Título
original: Carrie
Ano:
2013
Direção:
Kimberly
Peirce
Roteiro:
Stephen King (romance), Roberto Aguirre-Sacasa (roteiro)
Gênero:
Drama/Terror
Origem:
Estados Unidos
Duração:
100 minutos
Numa definição bastante simplória,
podemos dizer que uma das características que define um clássico é a sua
atemporalidade. Ou seja: um clássico se mostra atual a despeito do tempo em que
se tenha acesso a ele. Tal conceito é constantemente abordado no âmbito das
artes, em especial em se tratando da literatura e, naturalmente, da Sétima
Arte. É claro que estou aqui reduzindo consideravelmente o vasto conceito de
clássico. Não obstante, me parece o bastante para a explanação do tema que me
traz aqui.
Pode-se dizer que Carrie (1974), primeiro romance do escritor Stephen King, dispõe do
elemento atemporalidade que o aproxima de um clássico, não chegando a ser um
porque, naturalmente, não se trata de nenhuma obra-prima da literatura
norte-americana. Trata-se de uma boa obra, convincente, bem escrita e sempre
trazida à tona pela indústria cinematográfica justamente pela força que exerce
nas gerações de jovens. A história da adolescente vítima de bullying por ser
diferente dos demais e que, chegando ao limite da humilhação em seu baile de
formatura, se vinga de todos os seus algozes (inclusive da sua severa e
fanática mãe) é sempre atual, visto ser o bullying e a repressão sofrida por
alguns filhos algo presente em todos os tempos. A cena da humilhação durante o baile
de formatura tanto mexe com as emoções do telespectador que já foi aproveitada
até mesmo em telenovelas globais (Rainha da Sucata, 1990; Chocolate com
Pimenta, 2003).
Foi Sissy Spacek, nas mãos do diretor
Brian De Palma, a primeira atriz a dar vida à personagem de king em 1976 no
filme homônimo (Carrie, a estranha no
Brasil), ao qual se sucedeu o absurdo The
Rage: Carrie 2, uma sequência de qualidade duvidosa dirigida por Katt Shea
em 1999 (A maldição de Carrie no
Brasil); e as regravações de 2002 e 2013, dirigidas, respectivamente, por David
Carson e Kimberly Peirce. Opto por trazer aqui alguns breves comentários sobre
cada uma dessas produções a fim de fundamentar a minha opinião sobre essa
última, de 2013, estrelada por Chloë Grace Moretz, que já adianto, me parece
pretensiosa e desnecessária, apesar de seus méritos.
A decisão por regravar um clássico só
pode ser motivada por uma das seguintes razões: i) fazer uma releitura do
material original, proporcionando ao telespectador um novo olhar sobre determinado
conteúdo, ou ii) lucrar encima de algo construído a partir de um material
outrora bem-sucedido. Neste último caso, oferecer um produto de qualidade está
longe de ser prioridade. O importante é atrair a atenção de multidões, não
importando se essas sairão do cinema praguejando. O lucro, afinal, já estará
ganho. Acredito, com pesar, que Peirce haja se guiado por essas duas razões.
Vejamos: uma das principais críticas a
esta última regravação de Carrie
(2013) foi quanto à escolha de Chloë Grace Moretz como protagonista.
Consideraram-na bonita demais e estranha de menos para o papel. Também pudera:
a Carrie de 1976, como já dito, foi vivida por Sissy Spacek, uma atriz comum
com aparência comum, mas com um porém: ela tinha 25 anos na época, sendo, portanto,
uma mulher na pele de uma adolescente hostilizada no colégio. Isso,
naturalmente, foi proposital. Desde o início, Brian De Palma decidira entregar
a personagem à uma jovem adulta com o objetivo de tornar notória a estranheza
da personagem. O mesmo recurso foi utilizado para a versão de 2002, sendo
escolhida para o papel a Angela Bettis, conhecida do público por haver
interpretado no cinema outras personagens tanto ou mais estranhas quanto a
Carrie e que já se aproximava dos 30 anos durante a produção. Ao meu ver,
acertou-se em cheio na escolha das atrizes, unindo-se talento, idade superior à
da personagem e, por que não dizer?, aparência fora dos padrões.
