“Fui extremamente fria. Como
uma deusa da vingança, cruel e vingativa, passei por cima de todos que
atravessaram meu caminho para conseguir castigar aqueles que me haviam feito
sofrer. Cada doce carícia que dei a quem não merecia foi retribuída com
sedutores toques manchados de sangue. Por isso, sem qualquer remorso, pense que
estou ao seu lado, minha única testemunha, e direi, ao pé do seu ouvido: eu matei.” (p. 11)
Você gosta de estórias de mulheres
vingativas? No que tange à Sétima Arte, da comédia ao terror, há uma série de
estórias do tipo, sendo Carrie, a Estranha (Carrie,
1976), Thelma & Louise (Thelma &
Louise, 1991), Valente (The Brave One,
2007) e Doce Vingança (I Spit on Your
Grave, 2010) apenas alguns exemplos de tramas cinematográficas nas quais a
mulherada não leva desaforo pra casa. A temática é tão envolvente e tão fértil
terreno que não se restringiu ao cinema, fazendo a cabeça também de vários
nomes da literatura universal.
Em alguns aspectos, Arma de Vingança, obra do independente Danilo Barbosa, poderia ser
chamada de “A Vingança de Anastasia” ou coisa que o valha, pois aqui – tal como
no (infelizmente) famigerado Cinquenta
Tons de Cinza, de E L James – temos também a relação de uma jovem,
curiosamente chamada Ana, com um magnata chegado às práticas do BDSM. A
louvável diferença é que a personagem de Danilo não se curva aos abusos do
ricaço em virtude de passeios de helicóptero, automóveis de presente e viagens
na primeira classe. Ana reage contra os abusos, o que vem a lhe custar muito
caro.
Danilo Barbosa se revela um mestre na
construção do Arco Dramático. Ao longo de vinte páginas, o autor, não
involuntariamente, conduz a narrativa ao crescente marasmo, sobrecarregando de
romantismo a relação entre a moça recém saída de um namoro desastroso e o jovem
cheio de galanteios. Danilo, porém, sabe bem a hora de parar, revelando ao
leitor, na primeira metade da obra, a verdadeira face de Ricardo, que toma a
palavra e se apresenta como um homem nada romântico, mas bem treinado na arte
da sedução.
Aliás, é a partir daí que nos é permitido
conhecer um recurso interessante utilizado por Danilo Barbosa: a narrativa em
1ª pessoa dividida entre os pontos de vista da protagonista e do antagonista.
Assim, enquanto vemos Ana deslumbrada pelos mimos do seu novo amor, a narrativa
nos transporta para o ponto de vista de Ricardo, nos dando a ciência de que Ana
está entrando em uma verdadeira cilada. Nesse âmbito, o leitor, cativado pela
sua personagem, não raro deseja entrar na estória e alertar a protagonista
sobre as reais intenções de Ricardo. Sorte nossa não nos ser permitido
fazê-lo... Um tal Tiago tentou e acabou se dando muito mal... (risos).
Outro ponto interessante em Arma de Vingança é o que chamamos tempo da narrativa. A personagem central
nos é revelada no prólogo – que, aliás, tem início com uma afirmação que fisga
o leitor logo de cara –, quando essa nos convida a acompanhar a sua história. “Aqui,
diante de você, contarei em detalhes a minha história, finalmente”, é a
afirmação da personagem, diante do que, naturalmente, o leitor espera que, a
partir dali, o passado assuma o tempo narrativo. Todavia, o que temos a partir
de então é uma história narrada a partir do fluxo de consciência dos
personagens, no presente, o que se configura como outro recurso interessante
utilizado por Danilo: junto de Ana, somos transportados para o passado, de modo
que, a partir deste ponto, a Ana do passado é quem assume a narrativa.
Naturalmente, o fato de outros personagens
como Ricardo, Tiago, Rambo e Rafael assumirem a narrativa ao longo do texto,
causa certo estranhamento. Afinal, se tudo que estamos lendo nos é apresentado
em virtude da consciência de Ana, como é possível termos acesso aos pensamentos
e emoções dos demais personagens? Isso, no entanto, não diminui a obra, não se
configura como problemático e tampouco, creio, se trata de uma reflexão a qual
muitos leitores se dediquem.
Em Arma
de Vingança, Danilo Barbosa se revela um escritor impiedoso, que flerta com
o universo feminino e que critica duramente os laços entre política e crime
organizado. Embora mergulhe nas motivações dos seus personagens – nos cientificando,
por exemplo, da infância de Ricardo, cujo comportamento do pai e a conivência
da mãe se revelam como propulsores do seu caráter doentio –, Danilo não se
dedica a uma construção mais minuciosa dos mesmos, o que é positivo aqui,
optando por uma narrativa breve, objetiva e cheia de ação, durante a qual tudo
o que o leitor tem a fazer é amar e odiar. O juízo de valor fica por conta do
leitor, pois inexiste no contexto da trama, proporcionando-nos uma catarse
completa.
Arma
de Vingança se revela como uma obra inspiradora para as
mulheres. Não que essas devam seguir os passos de Ana (à arte o que é da arte,
ok?), mas no sentido de fazê-las lembrar do poder que elas têm, bem como de
ajudá-las a rechaçar a concepção de amor enquanto algo a ampará-las ou
resgatá-las. O amor, bem nos ensina Ana, é algo possível apenas depois que uma
mulher resgata a si mesma.
BARBOSA, Danilo. Arma de Vingança. São Paulo: Universo
dos Livros, 2015, 240 p.
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