segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Paradoxo de amor


O amor que me fez ir é o mesmo que me faz voltar.
Me toma pela mão e com os mesmos dedos
com os quais fez som em sua guitarra
me mostra a direção a seguir.
Encantado,
me guio pelo som de uma seresta.
Não há lágrimas,
mas sei que alguém está morrendo
para que eu me possa parir.
Perdido em meio ao caos
busco guarida em corpos estranhos,
chupo paus de desconhecidos,
bebo de copos largados ao acaso
como que desejoso de um boa-noite-cinderela.
Não quero nada
e quero tudo.
Quero retornar ao meu amor
que ficou me acenando do farol.
Quero retornar ã segurança da ilusão
que vivi em seus braços sem que ele nunca soubesse.
Quero a vida inventada e tão conhecida
de tão imaginada em meus gemidos mudos.
Só ele me pode curar os calos dos pés e das mãos.
Só ele sabe sarar as dores com o
poder curativo do seu toque.
Retrocedo, mas sei que não posso.
É esse o caminho para, de mendigo,
eu me tornar um rei.
O meu amor me ensina,
– sem nunca pretender-se professor –,
que, para encontrar saída,
eu preciso abrir mão do meu amor.

sábado, 16 de novembro de 2019

A vilania da depressão

Contar os dias para o feriado e, quando esse finalmente chega, não conseguir ficar em paz devido a renitente voz na sua mente.

Planejar todo um fim de semana e não conseguir cumprir nem mesmo 10% do planejado.

Ver imensa complexidade em tarefas simples, como abrir a correspondência, tomar banho ou lavar um copo.

Dormir em excesso como forma de fugir da realidade e do burburinho dentro da própria cabeça.

Julgar-se indigno.

Ver a casa imunda e as roupas pra passar e sentir que não dispõe das forças necessárias para fazer algo a respeito.

Ter um humor que oscila em questão de horas, por várias vezes ao dia.

Sentir-se forte e entusiasmado, mas com a certeza (ou medo) de que todo esse vigor se esvaia em pouco tempo.

Não ter perspectivas para o futuro.

Fazer bobagens na tentativa de se sentir melhor e conseguir apenas agravar ainda mais o próprio estado com a bobagem feita.

Tudo isso é a depressão.

Ou ao menos como ela se manifesta na minha experiência.

Diante dessas palavras, alguém poderia se perguntar: “Já há tantos anos passando por esses altos e baixos, o que mais esse estúpido acha que pode dizer sobre depressão que nos traga algum tipo de contribuição?” E eu responderia que a minha maior contribuição está não no que eu possa dizer, mas, sim, no fato de – apesar de uma depressão que já data de anos e parece me consumir a cada dia – eu permanecer vivo.

Sim. É difícil, doloroso, desafiador... Mas, a despeito da dor de agora, eu ainda tenho fé e esperança de que chegará o dia em que terei conseguido atravessar isso.

E você também vai.

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Sombras


Você não sabe,
mas às vezes a minha casa assume uma atmosfera soturna
e eu sou assombrado por fantasmas que me perseguem
e me ameaçam com o fim que levaram outros como eu.
Os mais sádicos, porém,
apenas me mostram o espelho
no qual eu vejo refletido o menino da minha infância
a encolher-se diante dos risos da classe.
Você não sabe,
mas me firo diariamente com os espinhos
das rosas das quais ousei desejar a fragrância..
Apenas pare
e ouça os gritos abafados de quem não tem como fugir.
Tomado pelo medo,
corro desesperado pelas ruas,
bebo veneno,
desmaio na sarjeta e me embebedo
de prazeres marginais.
E se às vezes lhe destino palavras confusas
é porque, querendo morrer,
eu preciso sobreviver a mais uma noite.
Quem sou eu em plena madrugada?
Quem é você que já não sei se existe?
É possível que haja se apercebido do desvalor
da vida que eu lhe quis oferecer.
Era pouco,
mas era tudo o que eu tinha.
Será que não entende que eu temo
que o vento espatife as vidraças?
Será que não sabe que eu passo noites em vigília
de modo a impedir que eles entrem aqui.
Não...
Você não sabe
porque se negou a reconhecer o humano em mim.

domingo, 10 de novembro de 2019

O florescer masculino

“É pra hoje, Alex!” Ele vociferava, enquanto eu esperava me sentir realmente preparado para o próximo mergulho. “Errou, tenta de novo uai”. Disse ele quando eu reclamei ser muito difícil me colocar de pé sem me apoiar na raia. “Engoliu, só reza e continua.” Foi ele quando eu, dramático, engoli um pouco d’água.

Percebendo as consequências do sedentarismo a cinco primaveras para os quarenta, vi na natação uma boa alternativa, e lá fui eu, sendo conduzido por um instrutor para o qual, aparentemente, eu perdi o caráter de “iniciante” já na terceira aula.

O curioso, porém, é que são as atitudes dele e de caras como ele que me têm ensinado a gostar de homem. Mas não me refiro ao gostar no sentido afetivo ou sexual da coisa, até porque, convenhamos, essa tendência já faz parte de mim desde moleque, e não é lá uma grande novidade pra ninguém. O gostar ao qual me refiro aqui tem outras nuances, significados mais profundos que eu venho aprendendo após muito resistir ao masculino em mim e no outro.

Na minha experiência pessoal, são os homens os que mais me desafiam, exigindo de mim firmeza, objetividade e me fazendo tomar novo fôlego – literalmente, no caso da natação – quando me parece não ser mais possível.

Desde a mais tenra idade, sempre me cerquei de mulheres, todas elas se havendo dedicado magistralmente a me instruir na arte da sensibilidade, do altruísmo, da humanidade, da leveza, da consciência do próximo. Sim, tudo isso eu aprendi, sobretudo, com mulheres. O problema é que, excelentes professoras que elas são, me acomodei em seu amparo, refugiando-me em sua generosidade e acolhimento sempre infalíveis, sem necessariamente me dar conta disso.

É fato, no entanto, que determinados desafios com os quais a vida costuma nos surpreender me foram/vêm mostrando a necessidade de ancorar o masculino e o feminino em mim. O Yin e Yang. As duas facetas de um Deus que, na condição de mãe e de pai, ora é amparo e misericórdia, ora é Aquele que nos lança os duros desafios que nos colocam em movimento.

Esse processo contra as resistências, no entanto, é lento e gradual. Começou timidamente, com a coragem de encarar um psicólogo do sexo masculino, por exemplo. Avançou para o estreitamento de laços com amigos que, seguros de si, não veem em mim uma ameaça à própria sexualidade. Em seguida, maior aproximação com o meu pai, ainda longe do ideal – se é que existe um –, mas significativa se comparada a tempos de outrora.

