domingo, 26 de junho de 2016

1+1: a matemática do amor - Augusto Alvarenga e Vinícius Grossos



“Eu me aproximei do Lucas, estreitando completamente a pouca distância que já existia. A respiração dele batia na altura do meu peito. Meus lábios estavam secos e minha mão suava. ‘Se eu pular, você pula comigo?’ O Lucas me olhou fundo nos olhos. ‘Sempre’ – ele respondeu, sem titubear. O Lucas era valente. Eu precisava ser também.” (pág. 155)

Não é de agora que a arte, em suas mais diversas expressões, procura abordar a questão da homoafetividade, comumente de modo a proporcionar sobre ela um olhar mais tolerante e acolhedor. Mesmo atualmente, quando a sociedade estremece ao ver no horário nobre um beijo entre duas mulheres, a arte, subversiva como deve ser, não se deixa intimidar e segue expressando na dramaturgia, na pintura, na música, na literatura e afins a legitimidade das relações homossexuais, bem como a complexidade de vivenciá-las em uma sociedade com preconceitos ainda arraigados.

Neste primeiro semestre de 2016 – em tempos de retrocesso e embate entre as pautas progressistas e conservadoras –, foi a vez dos jovens Augusto Alvarenga e Vinícius Grossos brindarem os seus leitores com uma história de amor já vivida ou testemunhada por qualquer pessoa. Sim, porque 1+1: a matemática do amor se dedica a contar uma história comum, mas não simples, e nessa história muito conhecida nossa a grande aventura é o próprio amor entre os adolescentes Lucas e Bernardo, amor esse com o qual eles precisam lidar ao mesmo tempo em que encaram o inevitável distanciamento à espreita.

Desde o início da narrativa, salta aos olhos do leitor algo de contato físico notoriamente incomum entre amigos do sexo masculino. Assim, o que a princípio poderia se justificar com o fato de Lucas e Bernardo serem amigos desde o nascimento acaba por se revelar como um amor que extrapola as barreiras da simples amizade. Embora se trate de um sentimento latente desde a mais tenra infância, é somente com a possibilidade de afastamento – que vem com a partida da família de Bernardo para Portugal – que o recíproco sentimento se revela para ambos.

Pode-se dizer que o contexto de 1+1 é, de modo geral, libertário. Embora os conflitos existam – e devem existir, pois, caso contrário, não haveria estória –, os mesmos são construídos de forma leve, revelando-se belíssima a decisão por apresentar duas famílias acolhedoras e concentrar a questão da homofobia no personagem Rodrigo. Tais escolhas deixam visível o objetivo de se contar uma estória de amor, e não de ódio. A simplicidade da narrativa e as nobres emoções do #lunardo, em conjunto com a trilha sonora – sim, o romance tem uma trilha sonora – e o belíssimo projeto gráfico realizado pela Faro Editorial, contribuem decisivamente para a leveza que faz de 1+1 uma história gostosa de ler, mas nunca em detrimento da reflexão acerca de temas como autoaceitação e homofobia.

Os personagens centrais foram bem construídos, de modo a refletir a realidade, mas sem generalizações. Lucas e Bernardo são iguais na diferença. Vivem os mesmos dramas, mas com reações específicas. Se um representa o gay mais sensível, mais emoção e com mais “pinta” (no que, definitivamente, não há o menor problema), o outro é mais racional e, dada a ausência de trejeitos, consegue transitar dentro do grupo de colegas homofóbicos do colégio sem, a princípio, ser objeto de escárnio.

