quarta-feira, 29 de maio de 2019

Da coragem de assumir o leme

A verdadeira coragem do ser humano se revela na sua disposição para procurar em si mesmo as causas de sua atual experiência de vida. Trata-se de uma empreitada tanto heroica quanto arriscada, dadas as verdades dolorosas que podem vir à tona quando se propõe tal autoinvestigação. Mas o que seria mais cruel? Acomodarmo-nos eternamente à posição de pobres vítimas, maltratando-nos diariamente, afastando os que ora nos rodeiam e matando-nos aos poucos ou assumirmos a responsabilidade por nós mesmos?

Não que esta segunda alternativa nos torne imunes à dor, claro. Autorresponsabilidade dói e isso é fato. Trata-se, porém, da dor típica da experiência humana. A dor de quem sabe que algo maior está à sua espera e anseia por alcança-la. A dor de quem tem consciência de que a plenitude é impossível neste mundo de provas, onde nada faz real sentido... Quando nos negamos à experiência da viagem ao nosso interior, porém, ao entregar o nosso poder a outrem, delegando-lhe a tarefa de nos trazer felicidade, experimentamos a terrível dor da vulnerabilidade, sujeitamo-nos ao abuso e ficamos à mercê das circunstâncias.

Quem se recusa a chamar para si a responsabilidade pelo presente e pelo futuro se limita a apenas existir, privando-se da fantástica experiência de viver. São esses os que, vendo os destroços da própria existência, infernizam a vida alheia, culpabilizam os demais pela própria desgraça e, inevitavelmente, se tornam fadados a uma existência solitária.

Que o Grande Invisível nos inspire para que tenhamos o devido discernimento e, por conseguinte, façamos a melhor escolha para a nossa vida. A escolha pela vida...

terça-feira, 28 de maio de 2019

Paramahamsa Vishwananda

Oportunidades que perdemos em razão da timidez. Dada a minha imensa dificuldade em encarar (e ser encarado) nos olhos, mantive-me de olhos fechados durante a bênção, mentalizando um pedido que desejava com ardor ser escutado pelo Mestre. Nenhuma palavra. Nenhuma menção de encará-lo nos olhos como planejara já no fundo do auditório, quando somara à longa fila de devotos, curiosos e buscadores de modo geral. Gurují tem estampado no rosto um sorriso que, aparentemente, nunca desfaz, bem como um olhar penetrante que eu só encarei em fotografias. Quem sabe, se o tivesse encarado, ele houvesse percebido em mim uma maior abertura, oferecendo-me algumas palavras de consolo? Quem sabe, se houvesse eu aberto os olhos, ter-me-ia descortinado de tal forma que mereceria dele algum alento ante a dor de viver que não raro me consome, me paralisa e me retrai? Quem sabe...? Conjeturas à parte, resta-me a quase certeza – pois sou como Pedro saído do barco – de uma bênção certeira do Grande Artista do Universo por meio do divino instrumento que é o Mestre, bem como profunda gratidão pela poesia daquele momento...

quinta-feira, 23 de maio de 2019

O abraço dele

Idealista, expressa suas utopias nas rodas de amigos, prevalecendo sempre a calma e o jeito de menino que lhe é peculiar. Nunca o vi levantar a voz, a não ser em ocasião de uma pilhéria ou coisa que o valha.

Às vezes ele me cumprimenta, num aperto de mão firme que, com um pouco de sorte, traz de brinde um afago nas costas, o máximo a que dois homens têm direito de chegar. As mais próximas, vejo-o envolve-las em um abraço terno, daqueles demorados, durante os quais já se inicia uma conversa repleta de afetos. Nada há nele da masculinidade tóxica que ainda tanto nos vitima.

Apenas observo, imaginando-me dentro do seu abraço de vinte segundos.

Se me deixo levar pela distração, pego-me a imaginá-lo na intimidade, sobre a qual ele, discreto e avesso a vulgaridades, mantém o doce mistério. Imagino-o cuidadoso no toque. Não cheio dos melindres típicos daqueles que têm medo de amar. Refiro-me ao cuidado de quem caminha na ponta dos pés a fim de não despertar traumas adormecidos. Ele não é homem de remexer baús empoeirados ou de cutucar feridas. Portanto, há de explorar cuidadosa e minuciosamente o templo de sua peregrinação. 