Se das mulheres eu aprendi a sensibilidade, dos homens eu pretendo a objetividade e a firmeza. Mas não aquela firmeza característica de uma masculinidade tóxica que, felizmente, tem cada vez menos lugar no mundo. Refiro-me à firmeza que me permite aterrissar quando as asas da emoção me impulsionam a um voo interminável, livre e inconsequente.

Nos relacionamentos amorosos (ou tentativas de), eles têm se mostrado eficazes não na arte de me amar, mas na de me ensinarem a amar a mim mesmo antes de qualquer coisa, não raro me trazendo das nuvens para a terra firme, que é onde se  pode edificar algo de grandioso, duradouro e real.

Sim, eu gosto de homem. E continuo a gostar das mulheres. Agora, porém, sem negar nenhum dos dois. Vou oscilando entre esses dois polos, sendo extremamente organizado, mas desleixado com os serviços de casa; vestindo saia e mantendo a barba lenhador; não raro pensando com a cabeça de baixo, mas ainda escrevendo longas cartas de amor.

Este sou eu, aprendendo a ser livre, aprendendo a ser gay, aprendendo a ser homem. Aprendendo, a cada dia, a me descobrir e a expressar no mundo aquele que eu sou.

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

A oportunidade na adversidade


Que bênção é a dor,
Que nos dá a coragem para atravessá-la.
Que bênção é a ausência de amor-próprio,
Que nos revela a urgência de adquiri-lo.
Que bênção é a depressão,
Que nos pode servir de impulso em direção à luz.
Que bênção é a indiferença alheia,
Que nos ensina, dia após dia, a criarmos raízes profundas em nós mesmos.
Que bênção é a vida,
A despeito de todos os sobressaltos.
Que oportunidade é viver!

domingo, 20 de outubro de 2019

Uma luta diária

Naquele dia, despertou às dez, como lhe era de costume. Sentou-se na cama e dedicou-se a uma oração sincera e em voz alta, acreditando que, assim, viria mais rápido o socorro. O silêncio, porém, continuava a reinar entre as paredes, ao passo que o vazio ecoava dentro da casa e de si. Nada de paramédicos espirituais ou som de ambulâncias celestes, conduzindo-o a mais essa dolorosa conclusão de que, talvez, não houvesse mesmo um Deus que lhe pudesse escutar.

Necessidades fisiológicas o impeliram a se levantar. Saiu do quarto, foi ao banheiro e, na saída, mirou-se no espelho como quem se deparasse com uma figura lamentável. Retornou para a cama. Desejava dormir para não ver, experimentar mais do sono que era a inconsciência da dor. Nada. Revirava-se na cama como que buscando posição confortável, mas o organismo já se satisfizera de repouso. Não dormiria por ora.

Forçou-se a se levantar, procurando organizar as ideias na mente. Tarefas simples lhe pareciam extremamente complexas, tais como arrumar a cama, lavar a louça, escovar os dentes. Das janelas, abriu apenas uma. Precisava de ar, mas não se julgava digno da luz que lhe invadia a casa quando abria todas as janelas. Precisava e, de alguma forma, regozijava-se com a penumbra que tão bem lhe refletia a alma. Questão de afinidade.

Pôs no micro-ondas uma comida tão artificial quanto ã própria existência, e, enquanto o irritante apito não lhe despertava do transe, rolava o feed das redes sociais, encolhendo-se no sofá a cada post de vida perfeita que ali se apresentava. Em seu íntimo, desejava também escutar o barulho do mar ou sentir no rosto a brisa das montanhas. As providências, porém, lhe pareciam extremamente complexas: ir ã rodoviária, comprar passagens, acessar as páginas de hotéis... Faltava-lhe energia para tanto. Ademais, não havia lugar que lhe desobrigasse da própria companhia.

O apito. O irritante apito. O cheiro de comida processada. A dor... E, naquele momento, soube: abreviaria a própria vida. Talvez não hoje. Possivelmente não amanhã. Mas o faria. De certa forma, já o estava fazendo, em doses homeopáticas, mas fatais, todos os dias. Faria, e doía saber, mas, como agravante da dor, ele sabia.

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Vigília


Lustrei os móveis,
limpei a poeira das grades,
pus tapete com dizeres frente à porta.
Eu sei que um dia ele vem...
O café ainda esfria sobre a mesa
servido na porcelana que herdei da minha avó.
Fiz bolo de cenoura
e queimei um palo santo
para neutralizar as energias,
só pra que se sinta em paz.
O forro de mesa barato,
eu comprei numa liquidação,
junto da capa do liquidificador.
Meu amor
é o mesmo, ontem, hoje,
triste,
desesperançado,
mas em vigília
e não se cansa de esperar.

terça-feira, 1 de outubro de 2019

Compromisso

Hoje, depois de um dia difícil lidando com uma mente indócil; depois de horas arrastadas me lamentando por erros cometidos e oportunidades perdidas; hoje, depois de me debater com o desejo de permanecer na cama e o medo de sair e encarar a vida; depois de chorar sozinho desejoso de me aninhar nos braços que se mantêm cruzados para mim; hoje, depois de desejar fugir e vagar sem rumo; depois de meditar, orar, pedir a Deus pelo meu futuro; hoje, depois de ter o peito atravessado pela dor, testemunhei o pôr-do-sol pela minha janela, e, diante dele, fiz um compromisso com o Criador. A partir de hoje, sempre que me sentir cansado, sempre que a existência me pesar nos ombros, virei à janela do meu quarto e observarei o pôr-do-sol, grato ao Universo pela dádiva de presenciar, diariamente, tamanha beleza. Hoje, depois de me revoltar contra mim e o mundo, assumi diante da vida o compromisso de me fazer absurdamente feliz.

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Obrigado aos que se importam

Obrigado aos que se importam.

Vi esta imagem na manhã de ontem, no status de um amigo bastante querido no WhatsApp, havendo ela me levado a refletir sobre as tantas situações – dentre as quais ressalto a depressão que enfrento há alguns anos (décadas?) – nas quais demandei a gentileza dos que estavam ao meu redor, bem como aquelas nas quais careceram de que eu fosse gentil e acolhedor. Não raro falharam comigo. Não raro falhei com quem precisava de mim.

Fique claro que, quando me refiro a essa desejada e necessária gentileza, não estou a dizer de “passar a mão na cabeça” ou tratar o outro como porcelana, mas, sobretudo, de não diminuir ou mesmo ignorar a dor alheia, concebendo-a como o velho “fogo de palha”, expressão comumente utilizada para ridicularizar a dor do outro ou mesmo as suas tentativas de escapar dela.

