segunda-feira, 25 de abril de 2016

O Filho do Coveiro - Marcos Mota



“Ninguém gosta de pensar na morte, o que vem a ser uma ironia e uma incoerência, visto que sua certeza é uma das poucas verdades que todo ser humano irá encontrar num breve piscar de olhos. Ela é implacável, como dizem, inflexível, rigorosa e surpreendente. Reduz-nos a um conto ligeiro, na maioria das vezes esquecido pela posteridade.” (pág. 17)

É verdade, mais do que comprovada, a minha paixão pela literatura, bem como também é verdadeiro o meu excêntrico fascínio por cemitérios. Fascínio esse despertado pelas visitas guiadas ao Cemitério do Bonfim, como é popularmente conhecido. Eu nunca, porém, cogitara a possibilidade de, um dia, esbarrar em uma obra que aliasse essas duas paixões, até conhecer O Filho do Coveiro, obra do mineiro Marcos Mota.

Com a metáfora do jovem que, habitando uma cafua no terreno de uma Catedral, busca superar-se e viver a inigualável experiência do amor e da ascensão social, O Filho do Coveiro nos conduz à reflexão de que é possível estar vivo mesmo que entre os mortos. Mesmo que sejamos produtos do meio, somos dotados do livre-arbítrio que nos possibilita assumir tons distintos dos quais nos cercam. E, estendendo tal reflexão ao contexto contemporâneo, mesmo em meio às superficiais relações virtuais, à pressa, às disputas, ao rápido acesso à informação, a indivíduos que se esbarram e não se vêem e aos arranha-céus de uma cidade cinzenta, é possível usufruir da oportunidade única que é a vida.

Como bem disse o autor em sua gentil dedicatória, O Filho do Coveiro é uma história de preconceito e superação, sendo o ponto alto da obra o fato de que a transformação vivida e dirigida pelo introspectivo Edgar Pomer se dá justamente por via dos elementos do mundo que outrora o aprisionava, como um breve versículo bíblico. Com exceção da delicada Elizabete, não há salvação que venha do mundo externo, o que resulta em uma bela lição para o leitor.

E não é por acaso que Marcos Mota batiza o seu protagonista de Edgar Pomer, cujo sobrenome é exaustivamente confundido pela sua amada por “Poer”, “Poe” e afins. O sutil e delicioso diálogo com a obra de Edgar Allan Poe cria o cenário perfeito para que possamos mensurar as proporções da trajetória feita pelo jovem personagem: do vazio à riqueza de sentimentos, da ausência de perspectivas à realização e concretização de planos, da resignação a uma herança sombria à conquista da alteridade, da devastadora solidão ao encontro de si e do outro. O cerne da obra de Marcos Mota é justamente a decisiva escolha de seu personagem por não se curvar ao destino quase que hereditário que é a amarga experiência de viver passada do pai para o filho. Transgressor, o jovem se rebela ao que a vida lhe impunha como intransponível barreira, tratando-se aqui de uma transformação que só foi possível no e pelo amor, que, na literatura e na vida, segue revelando o seu poder de resgate.

Só quem é ou já foi vítima de preconceito – sucumbindo à repulsa social e, sobretudo, à negativa concepção de si mesmo; isolando-se no silêncio abismal de sepulturas invisíveis, da perda e da exclusão, aqui metaforizados pelo peculiar Cemitério São Cristóvão – compreende a força de sua narrativa.

O texto é delicioso, e sua linguagem é dotada de uma pureza que, se bem aplicada – tal como ocorre na obra em questão –, cai muito bem em literatura. Vale ressaltar, porém, que essa sofisticação na narrativa é surpreendentemente bem aliada àquele jeito bem mineiro de contar histórias, o que é um deleite, sobretudo, para quem é conterrâneo do autor.

A obra de Marcos Mota é para aquele leitor que procura uma narrativa a um só tempo simples, linear, mas vigorosa e inesquecível. É para quem gosta de histórias de superação. Para quem gosta de ler as maravilhas do primeiro amor. Para quem curte causos de assombração. Para quem acredita na transformação pela fé e pelo esforço. Para quem aprecia uma literatura bem produzida e uma história bem contada.

E é por todas as qualidades aqui elencadas que eu vou deixar uma sugestão que é quase um conselho: leiam este mineiro, pois ele tem muito a dizer.

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MOTA, Marcos. O Filho do Coveiro. Belo Horizonte: Mou, 2015.


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