Sobressaltado, procuro desviar o pensamento, como que receoso de ser pego em meus devaneios. Não quero que ele me veja dessa forma, como alguém que tem sobre ele esse tipo de pensamento. Para ele, quero ser apenas o nerd esquisito com o qual o máximo a que se pode chegar em termos de relacionamento é o cumprimento amistoso. Ver-me como sou equivaleria a ter-me em baixa conta, e, diante de tal opção, eu prefiro continuar a ser ninguém.

Um dia eu o abraço no Natal, o presenteio com um livro e, quem sabe, se eu tiver coragem, teço uns versos falando de todo o meu amor...

terça-feira, 21 de maio de 2019

Bandeiras que desvirtuam

Quando vejo gente pedir tolerância e se tornar agressiva diante do contraditório, quando vejo estudantes e professores se valendo de expressões do tipo “vai tomar no **” durante uma manifestação pela Educação ou quando vejo o nosso país – e o mundo – seguirem sendo o que são a despeito das tantas experiências vividas e tantos modelos políticos experimentados, me pego refletindo sobre o quanto permitimos que ideologias prevaleçam em detrimento de reais valores e princípios.

Compreendo o quanto se tem mostrado arriscado falar de moral e valores atualmente, dada a conotação negativa que, com o recente avanço conservador, esse conceito pode ter para muitos. Aqui, no entanto, não falo de valores com a ideia de privação das liberdades individuais – das quais sou também fervoroso defensor –, mas, sim, dos valores que verdadeiramente exaltem o ser humano de modo incondicional, e não apenas enquanto ele pensa como nós ou enquanto vota em X ou Y.

Quando a empatia, em lugar de uma realidade interior, restringe-se a nada mais que a reprodução de um discurso ideológico, é comum que se saiam pelas ruas empunhando-se bandeiras e bradando-se expressões como “mais amor por favor” e afins, mas tocando o terror na vida dos outros na realidade do dia a dia. Quando temos um senso ético profundamente arraigado, não somos seletivos em nossa indignação, apontando a corrupção de uns e fazendo vista grossa para a de outros. Quando temos a verdadeira liberdade como ideal, não nos enveredamos pelo debate acerca da ditadura mais camarada.

E neste ponto me parece válido exaltar a importância da Educação enquanto um direito fundamental, desde que bem aplicado. Sujeitos expostos a uma Educação embasada na autorresponsabilidade, no autoconhecimento e no real compromisso com toda e qualquer criatura humana – independentemente de raça, gênero, classe social, inclinações ideológicas e afins – alcançam a vida adulta sem enaltecer mitos e sem se prender a homens que se fizeram grandes com o bem realizado no passado, mas desvirtuados com o curso do tempo.

E por falar em virtude, é inevitável que me venha à lembrança as palavras da saudosa Elke Maravilha (1945 – 2016), que – apesar da natureza profundamente humanitária que a fez madrinha dos gays, dos presidiários, dos portadores de hanseníase e das prostitutas – criticava firmemente as bandeiras. Não por intencionar oprimir, mas por julgar que quaisquer valores, quando saídos do coração, subidos à cabeça e convertidos em bandeiras, se desvirtuavam.

Essa pode parecer uma opinião simplista para muitos, mas facilmente verificada na triste realidade da hipocrisia nossa de cada dia... Realidade essa na qual se fala de tolerância para em seguida excluir pessoas queridas das redes sociais em razão de escolhas políticas. Realidade essa na qual “homens de bem” defendem o partido Brasil, mas desde que alguns, com peculiaridades indesejáveis, não estejam sob os holofotes desse Brasil.