Parece-me válido dizê-lo ainda dentro deste Setembro Amarelo: gentileza não necessariamente envolve grandes ações. As grandes ações, claro, são bem vindas quando possíveis. Não obstante, não são raras as minhas lembranças de grandes confortos vindos por meio de uma mensagem, de uma ligação, de uma mensagem, de uma conversa...

Posso estar equivocado, mas creio que isso seja universal: é sempre bom saber que alguém se importa.

Eu sou grato aos familiares, amigos e colegas que, ao longo desta árdua jornada, me têm ajudado dentro de suas possibilidades. É fato que o meu constante progresso e permanência neste mundo repleto de sobressaltos se deve, em parte, à força e persistência que encontrei em cada mergulho que dei dentro de mim mesmo. Eu não poderia, porém, negar a essencial e indispensável contribuição de muitos que passaram e permanecem em minha vida.

Nós somos verdadeiros felizardos, pois temos um Deus que é por nós, e que age através de nós, do outro e das circunstâncias como forma de nos indicar as estradas que melhor conduzem à nossa libertação. Eu sou um felizardo e profundamente grato aos que se importam.

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Filho da Luz


Desperto cheio de gratidão à vida pela sublime dádiva de experienciá-la.
Viver é uma oportunidade!
Reconheço em cada alegria, uma bênção;
em cada sobressalto, uma lição.
Bênção inda maior travestida de fracasso.
Sigo a lançar mão do meu direito de escolha,
mas solto, confiante na Suprema Inteligência do Universo,
superior aos presunçosos saberes acumulados durante a caminhada.
Não mais me revolto contra o curso das coisas,
ciente de que a vida me ama e sabe o que é melhor para mim.
Não mais me rendo à ilusória necessidade de controle
e me permito fluir
tal como as folhas do outono ao sabor da brisa.
Filho da Luz que sou,
sou dotado do poder de iluminar a minha própria existência.
Imagem e semelhança do Criador.
Não mais espero de fora.
Não mais delego a supostos heróis
a tarefa de minha felicidade ou salvação.
Basto-me e, a um só tempo, necessito do outro para existir,
livre da arrogância dos que são cheios de si.
Amo sem projetar, sem exigir,
Mas amo primeiro a mim
e à inigualável beleza de existir.
Cada dia é recomeço.
Nada me para, me impede ou me limita,
e sigo confiante no Infinito Poder que me ampara.
Apenas escolho, confio e solto,
atento aos sinais,
pronto para viver os melhores dias da minha vida!
Apaixonado.
Cheio de amor por mim.

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Ninguém vai aparecer para te salvar




Era, talvez, a décima segunda vez naquele dia que eu acessava o meu correio eletrônico a fim de conferir se havia resposta dele. Nada. Pensei também nos posts e stories do Insta e do Facebook. Era possível que a resposta viesse em forma de uma indireta postada ali. Nada também. As redes sociais e nossas muitas possibilidades de sofrer... Estou longe de ser o tipo conservador, mas não raro me percebo saudoso do tempo em que a gente só sofria pela ausência de uma carta ou telefonema.

E eis que a via-sacra virtual se repetiu ao longo dos dias seguintes, naturalmente acompanhada da angústia, do medo e da obsessão de quem busca em lugar incerto a salvação da própria vida.

Ora!, mas era improvável que ele não respondesse. Afinal, eu havia colocado em minha mensagem as minhas perturbações mais profundas. Aquelas que a gente não tem coragem de dizer em voz alta, sabe? Eu havia revelado ali os pensamentos suicidas que há muito rondavam a minha mente, sendo esse o tipo de coisa que qualquer pessoa com um mínimo senso de humanidade não ousaria deixar de responder, certo?

Errado! E parte do final dessa história eu já posso lhe adiantar: a tão desejada e aguardada resposta não veio. E à “aceitação” disso, como não podia deixar de ser, seguiu-se a raiva, a dor, a autopiedade e todos aqueles sentimentos que, se levados a um nível ainda mais destrutivo, nos convertem em um daqueles seres amargos que se arrastam pela vida tocando o terror na vida dos outros.

Eu sei que você, possivelmente, também já idealizou pessoas e, em momentos difíceis – como um episódio depressivo, que foi o meu caso – viu nelas a possibilidade de salvação, antecipando na imaginação as palavras dóceis e o afago tão desesperadamente desejado. Eu sei que, mamíferos que somos, temos demanda de afeto. Mas sei também o quão habituados estamos a, abrindo mão do nosso poder pessoal (herança divina!), delegarmos a outrem a tarefa de resolver os nossos conflitos e nos fazer felizes, o que talvez se deva ao fato de havermos crescido em uma cultura ocidental alicerçada em uma filosofia que exalta um salvador (e isso de maneira alguma deve ser entendido como crítica ao cristianismo e tampouco como negação de Jesus como Mestre e modelo).

Naturalmente, tomar a autorresponsabilidade como nossa palavra de ordem não dá a outrem salvo-conduto para ser cruel e indiferente à dor do próximo. Até porque a compreensão de que somos todos um é etapa fundamental no nosso processo de evolução. Isso sem falar que o exercício da cidadania envolve a dedicação de cada um à promoção da qualidade de vida do outro.

O conceito de autorresponsabilidade, no entanto, destrói a figura do herói e nos devolve a energia comumente investida em expectativas sem futuro. Quando temos a consciência (e optamos por viver de acordo com tal consciência) de que somos os únicos capazes de transformar a nossa própria existência e de que os outros já estão envolvidos com a própria, nos tornamos mais resistentes ao impacto de uma rejeição ou indiferença.

É aquela velha história... Quando não criamos expectativas, é indiferente para nós se o outro não nos faz algo bom; mas, se o outro nos presenteia com a gentileza de uma ajuda, uma palavra, um favor ou um abraço, nos sentimos no lucro, pois nada estávamos esperando.

Sim, eu sei que há pessoas más, mas eu sei também que há as nossas idealizações e expectativas que não raro vilanizam pessoas que nunca nos prometeram nada, que nunca assumiram a pesada e terrível responsabilidade pela nossa salvação.

Eu sei também que há a nossa incoerência ao, por tantas vezes, exigirmos que o outro desempenhe o papel de herói enquanto nós mesmos nos negamos terminantemente a assumir tal papel na vida de alguém, o que evidencia que, no fundo, sabemos o quão pesada é essa responsabilidade. Eu sei que há a nossa carência, o nosso egoísmo, o nosso medo, a nossa preguiça e a nossa depressão.