Confesso me haver parecido imatura a
crítica à escolha da atriz para esta versão de 2013, pois, ao contrário o que
disse a maioria, tal escolha me pareceu desafiadora, havendo aumentado as
minhas expectativas quanto ao filme. Afinal, sendo Moretz bonitinha, novinha e
normalzinha demais para o papel, pressupunha-se que o sucesso da personagem
estava na exclusiva dependência do talento da atriz e de uma boa direção.
Resultado: Moretz tem se mostrado uma boa atriz em seus últimos papéis, mas,
infelizmente, a sua Carrie não convenceu inteiramente. Penso, porém, que tal
insucesso não se deu devido à boa aparência da atriz e tampouco por falta de
talento, de modo que, neste ponto, devo culpar a direção, o roteiro e tudo
mais. A grande verdade é que o filme ficou carente de recursos que levassem o
telespectador a de fato ver estranheza em Carrie. A personagem, que nas mãos de
Peirce pareceu apenas uma menina meio tímida e pouco atualizada no quesito
moda, tem poucas falas e é forçada demais, sobretudo no tocante aos seus
poderes telecinéticos, exagerados e difíceis de serem digeridos por qualquer
telespectador.
Outra frustração se dá pela presença de
Julianne Moore no longa como a fanática e louca Margaret White, que, se a
princípio contribuiu para as expectativas em relação ao filme – afinal, Moore
é, incontestavelmente, uma atriz e tanto! –, acabou por frustrar o
telespectador, tão sem graça e apagada está. Enquanto a Margaret White de 1976,
vivida por Piper Laurie, assustava, metia medo e despertava o ódio do
telespectador, a de agora não desperta emoção alguma. E também pudera: em todos
os embates entre mãe e filha, Carrie acaba por render a mãe com um movimento de
mãos (o que, aliás, ficou bastante forçado, afinal, trata-se de uma garota com
poderes telecinéticos, e não de uma espécie de uma personagem com superpoderes
saída de uma atração adolescente). Moore foi bastante desperdiçada neste filme,
chegando a sua personagem a ser quase tão apagada quanto a Margaret Wtihe
vivida por Patricia Clarkson na regravação de 2002.
Outro ponto negativo do filme, talvez o
principal responsável pelo seu fracasso, é o fato de que ele não se decide se
quer ser uma adaptação do livro ou uma cópia mal feita do longa de Brian de
Palma. Se não fosse por alguns pequenos elementos, aliás, seria possível
desconfiar de que nem diretora nem roteirista chegaram a ler a obra de Stephen
King. O longa de Peirce é, em grande parte, uma cópia do filme original, desde
as vestimentas e cabelos de Margaret White ao desabamento da casa da
protagonista ao final do filme. Pareço injusto? Vejamos: a morte da mãe de
Carrie nesta nova regravação é praticamente uma reprodução da cena da morte da
mesma personagem no filme de 1976. Quem leu a obra sabe que Margaret Whithe não
morre daquela forma, embora, claro, devamos considerar que a ideia ficou mais
adequada para a telinha do que ficaria a cena original do livro, onde Carrie
“comprime” o coração da mãe com o poder da mente (a versão de 2002 está aí para
provar a inadequação de tal cena para o vídeo). Lembremos, porém, que a ideia
de matar Margaret White com os utensílios de cozinha é de Brian De Palma e não
de Peirce, que só demonstrou uma total falta de criatividade ao reproduzir tal
cena. O mesmo se dá quanto à cena em que Sue (Amy Irving e Gabriella Wilde, respectivamente)
vai dar uma espiadinha no baile, e talvez haja outras que me tenham passado
despercebidas.
