O primeiro romance voltado para o público
adolescente que li, se bem me lembro, foi Ana
e Pedro – Cartas, de Vivina de Assis Viana e Ronald Claver. A este, se
seguiram o maravilhoso A marca de uma
lágrima, de Pedro Bandeira, O Marido
da Mãe, de Maria do Carmo Brandão, e O
Primeiro Beijo, de Marcia Kupstas. Todos eles, pendendo mais ou menos para
a realidade dos adolescentes, traziam consigo o compromisso de fazer de si um
reflexo dos conflitos comumente experimentados pelos jovens. O que não é
diferente em se tratando de Desafios do
Amor, de Thaís Silveira Venzel, o qual tive agora a oportunidade de ler não
como adolescente, mas com deleite equivalente ao que eu teria se o fosse.
Se há alguma distinção entre os títulos
inicialmente mencionados e a obra de Venzel, a diferença é, sem sombra de
dúvida, o fato de que aqueles, por mais comprometidos que fossem em reproduzir
em suas páginas as experiências e emoções características do adolescer,
mostravam-se ainda um pouco tímidos em relação a alguns temas – como drogas e
sexo na menoridade –, por mais que esses já houvessem se estabelecido de maneira
decisiva entre os jovens de sua época. Menina
Mãe, de Maria da Gloria Cardia de Castro, por exemplo, era uma raridade naquele
tempo. O atualíssimo texto de Thaís Venzel, no entanto, traz essas e outras
questões sem necessariamente polemizá-las, optando sempre por uma naturalidade
nunca desprovida de reflexão.
Venzel nos apresenta Anne, uma adolescente
oriunda de uma família de classe média que passa pela experiência do
amadurecimento de forma extremamente dolorosa, mas não menos realista. Outrora
dedicada aos estudos, à família e responsável em todos os aspectos, tal como o
meio ambiente, o mais próximo que Anne havia estado do real sofrimento era a tragédia
pessoal de uma melhor amiga, Vick, mas, como todo adolescente, Anne é “convidada”
a conhecer ela mesma a vida em seus tons mais obscuros, o que passa pela
intransigência da morte, a experiência da perda, o mundo das drogas (lícitas e
ilícitas), a desconstrução da concepção idealizada do pai e – como não podia
deixar de ser – os sabores e dissabores da paixão. Na medida em que a vida lhe
vai impondo situações dolorosas, a paisagem belorizontina que Anne tanto
apreciava durante o trajeto até a escola vai ficando desprovida de sua beleza,
o que podemos tomar como sinal de uma transição para um mundo novo – isto é, a
vida adulta –, mas não menos belo. Neste ponto, temos uma mera questão de ter
ou não a estrutura necessária para se superar os sobressaltos característicos
deste processo de transição. Em Desafios
do Amor, como é notório, Anne não tinha tal estrutura, representando as
centenas de jovens que, apesar da boa educação que recebem, não são preparados,
sobretudo emocionalmente, para a vilania que a vida tem como possibilidade.
Visto que sua personagem se trata de uma
jovem de dezesseis anos, a autora opta por uma linguagem simples, desprovida da
sofisticação, o que, em Desafios do Amor,
se configuraria como exagero, afinal, o que temos é um narrador autodiegético, uma
história narrada em primeira pessoa por uma adolescente. E, melhor ainda, por
trás desta personagem, o que temos não é uma adulta que, embora bem
intencionada, escreve com pouca ou nenhuma propriedade, distante que está de
sua adolescência. O que temos é a Thaís Venzel também de dezesseis anos, hoje
mais crescida, que, ao contar a história de Anne, está a falar sobre um mundo
que de fato conhece (o que, naturalmente, de maneira alguma é demérito para os
autores com mais de trinta anos que escrevem sobre e para os adolescentes).
Ao ficarmos atentos às nossas sensações
durante a leitura de Desafios do Amor,
percebemos que não estamos a torcer por uma personagem e tampouco a nos preparar
para uma reviravolta emocionante na próxima página. Pelo contrário, estamos a
torcer por uma amiga, por uma conhecida, uma prima ou aluna, tão comuns são as
experiências por ela vividas: a ausência de estrutura emocional para superar as
perdas, os amigos apenas tolerados pelos pais, a busca de refúgio nas drogas e
nas relações de caráter duvidoso etc.
Uma vez que temos como certo que, na vida
real, dificilmente a personagem sairia com tanta facilidade do mundo no qual se
afundou, é possível que a princípio fiquemos insatisfeitos com o desfecho que
Venzel dá à saga da jovem Anne, aparente sinal de uma relação afetiva entre
autora e personagem, o que dificulta um desfecho vago ou mesmo tráfico. Não
obstante, podemos analisá-lo sob uma outra ótica. Ou seja: em se tratando de
uma obra que tem os adolescentes como público-alvo, a opção pelo happy end com a realização do amor e uma
viagem ao lindo Rio de Janeiro pode ser uma forma de comunicar aos jovens que,
apesar dos dissabores, apesar da perda, apesar das situações aparentemente sem
saída, dá pra superar, dá pra passar por cima de tudo e escrever uma nova
história.
Tanto pela sua escrita quanto pelo seu estilo
– uma loira com uma tatuagem que, segundo a própria, sempre fará mais sucesso
que os seus livros –, nos sendo possível vislumbrar em Thaís uma futura referência
no famigerado gênero Chick Lit, que cresce significativamente no Brasil como
resposta aos anseios da mulher moderna. É apenas uma conjectura, claro, havendo
como única e incontestável certeza apenas o fato de que a jovem Thaís Silveira
Venzel promete!
***
VENZEL, Thaís Silveira. Desafios do Amor, 2 ed. Betim: publicação independente, 2016.
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