Contudo, a vida exige movimento – ou coragem, como diria Guimarães Rosa, grande nome da literatura brasileira –, e os outros já estão envolvidos demais com os próprios conflitos, pois não existe quem não os tenha, embora a grama do vizinho às vezes pareça mais verdinha... Pense nisso.

Se eu me matei de tristeza e sou agora um fantasma a redigir este texto? Não. Eu apenas chorei o que tinha pra chorar (o que faz um bem danado), me dediquei a atividades que geralmente ajudam a desanuviar a minha mente, fiz terapia, pedi orientação a Deus, fiquei atento aos sinais e segui vivendo. Recaídas? É claro que sim. Vale lembrar que sou humano, afinal.

Ninguém vai aparecer para te salvar. E está tudo bem...

Portanto, se aquela resposta não veio, se aquela consideração da qual você tanto precisava ficou só na fantasia, faz o seguinte: vá tomar um chocolate quente, bota pra tocar aquela música que te deixa pra cima, caminhe um pouco, sente-se numa praça arborizada e se dedique a uma boa leitura (quem sabe “O confessor”, de Taylor Caldwell?). E, quando se sentir preparada(o), joga uma água no rosto, respire fundo e – como numa canção do Roupa Nova – “se apronta pra recomeçar”. Há um navio aguardando que você assuma o leme.

segunda-feira, 1 de julho de 2019

Luxo


Ao beijar pela primeira vez,
pensou-se já desvirginado,
passando a ver em tal preliminar
o ápice dos encontros sexuais
que se seguiram.
Beijar lhe parecia a coisa
mais erótica do mundo,
razão pela qual tinha hora e lugar.
Um dia contratou um rapaz e,
pouco dado ao uso do imperativo,
surpreendeu-se com a própria voz:
"apenas beije-me".
E mergulhou.
Pouco habituado aos afetos,
beijar lhe parecia um luxo.

domingo, 16 de junho de 2019

Douglas

Um nome e um rosto. Era tudo o que eu tinha. Um nome e um rosto. Tomei-os como um mapa que me conduziria até Douglas. Douglas era meu destino. A fim de encontrar mais uma pista, qualquer sinal que fosse, recapitulei os eventos ocorridos ao longo das poucas horas em que o tive ao meu lado. Quem sabe um toque casual e involuntário, um gesto, um comentário que me revelasse o segundo nome, o endereço, a universidade em que estuda? “Obrigado”, foi a primeira palavra que dele escutei, ao me transferir para o assento ao lado, permitindo-lhe, assim, sentar em trio com os amigos. Gostei de haver-lhe feito algo dentro dos limites comuns ao encontro de desconhecidos. Douglas ia em grupos de amigos a eventos literários! Deve ser por isso que me apaixonei. E ele também se apaixonou. Não por mim. “Conheci ela há pouco tempo, mas já estou apaixonado”, disse ele sobre a poetisa esperada, razão da nossa presença ali. Douglas comprou livro da poeta para ser autografado. Douglas saiu e retornou em instantes com garrafas d’água para os amigos. Douglas aplaudia entusiasmado à apresentação, enquanto eu, tomado da mais perversa quirofilia, observava-lhe as mãos, em visão periférica, secretamente desejando-lhe o toque, do suave ao intenso, do delicado ao bruto, do convencional ao pecaminosamente íntimo... Douglas me roubava a atenção e me induzia a pecar. Douglas fotografava a apresentação com o celular. Douglas... Vi bem quando ele saiu, enquanto eu aguardava ainda o meu autógrafo. A nossa estrela brilhava, mas, naqueles instantes, fora Douglas o meu ídolo. Quero fazer de Douglas meu homem nas noites de tempestade. Quero ser de Douglas um súdito e ele minha majestade. Quero passear de mãos dadas na Paulista até tarde. Quero Douglas e eu dançando, sambando na cara da sociedade. Quero Douglas pra viver um amor... de verdade.

quarta-feira, 29 de maio de 2019

Da coragem de assumir o leme

A verdadeira coragem do ser humano se revela na sua disposição para procurar em si mesmo as causas de sua atual experiência de vida. Trata-se de uma empreitada tanto heroica quanto arriscada, dadas as verdades dolorosas que podem vir à tona quando se propõe tal autoinvestigação. Mas o que seria mais cruel? Acomodarmo-nos eternamente à posição de pobres vítimas, maltratando-nos diariamente, afastando os que ora nos rodeiam e matando-nos aos poucos ou assumirmos a responsabilidade por nós mesmos?

Não que esta segunda alternativa nos torne imunes à dor, claro. Autorresponsabilidade dói e isso é fato. Trata-se, porém, da dor típica da experiência humana. A dor de quem sabe que algo maior está à sua espera e anseia por alcança-la. A dor de quem tem consciência de que a plenitude é impossível neste mundo de provas, onde nada faz real sentido... Quando nos negamos à experiência da viagem ao nosso interior, porém, ao entregar o nosso poder a outrem, delegando-lhe a tarefa de nos trazer felicidade, experimentamos a terrível dor da vulnerabilidade, sujeitamo-nos ao abuso e ficamos à mercê das circunstâncias.

Quem se recusa a chamar para si a responsabilidade pelo presente e pelo futuro se limita a apenas existir, privando-se da fantástica experiência de viver. São esses os que, vendo os destroços da própria existência, infernizam a vida alheia, culpabilizam os demais pela própria desgraça e, inevitavelmente, se tornam fadados a uma existência solitária.

Que o Grande Invisível nos inspire para que tenhamos o devido discernimento e, por conseguinte, façamos a melhor escolha para a nossa vida. A escolha pela vida...

terça-feira, 28 de maio de 2019

Paramahamsa Vishwananda

Oportunidades que perdemos em razão da timidez. Dada a minha imensa dificuldade em encarar (e ser encarado) nos olhos, mantive-me de olhos fechados durante a bênção, mentalizando um pedido que desejava com ardor ser escutado pelo Mestre. Nenhuma palavra. Nenhuma menção de encará-lo nos olhos como planejara já no fundo do auditório, quando somara à longa fila de devotos, curiosos e buscadores de modo geral. Gurují tem estampado no rosto um sorriso que, aparentemente, nunca desfaz, bem como um olhar penetrante que eu só encarei em fotografias. Quem sabe, se o tivesse encarado, ele houvesse percebido em mim uma maior abertura, oferecendo-me algumas palavras de consolo? Quem sabe, se houvesse eu aberto os olhos, ter-me-ia descortinado de tal forma que mereceria dele algum alento ante a dor de viver que não raro me consome, me paralisa e me retrai? Quem sabe...? Conjeturas à parte, resta-me a quase certeza – pois sou como Pedro saído do barco – de uma bênção certeira do Grande Artista do Universo por meio do divino instrumento que é o Mestre, bem como profunda gratidão pela poesia daquele momento...

quinta-feira, 23 de maio de 2019

O abraço dele

Idealista, expressa suas utopias nas rodas de amigos, prevalecendo sempre a calma e o jeito de menino que lhe é peculiar. Nunca o vi levantar a voz, a não ser em ocasião de uma pilhéria ou coisa que o valha.

