que em assumirem a responsabilidade sobre as coisas do mundo.


Mas, como diz uma poesia que ainda não escrevi, “em meio às dores, os sabores”. Em tempos de tragédia, é sempre notável a referida mobilização social em prol das vítimas. Ressalta-se, nesse âmbito, as pequenas e grandes ações, como, no caso do Haiti, a mobilização dos governos de vários países. Foi feita até mesmo uma releitura, em espanhol, da canção We Are the World, de 1985, escrita por Michael Jackson e Lionel Richie em benefício da África. Esta releitura, escrita por Gloria Estefan, teve o título de Somos el Mundo, e teve como intuito arrecadar fundos para ajudar as famílias no Haiti. Durante os desastres na região serrana do Rio, resultado de anos de descuido urbanístico, doações de roupas, mantimentos e afins chegaram de todo o país, sendo a Cruz Vermelha a grande mediadora nesse processo, havendo sido ela também a responsável pela criação de um site de busca de desaparecidos no Japão. São apenas alguns poucos exemplos, claro, mas que já dão notícias da existência do sentimento de responsabilidade e cidadania de muitos. Como me disse uma vez o amigo virtual Daniel Mendonça, “volto a crer na humanidade...”


E foi em meio às notícias sobre as conseqüências do sismo no Japão e das deploráveis ocorrências na Líbia que pisou por essas terras o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, circunstância que a presidenta Dilma Rousseff considerou como o encontro histórico entre a primeira mulher presidente do Brasil e o primeiro presidente afrodescendente dos Estados Unidos. E não é que, lendo na web notícias sobre o tema, dei-me com uma curiosíssima charada? “O que é, o que é... um pontinho afrodescendente no quadro dos presidentes americanos?” Bom, humor negro à parte, se estamos falando de pioneirismo, podemos colocar ao lado de Dilma e Obama a belíssima Elizabeth Taylor, carinhosamente chamada de Liz Taylor, que não foi presidente, claro, mas nem por isso deixou de ser uma grande mulher, militante na luta contra a AIDS, primeira atriz a receber um cachê de US$ 1 milhão, ao atuar no poderoso Cleópatra (1963). E assim caminha a humanidade... Morre Liz Taylor alguns dias após a visita de Obama ao Brasil (23/03) e, após ela, o também grande José Alencar (29/03), após uma longa batalha contra o câncer. A proximidade das mortes e a equivalência de idade entre ele e Liz Taylor (79 anos) foi apenas uma coincidência para lembrar ao mundo a falta que lhe faz seres humanos como esses. E nos resta a ressonância das palavras do ex-vice-presidente em uma entrevista concedida à repórter Adriana Dias Lopes, da Veja: “[...] a humildade se desenvolve naturalmente no sofrimento. [...] Uma das lições da humildade foi perceber que existem pessoas muito mais elevadas do que eu [...].Pensando bem, o sofrimento é enriquecedor.”


Como se todas essas perdas fosse pouco, no dia 7 de abril, uma fatídica quinta-feira, um louco entra numa escola em Realengo, zona oeste do Rio de Janeiro, e resolve disparar tiros entre os estudantes, matando doze deles e ferindo outros tantos. O caso, que causou grande comoção em todo o país, inclusive lágrimas da presidente brasileira durante discurso, ocasionou maior atenção a questão do bulliyng, dado o fato de ser isso o que, aparentemente, levou o jovem Wellington a cometer tal atrocidade contra os adolescentes da escola na qual ele próprio havia estudado. Bom, a despeito das motivações do assassino, fica a certeza de que ele foi tão vítima quanto os inocentes “que foram retirados da vida tão cedo” pelas suas mãos.


Agora, temos a recente morte do líder terrorista Osama Bin Laden – efusivamente comemorada pelos americanos, embora trate-se, a despeito de qualquer coisa, de um assassinato e embora a Al-Qaeda, embora enfraquecida, permaneça ativa –, e, do lado de cá, no Brasil, o reconhecimento, pelo STF, da união estável entre pessoas do mesmo sexo, reforçando a chama de esperança de milhares de casais homossexuais e militantes na causa LGBT por uma vida mais justa e livre da discriminação e homofobia.


Neste ponto, o meu caro leitor pode estar se questionando sobre o porquê deste post retrospectivo em pleno mês de maio. Bom, eu diria que este post é tanto para compensar a minha negligência ao não escrever aqui sobre temas de tanta relevância como para dizer que os altos e baixos fazem da vida uma balança que ora pende para um lado ora pende para o outro, sendo preciso que cada um de nós, cidadãos, siga rumo ao ideal de igualdade, justiça, inclusão, cidadania e paz. Parece utopia, mas, se assim o parece, é porque vivemos em uma sociedade que banaliza o mal e, de inúmeras formas, nos educa para que desenvolvamos em relação a ele um sentimento de resignação em vez de revolta. Não é utopia a credulidade ativa, assim como não é utopia dizer que os homens e mulheres que fazem ou fizeram história, a notória solidariedade do povo brasileiro, os avanços da justiça rumo a uma nação mais igualitária e as demais questões positivas abordadas neste texto são, na verdade, uma felicidade anunciada, o que nos leva a crer que seja verdade o que diz aquela música dos Titãs: “O mundo é bão, Sebastião”, apesar dos sobressaltos com os quais a mídia nos bombardeia todos os dias. Então, que assim seja.