Os meninos Alvarenga e Grossos cometeram um louvável acerto ao ambientarem a estória em uma cidade do interior. É óbvio que a resistência aos homossexuais ou à relação homoafetiva propriamente dita, em menor ou maior grau, está presente em qualquer lugar, e os autores, naturalmente, o sabem. Não obstante, a opção dos autores por uma cidade interiorana nada mais é que uma forma de comunicar ao leitor que o preconceito, a intolerância, a homofobia são sintomas do atraso. Trata-se de uma metáfora em meio a tantas outras encontradas ao longo da narrativa, em meio aos diálogos dos personagens. Um bom exemplo é um trecho no qual, ao propor um programa que fugia aos planos listados por Lucas para as férias, o personagem Bernardo afirma: “Não há problema em sair da lista de vez em quando!” (p. 70). Mais à diante, temos um momento no qual, após Lucas criticar a indumentária da tia – uma mulher totalmente fora dos padrões que se incumbe de “mostrar o mundo” aos jovens amigos –, o mesmo Bernardo afirma: “Admiro gente que assume o que gosta, sem medo do que vão falar!” (p. 115). E assim, a cada página, a obra defende a tolerância, o respeito e, sobretudo, o direito de ser o que é, mesmo que fugindo aos padrões socialmente estabelecidos.

Mas, em meio aos tantos acertos que somam uma maioria na obra, alguns erros também se fazem presentes, dentre os quais podemos citar o beija-não-beija que chega a se tornar irritante. Muito embora se compreenda a expectativa pretendida pelos autores ao longo de uma narrativa que, cuidadosa, procura cativar o leitor, levando-o a ficar na torcida pelos personagens, não dá para ignorar uma realidade atual na qual os adolescentes, de modo geral, são significativamente mais “rápidos”, por assim dizer. Nesse contexto, não me pareceu acertada a decisão dos autores por abrir mão de um momento tão bonito e propício descrito entre as páginas 103 e 105 para deixar o beijo para um final não assim tão belo. Ademais, a clássica estória de amor que termina com um beijo talvez não fique assim tão bem ajustada em se tratando de dois homens, mesmo que adolescentes.

Quanto ao final, por sua vez, ele também é fruto de escolhas as quais não sei se foram as mais apropriadas. Explico: o desfecho deixa no leitor a sensação de que Augusto e Vinícius estavam tão, mas tão afetivamente ligados ao #lunardo que até mesmo para eles foi difícil encarar a separação dos personagens. Tanto que optaram por encerrar a narrativa com uma troca de correspondências e, como se não bastasse, com o anunciado reencontro dos personagens em terras lusas. Ora, a vida é feita muito mais de desencontros, e o distanciamento definitivo (ou quase) entre Lucas e Bernardo poderia ser uma rica escolha ao pressupor que, com o distanciamento entre os jovens, viriam novas experiências e o amadurecimento afetivo/sexual.

Enfim, são apenas provocações, valendo deixar claro que nenhuma das críticas feitas anteriormente prejudica a obra em seu todo. Repetindo o que disse há dois parágrafos, 1+1 é feito muito mais por acertos, e são esses acertos que fazem dele uma obra fantástica e linda de viver. A árdua tarefa da escrita a quatro mãos foi realizada com notável esmero e teve um resultado maravilhoso, fazendo os jovens escritores repetirem, em termos de produção literária, o sucesso do igualmente sensível Cartas Marcadas: uma história de amor entre iguais, romance de Antonio Gil Neto e Edson Gabriel Garcia com temática semelhante e também com o público infanto-juvenil como alvo principal (mas não exclusivo). Não é à toa que, passados apenas vinte dias do lançamento, 1+1 simplesmente esgotou na própria Faro Editorial, que já trabalha em uma segunda edição. Os tempos são sombrios, mas há muita gente acreditando no amor sem lhe impor os limites do preconceito.

Feita a leitura do texto e havendo tido a grata oportunidade de conhecer os autores durante o lançamento em Belo Horizonte, fica a certeza de que Augusto Alvarenga e Vinícius Grossos reproduziram em cada página de 1+1: a matemática do amor toda a beleza que reside neles, valendo-se da literatura para darem a sua doce contribuição na construção de um mundo mais tolerante, onde as diferenças não nos tornem vitimas, mas, sim, pessoas mais felizes e orgulhosas de ser o que são.

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ALVARENGA, Augusto; GROSSOS, Vinícius. 1+1: a matemática do amor. Barueri: Faro Editorial, 2016.

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