Às vezes ele me cumprimenta, num aperto de mão firme que, com um pouco de sorte, traz de brinde um afago nas costas, o máximo a que dois homens têm direito de chegar. As mais próximas, vejo-o envolve-las em um abraço terno, daqueles demorados, durante os quais já se inicia uma conversa repleta de afetos. Nada há nele da masculinidade tóxica que ainda tanto nos vitima.

Apenas observo, imaginando-me dentro do seu abraço de vinte segundos.

Se me deixo levar pela distração, pego-me a imaginá-lo na intimidade, sobre a qual ele, discreto e avesso a vulgaridades, mantém o doce mistério. Imagino-o cuidadoso no toque. Não cheio dos melindres típicos daqueles que têm medo de amar. Refiro-me ao cuidado de quem caminha na ponta dos pés a fim de não despertar traumas adormecidos. Ele não é homem de remexer baús empoeirados ou de cutucar feridas. Portanto, há de explorar cuidadosa e minuciosamente o templo de sua peregrinação. 

Sobressaltado, procuro desviar o pensamento, como que receoso de ser pego em meus devaneios. Não quero que ele me veja dessa forma, como alguém que tem sobre ele esse tipo de pensamento. Para ele, quero ser apenas o nerd esquisito com o qual o máximo a que se pode chegar em termos de relacionamento é o cumprimento amistoso. Ver-me como sou equivaleria a ter-me em baixa conta, e, diante de tal opção, eu prefiro continuar a ser ninguém.

Um dia eu o abraço no Natal, o presenteio com um livro e, quem sabe, se eu tiver coragem, teço uns versos falando de todo o meu amor...

terça-feira, 21 de maio de 2019

Bandeiras que desvirtuam

Quando vejo gente pedir tolerância e se tornar agressiva diante do contraditório, quando vejo estudantes e professores se valendo de expressões do tipo “vai tomar no **” durante uma manifestação pela Educação ou quando vejo o nosso país – e o mundo – seguirem sendo o que são a despeito das tantas experiências vividas e tantos modelos políticos experimentados, me pego refletindo sobre o quanto permitimos que ideologias prevaleçam em detrimento de reais valores e princípios.

Compreendo o quanto se tem mostrado arriscado falar de moral e valores atualmente, dada a conotação negativa que, com o recente avanço conservador, esse conceito pode ter para muitos. Aqui, no entanto, não falo de valores com a ideia de privação das liberdades individuais – das quais sou também fervoroso defensor –, mas, sim, dos valores que verdadeiramente exaltem o ser humano de modo incondicional, e não apenas enquanto ele pensa como nós ou enquanto vota em X ou Y.

Quando a empatia, em lugar de uma realidade interior, restringe-se a nada mais que a reprodução de um discurso ideológico, é comum que se saiam pelas ruas empunhando-se bandeiras e bradando-se expressões como “mais amor por favor” e afins, mas tocando o terror na vida dos outros na realidade do dia a dia. Quando temos um senso ético profundamente arraigado, não somos seletivos em nossa indignação, apontando a corrupção de uns e fazendo vista grossa para a de outros. Quando temos a verdadeira liberdade como ideal, não nos enveredamos pelo debate acerca da ditadura mais camarada.

E neste ponto me parece válido exaltar a importância da Educação enquanto um direito fundamental, desde que bem aplicado. Sujeitos expostos a uma Educação embasada na autorresponsabilidade, no autoconhecimento e no real compromisso com toda e qualquer criatura humana – independentemente de raça, gênero, classe social, inclinações ideológicas e afins – alcançam a vida adulta sem enaltecer mitos e sem se prender a homens que se fizeram grandes com o bem realizado no passado, mas desvirtuados com o curso do tempo.

E por falar em virtude, é inevitável que me venha à lembrança as palavras da saudosa Elke Maravilha (1945 – 2016), que – apesar da natureza profundamente humanitária que a fez madrinha dos gays, dos presidiários, dos portadores de hanseníase e das prostitutas – criticava firmemente as bandeiras. Não por intencionar oprimir, mas por julgar que quaisquer valores, quando saídos do coração, subidos à cabeça e convertidos em bandeiras, se desvirtuavam.

Essa pode parecer uma opinião simplista para muitos, mas facilmente verificada na triste realidade da hipocrisia nossa de cada dia... Realidade essa na qual se fala de tolerância para em seguida excluir pessoas queridas das redes sociais em razão de escolhas políticas. Realidade essa na qual “homens de bem” defendem o partido Brasil, mas desde que alguns, com peculiaridades indesejáveis, não estejam sob os holofotes desse Brasil.

E, assim, resistindo à necessária e urgente viagem ao nosso interior, seguimos à direita, à esquerda, mas todos, sem exceção, em marcha vertiginosa para a beira do abismo, que é onde, finalmente, gozaremos da tão aclamada igualdade. Só que negativamente orientada...

quarta-feira, 15 de maio de 2019

O professor que me habita

Eu trago comigo um desejo – quase um sonho, pode-se dizer – que, devido aos rumos que eu permiti que a minha carreira profissional tomasse após a conclusão da licenciatura, bem como a limitações pessoais que eu ainda não tive culhões para ultrapassar, eu não pude ainda tornar concreto. O que esse sonho tem de simples, ele pode ter também de absurdo aos olhos de qualquer pessoa minimamente informada quanto ao estado da Educação brasileira. Mas, afinal, que p**** de sonho é esse? É muito simples: ir para a sala de aula. Abraçar de vez essa profissão para a qual, desde os idos tempos de graduação, eu sentia um chamado, mas desde então negligenciava-lo, vencido por uma timidez e por uma exacerbada autocrítica que pouco ou nada me têm ajudado.

Recém-saído de uma dengue que me deu uma boa derrubada e às voltas com reflexões políticas que me deixam um tanto incomodado, optei por não ir para a rua neste dia de luta. A minha ausência na rua, no entanto, não me privou do contentamento diante das ruas tomadas em prol de uma causa que, que não raro, é negligenciada pelo próprio povo (isso pra não mencionar parte considerável dos servidores da própria Educação...).