E, assim, resistindo à necessária e urgente viagem ao nosso interior, seguimos à direita, à esquerda, mas todos, sem exceção, em marcha vertiginosa para a beira do abismo, que é onde, finalmente, gozaremos da tão aclamada igualdade. Só que negativamente orientada...

quarta-feira, 15 de maio de 2019

O professor que me habita

Eu trago comigo um desejo – quase um sonho, pode-se dizer – que, devido aos rumos que eu permiti que a minha carreira profissional tomasse após a conclusão da licenciatura, bem como a limitações pessoais que eu ainda não tive culhões para ultrapassar, eu não pude ainda tornar concreto. O que esse sonho tem de simples, ele pode ter também de absurdo aos olhos de qualquer pessoa minimamente informada quanto ao estado da Educação brasileira. Mas, afinal, que p**** de sonho é esse? É muito simples: ir para a sala de aula. Abraçar de vez essa profissão para a qual, desde os idos tempos de graduação, eu sentia um chamado, mas desde então negligenciava-lo, vencido por uma timidez e por uma exacerbada autocrítica que pouco ou nada me têm ajudado.

Recém-saído de uma dengue que me deu uma boa derrubada e às voltas com reflexões políticas que me deixam um tanto incomodado, optei por não ir para a rua neste dia de luta. A minha ausência na rua, no entanto, não me privou do contentamento diante das ruas tomadas em prol de uma causa que, que não raro, é negligenciada pelo próprio povo (isso pra não mencionar parte considerável dos servidores da própria Educação...).

A opção por não ir às ruas também não me privou da lamentável experiência de ouvir o nosso presidente classificar como “idiotas” os manifestantes, num incontestável desrespeito não só contra os seus concidadãos, mas também contra um princípio democrático que, ao menos por ora, torna válida, necessária e bem-vinda a livre manifestação.

Não, eu não fui às ruas, mas espero, num futuro não tão distante, compensar essa ausência com uma presença garantida e definitiva em sala de aula, no exercício do magistério e na plena expressão daquilo que, talvez, eu tenha vindo para ser: PROFESSOR.

Enquanto não me faço digno de tamanha responsabilidade, sigo ao lado dos que realmente acreditam em nossa tão vilipendiada Educação, vendo nela o caminho principal para a concretização de uma sociedade mais justa, mais empática, mais igualitária e, em todos os aspectos, mais próspera.

Obs.: 

quarta-feira, 1 de maio de 2019

A pedra drummondiana

A busca pela Verdade, pela felicidade, pela paz ou seja lá como se chame implica a disposição para desafiar as próprias crenças. Crenças essas que não raro se configuram como o obstáculo maior à nossa autorrealização, a maldita pedra eternizada por Drummond em sua singela poesia. Se me assumo como um buscador sincero, preciso estar disposto a colocar as minhas verdades em xeque, tendo por mim sempre o devido respeito para não ir além dos meus limites. Pois essa busca envolve honestidade, mas, definitivamente, não envolve violência contra mim mesmo.

Contudo, vale ter sempre em mente que – da mesma forma que não esperar nada de ninguém é mais saudável do que criar expectativas, vez que, assim, nos prevenimos de grandes frustrações e nos mantemos abertos a gratas surpresas – viver de acordo com nossas crenças sem, no entanto, tornarmo-nos obcecados por elas nos previne da estagnação e nos mantém abertos a novas possibilidades.

Eu acho lindo quando o Pe. Fábio de Melo trata a dúvida como elemento confirmador da fé. Todavia, objetivando evitar o previsível uso de uma personalidade pop como exemplo, retomarei as palavras de um ex-professor em um tempo muito remoto, durante a aula de Cultura Religiosa lá na minha amada PUC: “Gente, eu acredito em Deus, mas eu não tenho certeza de que existe não, tá?”

Muitos dos meus colegas não entenderam, mas eu, particularmente, vislumbrei naquele professor uma fé e uma abertura para a vida que eu jamais lograra alcançar! O tipo de sujeito que, decerto, chegaria facilmente a Deus...

Talvez seja por demais filosófico tudo isso. Basta, porém, que reflitamos nisto: os nossos apegos, as nossas crenças de estimação, as nossas verdades absolutas podem, não raro, ser a única pedra em nosso caminho. O único obstáculo entre nós e uma vida de suprema fe-li-ci-da-de...