Finalmente, no que se refere à tão
esperada cena do baile, essa sofre as consequências do mal do qual o filme
vinha sofrendo ao longo de sua projeção: a falta de tensão. Os momentos mais
tensos que antecedem ao da humilhação no baile não dão conta de preparar o
telespectador para tanto, de modo que este, ao chegar àquilo que deveria ser o
clímax, se depara apenas com uma projeção apressada e uma enxurrada de efeitos
isenta de qualquer tensão. Em seguida, a vingança de Carrie contra os seus
principais algozes, Chris Hargensen (Ivana Baquero) e Billy Nolan (Alex
Russell) novamente frustra a demanda catártica do telespectador, que, diante de
uma cena lenta e exagerada, se vê ansioso pelo fim da projeção. Todavia, antes
de chegar ao fim, o telespectador precisa, ainda, suportar o já comentado embate
final entre mãe e filha e a descoberta de que, além dos poderes telecinéticos,
Carrie possui ainda o dom da clarividência (!!!).
Ok, muitos são os que gostaram do filme
e argumentam serem inapropriadas as comparações. Elas, no entanto, são
inevitáveis, visto se tratar da adaptação de uma obra que já teve a sua versão
para o cinema. Adaptação essa que se tornou um clássico, de modo a dispensar
uma regravação inferior. Peirce tinha um belo material em mãos: a obra de King,
a atual discussão do Bulliyng, a tecnologia do mundo contemporâneo. Ela utiliza
tais recursos, mas não de modo a fazer um filmão, se é que era essa a intenção
dela... Sejamos justos, claro: a cena da gestação de Carrie, que abre o filme,
é fantástica; os efeitos sonoros são bons e não passam despercebidos aos
ouvidos do telespectador atento; o uso dos aparelhos celulares para fotografar
Carrie em total desespero devido a sua primeira menstruação, bem como a
exibição do vídeo no telão no momento da humilhação final (surpresa até mesmo para
o telespectador!), foram excelentes ideias. Diferente daquela Carrie de 1976,
que apanhava pilhas de livros na biblioteca da escola para se inteirar sobre a
telecinesia, a Carrie de agora também pesquisa sobre o tema na internet, tal
como a Carrie de 2002. Não posso, porém, deixar de fazer um questionamento: na
era da internet e em tempos em que adolescentes discutem (e até vivem)
livremente a sexualidade, seria possível que uma jovem se mantivesse alheia às
transformações do seu corpo? Seria possível que uma adolescente não soubesse
nada sobre a menstruação? Talvez a obra de King não seja assim tão atual, ao
menos neste aspecto...
No que toca à fidelidade à obra, não há
dúvida de que a versão de 2002 é a que sai na frente nesse sentido, embora os
últimos cinco minutos hajam destruído toda a obra, que já não era nenhuma
maravilha (um filme bom, e só). Naturalmente, caso fosse perguntado sobre qual
a melhor versão, eu responderia de pronto ser a de De Palma. Consideremos,
porém, que se tratam de três filmes diferentes, produzidos com objetivos e
olhares distintos. Além disso, é preciso que os críticos (mesmo os de beira de
estrada, como eu) procurem um equilíbrio entre a precisão e maturidade de sua
crítica e a nostalgia. Assistindo a Carrie
(2013) pela primeira vez, considerei-o um fiasco, é verdade. Tal opinião,
porém, não foi a mesma quando o vi uma semana depois. Agora, para mim, esta
obra de Peirce é apenas um filme legal, suportável, desses que a gente assiste
para passar o tempo e não o vê nunca mais. Infelizmente, um filme que não
atende às expectativas geradas por toda a publicidade que o antecedeu e que
chega a decepcionar os adoradores da obra de King e de De Palma. Mas fazer o
quê?
Recomendo, sim, que todos vão ao cinema
para conferir esta nova Carrie, mas recomendo, também, conhecer aquela que
inaugurou esta trágica história no cinema. Nostalgia ou não, continuará a ser
inesquecível para mim aquela estranha de 1976, com os seus cabelos de piaçava
contrastando com os volumosos cabelos de suas colegas de turma; com a sua
assustadora Margaret White e sua crueldade quase palpável; com o seu sensual
banho de ducha e seu desfecho assustador; com os seus arregalados olhos azuis e
sua merecida revanche; com a sua lição de como o fanatismo e a intolerância
podem destruir a vida de um ser humano.
***