A opção por não ir às ruas também não me privou da lamentável experiência de ouvir o nosso presidente classificar como “idiotas” os manifestantes, num incontestável desrespeito não só contra os seus concidadãos, mas também contra um princípio democrático que, ao menos por ora, torna válida, necessária e bem-vinda a livre manifestação.

Não, eu não fui às ruas, mas espero, num futuro não tão distante, compensar essa ausência com uma presença garantida e definitiva em sala de aula, no exercício do magistério e na plena expressão daquilo que, talvez, eu tenha vindo para ser: PROFESSOR.

Enquanto não me faço digno de tamanha responsabilidade, sigo ao lado dos que realmente acreditam em nossa tão vilipendiada Educação, vendo nela o caminho principal para a concretização de uma sociedade mais justa, mais empática, mais igualitária e, em todos os aspectos, mais próspera.

Obs.: 

quarta-feira, 1 de maio de 2019

A pedra drummondiana

A busca pela Verdade, pela felicidade, pela paz ou seja lá como se chame implica a disposição para desafiar as próprias crenças. Crenças essas que não raro se configuram como o obstáculo maior à nossa autorrealização, a maldita pedra eternizada por Drummond em sua singela poesia. Se me assumo como um buscador sincero, preciso estar disposto a colocar as minhas verdades em xeque, tendo por mim sempre o devido respeito para não ir além dos meus limites. Pois essa busca envolve honestidade, mas, definitivamente, não envolve violência contra mim mesmo.

Contudo, vale ter sempre em mente que – da mesma forma que não esperar nada de ninguém é mais saudável do que criar expectativas, vez que, assim, nos prevenimos de grandes frustrações e nos mantemos abertos a gratas surpresas – viver de acordo com nossas crenças sem, no entanto, tornarmo-nos obcecados por elas nos previne da estagnação e nos mantém abertos a novas possibilidades.

Eu acho lindo quando o Pe. Fábio de Melo trata a dúvida como elemento confirmador da fé. Todavia, objetivando evitar o previsível uso de uma personalidade pop como exemplo, retomarei as palavras de um ex-professor em um tempo muito remoto, durante a aula de Cultura Religiosa lá na minha amada PUC: “Gente, eu acredito em Deus, mas eu não tenho certeza de que existe não, tá?”

Muitos dos meus colegas não entenderam, mas eu, particularmente, vislumbrei naquele professor uma fé e uma abertura para a vida que eu jamais lograra alcançar! O tipo de sujeito que, decerto, chegaria facilmente a Deus...

Talvez seja por demais filosófico tudo isso. Basta, porém, que reflitamos nisto: os nossos apegos, as nossas crenças de estimação, as nossas verdades absolutas podem, não raro, ser a única pedra em nosso caminho. O único obstáculo entre nós e uma vida de suprema fe-li-ci-da-de...

quarta-feira, 17 de abril de 2019

A beleza triste das coisas

Madrugada. É sempre madrugada por aqui. Nariz congestionado e vozes na minha mente que não me deixam dormir. Tenho em mim escuridão suficiente para tornar nublado o mais belo dia de sol. Às cegas, tateio o pequeno criado ao lado da cama, na esperança de encontrar no smartphone entretenimento melhor do que a programação que minha abjeta existência é capaz de oferecer. Chegado à teledramaturgia desde a mais tenra idade, vejo nas vidas de mentira das redes sociais um passatempo necessário não necessariamente agradável.

Mergulhado em um estado deplorável no qual nada tenho a perder, acesso o seu perfil e o vejo lá. Em um vídeo – algo raro entre os seus stories, comumente dedicados à frases motivacionais e imagens de deuses indianos – ele pede desculpas pela “cara toda amarrotada” e define como “linda” a manhã chuvosa de então, adjetivo incomum para dias sem sol. Gesto típico de quem, grato pela vida, vê beleza em algo triste como um temporal.

A beleza triste das coisas...

Mais à diante, pede a um vira-latas, encolhido sobre uma almofada, que deseje um bom dia ao “pessoal”. De imediato, passo a invejar o cachorro, cuja existência lhe é, certamente, mais valiosa que a minha, já esquecida entre os tantos e tantos personagens que já contracenaram com ele neste interminável drama da existência. Na vida dele, tal como na minha própria, fui mero coadjuvante.

As emoções provocadas pelo cão tão notoriamente amado me trazem à memória os versos que escrevi há alguns anos, quando a poesia ainda era saída e possibilidade de expressão.

Como deve ser feliz a brisa que te toca.

Quão alegre deve ser o seio que o compraz.
Grande é o desejo e a saudade que sufoca.
Do seu beijo eu sou mendigo.
Um poeta pertinaz.

Escrevi, na lousa da memória, bem como em algum papel que já não tenho mais.

Olho, pela última vez, a face serena do recém-desperto homem-de-meu-mesmo-nome, antes de deixar o aparelho de lado. Uma punheta tão desesperada quanto ligeira impede a lágrima que se anuncia. Respiro. Três da madrugada. É sempre madrugada por aqui... O que começou como garoa se intensifica lá fora. Os meus cães, igualmente amados, estão também em segurança. Diferente de mim, que, arfante e prestes a cair no sono, juro pra mim mesmo que, um dia – no fatídico dia em que eu virar gente – ainda hei de compartilhar uma manhã contigo...


quarta-feira, 27 de março de 2019

A semente do presente

O sincero afã por progredir em aspectos diversos deve existir em equilíbrio com uma profunda aceitação da realidade atual. Havemos que evitar os extremos, não devendo um se converter em arrogância e o outro se transformar em conformismo.

É fato que muitos de nós estamos a protagonizar histórias difíceis, com recursos escassos, direitos negligenciados, doenças crônicas, perdas irreparáveis e feridas na alma que parecem nunca cicatrizar. Nesse sentido, compreendo que seja difícil olhar todos esses reveses com condescendência e gratidão. Não obstante, o verdadeiro amadurecimento, o crescimento interior, a conquista de si mesmo passa pelo reconhecimento do momento presente como parte fundamental de nossa jornada.

Urge, portanto, portarmo-nos como atentos discípulos, encarando as difíceis circunstâncias de agora como valiosas lições de uma vida que nunca nos desampara. Nesse contexto, a tão aclamada gratidão, portanto, não revela masoquismo e tampouco conformismo, mas, pelo contrário, profunda compreensão de uma Lei Invisível que nos dá exatamente aquilo de que carecemos para a nossa vitória.

