sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Ser ou não ser? Uma reflexão sobre a hipocrisia


Sou defensor da liberdade religiosa, mas zombo de uma ministra, especificamente, pela sua religiosidade.

Sou defensor da família, mas contrato travesti na Av. Pedro II antes de voltar para a minha esposa e filhos.

Faço da liberdade de expressão a minha bandeira, mas reajo agressivamente quando confrontado com o contraditório.

Luto pela igualdade de gênero, mas faço da misandria a base de minhas ações.

Busco a elevação espiritual, mas desde que a minha busca não extrapole os limites da zona sul.

Saio hasteando bandeira com os dizeres “mais amor por favor”, mas viro o rosto quando a ajuda me é solicitada.

Sou militante pelos direitos da comunidade LGBT, mas subestimo ou até mesmo desejo a morte dos gays que se dizem contrários à militância.

Sou protestante e sigo a Palavra de Jesus, mas me coloco no papel de juiz e até defendo a eliminação – e não a salvação – dos que perturbam a paz.

Sou bonzinho e espiritualizado, mas me restrinjo a um grupo de pessoas e não me relaciono com qualquer um por uma questão de “frequência energética”. Até porque “cada um é responsável pela sua própria evolução”.

Reivindico respeito, pois preciso que se respeite o meu direito de desrespeitar os outros.

Sou professor, mas dou aos meus discentes uma interpretação dos fatos como sendo uma verdade absoluta.

Idealizo uma educação livre de ideologias, mas apoio projetos que visam cercear a liberdade de professores e alunos.

Vivo em defesa da vida, mas ergo uma bandeira em prol do aborto com a mão esquerda e outra em prol da pena de morte com a mão direita.

Sou super politizado e exerço a minha cidadania, mas não me envolvo com o tema política desde 29 de outubro.

Sou mente aberta, evoluído, intelectual e raro como pessoa, mas, no fundo, eu desprezo o ser humano e suas idiossincrasias, e tudo o que quero é mostrar a minha vida falsamente extraordinária no Instagram com fotos badaladas e check-in's invejáveis no Facebook.

Sou tudo isso, mas na verdade... na verdade mesmo, até humano eu já deixei de ser faz tempo, dedicando-me a ser nada mais, nada menos que um tremendo de um idiota.

sábado, 8 de dezembro de 2018

A árvore do Preto-Velho

Uma vez recebi de um Preto-Velho a orientação de, afastado do centro urbano, buscar uma árvore grande, frondosa... e, uma vez diante dela, recuar três passos, como forma de pedir licença e permissão, abraçando-lhe e fazendo-lhe uma pergunta em seguida. Segundo o Preto-Velho, a resposta me seria dada imediatamente a esse ato de respeito e reverência à Mão Natureza. E finalizou a orientação me dando um gole de cachaça e me aplicando o passe.

Habitante de uma cidade de concreto como Belo Horizonte – que, mesmo que erguida por entre serras, adquire, cada vez, a atmosfera cinzenta da “cidade que nunca dorme” –, até então não encontrei a tal árvore, e, por conseguinte – ou a despeito disso – tampouco encontrei a resposta para a pergunta que já não me lembro qual era.

Vivo a fazer tantas perguntas... Qual teria sido a da vez?

Mas talvez não exista de fato a tal árvore que, do alto da sabedoria contida em seu tronco e em sua imponente copa, possa trazer respostas às minhas elucubrações. Talvez – e é uma possibilidade que se me revela a cada dia mais forte – não hajam mesmo respostas, resumindo-se a existência a esse eterno caminhar para o nada, o breu, o desconhecido.

Talvez não exista mesmo essa coisa de felicidade e tampouco ações ou conquistas que nos possam proporcionar um bem-estar duradouro, e, no final das contas, devamos nós nos contentar com aquele bem-estar passageiro de ir sozinho ao cinema no final da tarde e, com alguma sorte, reencontrar aquele colega da facul ou aquele amor cuja presença jamais lhe foi oportunizada. São algumas das migalhas que a vida dá... mas mesmo pra isso é preciso ter sorte.

Talvez a conquista de alguma paz interior seja mais árdua para a nossa geração porque ela está condicionada a alcançar mais views, mais likes e mais comentários no Instagram, e a depressão se instala quando você, com os seus quatrocentos e poucos seguidores, se percebe um sujeito pouco ou nada interessante, sem uma vida badalada, sem um emprego descolado ou uma carreira louvável, sem um estilo excêntrico e uma aparência que lhe permita colocar no perfil uma foto sem camisa e óculos escuros com os aparelhos da academia ou a praia de Ipanema no fundo.

Talvez na teledramaturgia a felicidade só fique para o final não apenas como forma de manter o público cativo ao longo da trama, mas, também, como forma de dizer que só existe felicidade possível quando tudo acaba.

Talvez... apenas talvez...

Uma coisa, porém, é fato: mais que com “avanço conservador”, “alastramento do fascismo” ou “regime ditatorial”, #resistência tem a ver com a gente conseguir sobreviver à nossa própria mente adoecida. Tem a ver com a gente acordar amanhã e perceber que venceu mais um dia. #resistência tem a ver com a gente sair vitorioso sobre os nossos próprios demônios e permanecermos vivos, apesar de nós mesmos.

Eu vi o sol nascer hoje. E estou fazendo força para vê-lo de novo amanhã.