Portanto, não nos contentemos com uma existência medíocre, reconhecendo-nos como herdeiros de uma Força Criadora que é toda Amor, Abundância e Prosperidade. Diante dos sobressaltos comuns à experiência humana, não nos comportemos como pobres vítimas, mas como jovens aprendizes que passam por provas diante das quais têm uma escolha... Que optemos, então, por tirar o melhor de todas as experiências, fazendo de cada uma delas não um abismo, mas um degrau rumo a uma vida extraordinária.

Que o Deus Supremo, todos os Mestres, benfeitores espirituais e anjos guardiões abençoem a nossa caminhada.

segunda-feira, 11 de março de 2019

O outro, espelho de mim

 


Ele gozou e ficou mexendo no celular. Tá certo que eu queria abraço, conversa, olhar ou até mesmo um comentário engraçado, daqueles típicos das relações em que há intimidade. Mas nada disse, e ele seguiu atento ao celular... E, por mais que tenhamos permanecido ali por bom tempo, na prática bastou uma gozada para que eu me visse sozinho naquele quarto de motel barato. Mas tudo bem... Eu, com a minha carência, estava sempre a fantasiar romances, ignorando o fato de que na vida real aquela frieza era, provavelmente, o normal nessas situações. Permiti-me, portanto, ser vencido pelo celular.

Sem quaisquer sinais de afeição, descemos pelo elevador, acertamos a conta, e ele, alegando não querer perder o metrô, precipitou-se em direção a porta e saiu. Não queria ser visto saindo daquele local na companhia de outro homem, por mais bem resolvido que fosse no âmbito discursivo. Mas tudo bem... Eu, com a minha carência, esquecia que as pessoas têm as suas limitações e é preciso compreendê-las. E foi diante de tal reflexão que, por mais que desejasse companhia até o ponto de ônibus e despedida com abraço apertado, permiti-me ser vencido pela hipocrisia de outrem.

Embarquei no primeiro ônibus, dirigi-me ao assento mais próximo e fui tomado pela sensação de que alguma coisa faltava. Mas tudo bem... a necessidade básica havia sido relativamente atendida e aquilo devia ser o bastante.

Mas não era.

E eu me vi pensando que às vezes a experiência de ser bem tratado é tão rara que a gente, lamentavelmente, se acostuma com os abusos, buscando sempre uma justificativa para a indiferença do outro. Nesse sentido, por mais positiva que seja essa onda de “agradecer pelo que se tem”, a gente precisa ter muito cuidado para não cair na resignação, sobretudo no que tange aos relacionamentos, sejam eles efêmeros ou duradouros.

Ser maltratado não é normal e esperar respeito, afeto e empatia não é e nunca será um luxo. É bem verdade que as pessoas têm lá as suas dificuldades, mas como é que a gente fica nessa história? Estamos mesmo sendo compreensivos e tolerantes ou estando apenas nos deixando vencer pela nossa baixa autoestima, nos contentando com as migalhas de quem nunca nos proporcionará a real experiência de sermos amados?

Convém sermos, sim, gratos a esse outro que nos ignora, que nos trata como opção e nos relega a um lugar de menos valia, mas essa gratidão é por ele nos mostrar em que frequência estamos vibrando e o tipo de coisas que nós temos atraídos para a nossa vida. Pois é sempre sobre nós, certo? Nunca é sobre o outro.

Desejar companheirismo não necessariamente revela carência. Desejar para si alguém que caminhe contigo de mãos dadas e mostre o dedo médio para o primeiro que fizer um insulto não é superexigir da vida. Tolice é buscar isso no lugar errado. A pessoa que te respeita te enxerga por detrás das curvas ou da ausência delas e permanece contigo depois de saciados os instintos. A pessoa que te valoriza te toca a alma, para além dos toques previsíveis de quem só vê um corpo para satisfações imediatas. A pessoa que te ama te assume, te envolve, te esclarece. Supera ou ao menos se esforça para superar as dificuldades que impedem a construção de uma relação plena contigo.

É bom, porém, lembrar que encontrar essa pessoa está diretamente condicionado a ser, antes de mais nada, amado, respeitado e valorizado por uma pessoa em especial, que é, justa e coincidentemente, a mesma pessoa que chega às palavras finais desta mensagem. Respeite-se, valorize-se, seja para si mesmo aqui que tanto busca no outro. É clichê, eu sei, mas o conselho continua a ser super atual: seja o amor de sua vida, antes de mais nada. Antes de tudo! Seja por si próprio a pessoa mais amada. Não esquece disso.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Sobre castelos de areia


Às vezes a gente põe tanta expectativa em uma coisa que, quando a vida real nos golpeia e a inevitável frustração acontece, custamos a enxergar um sentido para a nossa existência. Isso é especialmente comum quando se tem uma vida vazia e autoestima abalada: a gente tende a tentar compensar na busca desesperada por um relacionamento, no trabalho excessivo, no álcool, no consumismo etc. Sim, porque os excessos, comumente, escondem uma falta, por mais que não se perceba isso conscientemente.

Tudo isso pode até nos preencher durante um tempo, mas só por um tempo, e não raro demasiadamente curto.

A frustração diante de algo no qual havíamos alicerçado toda uma vida – um amor, uma conquista profissional, um smartphone etc. – é perfeitamente comparável a perder o emprego e se dar conta de nunca haver feito economias. Se nos é sugerido ter prudência e fazermos uma reserva para tempos de crise econômica, desemprego e afins, a mesma sugestão vale para a vida em um sentido mais amplo. Uma boa dose de amor-próprio, autoconfiança e força interior são fundamentais para que uma “crise” não nos pegue desprevenidos e, assim, nos tire o chão.

Por vezes a minha vida foi um bocado vazia. Costuma ser ainda. E, dessa forma, eu sempre me peguei vislumbrando em coisas e pessoas a possibilidade de uma transformação que me abalasse as estruturas e me trouxesse, finalmente, a tão falada felicidade. É claro que eu me frustrava e, pouco ou nada havendo semeado no fértil solo do meu interior, eu não tinha mais do que me alimentar. E a consequência era depressão, vazio, desejo de morrer...

As pessoas fortes são aquelas que se reconhecem como a peça fundamental de sua própria vida. Criar expectativa e se frustrar é humano e acontece com todo mundo. A grande questão é se, durante a crise, a gente vai ter para onde voltar... 

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Você merece!


Em setembro de 2017 o Universo me concedeu a grata oportunidade de realizar um sonho antigo: visitar o Templo Zu Lai, na cidade de Cotia, em São Paulo. Haver passado um sábado inteiro no templo está, sem sombra de dúvidas, na minha lista de planos concretizados. Não obstante, até o dia 15/09/2017, isso era apenas um plano. E, para além disso, em 2004, quando eu tomei conhecimento da existência do templo e passava horas a fio vendo as fotos do local, ir ao Zu Lai não chegava nem mesmo a ser um plano, não passando de um sonho cuja possibilidade de realização me parecia muuuito remota.

O curioso é que, muito embora eu tenha levado mais de dez anos para realizar aquele sonho, lembro-me de ter, antes disso, as condições necessárias para fazê-lo. A certeza de não ser merecedor e capaz de tanto, porém, estava tão arraigada em meu interior que eu custei a enxergar que eu podia e que era digno, sim, de ir àquele templo que, sem conhecer, eu já tanto amava.

Hoje me bateu saudade de lá, mas não é para falar de saudade que escrevo, mas para propor uma reflexão sobre as nossas limitações. As reais e as imaginárias (que são a maioria delas...). Olhar as minhas dificuldades, bem como a minha aparente impotência diante de determinadas situações, me deixa, geralmente, desanimado, intensificando o meu estado depressivo e me esmorecendo de vez.

Contudo, direcionar o foco para o que eu conquistei em lugar de me concentrar, masoquistamente, nas minhas aparentes limitações e fracassos (pois tem coisas que a gente não consegue mesmo, e está tudo bem...) tem se me apresentado como um bom exercício. Ora!, a faculdade, a viagem, o concurso, a publicação... são tantas coisas alcançadas que, há alguns anos, habitavam a minha mente como meras fantasias, figurando hoje num passado de realizações! Meditar nisso pode não ser o suficiente para que eu deixe de me considerar um merda, mas, sem sombra de dúvida, me fortalece e anima diante dos desafios da vida.

Porque a vida é assim, né, minha gente... Está sempre a nos desafiar. Mas não é pra nos sacanear, mas, sim, para nos manter em movimento...

E você? Qual é o objetivo que você VAI alcançar? Qual é o grande sonho que você VAI realizar? Conta pra mim!

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Sobre ser o suficientemente bom


Eu não sou bom o suficiente. Descobri isso há tempos. Moleque ainda. Primeiro, quando me senti inadequado nas minhas brincadeiras da infância, quando bola e papagaio me eram impostos como padrão enquanto eu só gostava de casinha e bonecas. Alvo de tantas comparações, descobri-me insuficiente na mais tenra idade. Fosse em casa ou na escola, sempre havia o menino mais esperto, o primo mais masculino, a criança mais ideal. Tirava boas notas, é verdade, mas mesmo isso não me fazia bom o suficiente, até que desagradei de estudar. Não havia quem me dissesse que as boas notas eram importantes para mim, e não para o agrado de quem quer que fosse.

Depois, na adolescência, quando, arredio e tímido em demasiado, percebi-me esquisito por demais. O cara de poucos amigos. O garoto bonzinho e educado, mas que só servia pra ser colega. O alvo de chacota dos garotos mais velhos. Elementos que, em conjunto com os primeiros sinais de uma sexualidade dita inadequada, faziam-me cabisbaixo e melancólico.

E foi ainda na adolescência que, buscando refúgio na religião, descobri-me insuficiente para Deus e indigno do Céu, destino que jamais seria o meu enquanto eu “teimasse” em ser o que era. Dessa forma, a fé que me serviu de alento me foi também tormento por anos a fio.

Depois, adulto, resolvi entrar na onda e ir atrás da tal felicidade, coisa que eu nem sabia que existia. E foi quando vieram os amores, o trabalho, a faculdade e as redes sociais e me mostraram que que eu também não era bonito o suficiente, badalado o suficiente, rico o suficiente, inteligente o suficiente, popular o suficiente, culto o suficiente... enfim. Eu não era o suficiente.

E foi tarde demais que descobri que o “suficiente” que eu nunca me vi capaz de alcançar era ditado por padrões de outros que sempre estariam a me cobrar mais e mais, mas que nunca estariam na minha pele e tampouco curariam a minha dor quando buscar ser “o suficiente” me parecesse doloroso demais. E, assim, já mergulhado no desalento e na depressão, vi-me diante da urgência de experieciar um tal “amor-próprio”, cuja mera ideia se me apresenta como uma utopia, mas que muitos dizem existir de fato. 

Assim, espero e persigo esse ideal, que, como os primeiros raios de sol da manhã, eu espero ver invadir o breu da minha existência, feito um milagre, desejoso de que eu ao menos seja forte o suficiente para, um dia, conseguir sair dessa.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Amparo


Sabe quando você chega ao seu trabalho ou à faculdade onde estuda e as mesas já estão devidamente alinhadas, o chão devidamente limpo e todas as coisas devidamente organizadas para que demos início às nossas atividades? Você já parou para pensar que toda essa dinâmica se deve à atuação de anônimos que, não raro, trabalham na calada da noite para que, logo pela manhã, tudo estivesse pronto para você?

Pois então... Deus é como esse trabalhador anônimo – o profissional de serviços gerais, o porteiro do prédio, o policial que faz a ronda etc. – e, enquanto nos mantínhamos em estado de completa vulnerabilidade em função do sono, Ele providenciava a brisa fresca da manhã, o canto do galo, os primeiros raios do dia... Esse mesmo dia que a depressão não raro nos leva a lamentar...

É engraçado o fato de a gente acordar e, presunçosos que somos, já começarmos a querer controlar tudo quando, na verdade, a maioria das coisas nos são dadas como presente, sem que se faça necessário um movimento sequer de nossa parte. A respiração não foi interrompida enquanto dormíamos. Do mesmo modo, o nosso corpo não parou de transpirar, o coração não cessou sua pulsação e tampouco o cérebro interrompeu suas atividades. Por meio da inteligência intrínseca ao nosso corpo, o Criador agia para que tudo se mantivesse em perfeito funcionamento, sem que precisássemos fazer um só esforço.

Abrir os olhos logo pela manhã, movimentar-se para sair da cama, pensar... são ações que, geralmente, não exigem raciocínio complexo.

A maioria das coisas nos são dadas...

A gente vive a reclamar de um suposto “esforço” que necessitamos fazer, caracterizamos a vida como uma “luta”, adjetivamos o sistema como cruel quando, na verdade, tudo o que fazemos não passa de serviços de manutenção...

Por favor, não pense que estou a menosprezar os seus esforços. Estou apenas a chamar a atenção para o fato de sempre colocarmos o foco nas nossas supostas “obrigações” sem nunca considerarmos a infinidade de coisas que nos são naturalmente entregues, dia após dia, sem moeda de troca, sem barganha, sem condições...

A vida apenas É...