quarta-feira, 30 de outubro de 2019

A oportunidade na adversidade


Que bênção é a dor,
Que nos dá a coragem para atravessá-la.
Que bênção é a ausência de amor-próprio,
Que nos revela a urgência de adquiri-lo.
Que bênção é a depressão,
Que nos pode servir de impulso em direção à luz.
Que bênção é a indiferença alheia,
Que nos ensina, dia após dia, a criarmos raízes profundas em nós mesmos.
Que bênção é a vida,
A despeito de todos os sobressaltos.
Que oportunidade é viver!

domingo, 20 de outubro de 2019

Uma luta diária

Naquele dia, despertou às dez, como lhe era de costume. Sentou-se na cama e dedicou-se a uma oração sincera e em voz alta, acreditando que, assim, viria mais rápido o socorro. O silêncio, porém, continuava a reinar entre as paredes, ao passo que o vazio ecoava dentro da casa e de si. Nada de paramédicos espirituais ou som de ambulâncias celestes, conduzindo-o a mais essa dolorosa conclusão de que, talvez, não houvesse mesmo um Deus que lhe pudesse escutar.

Necessidades fisiológicas o impeliram a se levantar. Saiu do quarto, foi ao banheiro e, na saída, mirou-se no espelho como quem se deparasse com uma figura lamentável. Retornou para a cama. Desejava dormir para não ver, experimentar mais do sono que era a inconsciência da dor. Nada. Revirava-se na cama como que buscando posição confortável, mas o organismo já se satisfizera de repouso. Não dormiria por ora.

Forçou-se a se levantar, procurando organizar as ideias na mente. Tarefas simples lhe pareciam extremamente complexas, tais como arrumar a cama, lavar a louça, escovar os dentes. Das janelas, abriu apenas uma. Precisava de ar, mas não se julgava digno da luz que lhe invadia a casa quando abria todas as janelas. Precisava e, de alguma forma, regozijava-se com a penumbra que tão bem lhe refletia a alma. Questão de afinidade.

Pôs no micro-ondas uma comida tão artificial quanto ã própria existência, e, enquanto o irritante apito não lhe despertava do transe, rolava o feed das redes sociais, encolhendo-se no sofá a cada post de vida perfeita que ali se apresentava. Em seu íntimo, desejava também escutar o barulho do mar ou sentir no rosto a brisa das montanhas. As providências, porém, lhe pareciam extremamente complexas: ir ã rodoviária, comprar passagens, acessar as páginas de hotéis... Faltava-lhe energia para tanto. Ademais, não havia lugar que lhe desobrigasse da própria companhia.

O apito. O irritante apito. O cheiro de comida processada. A dor... E, naquele momento, soube: abreviaria a própria vida. Talvez não hoje. Possivelmente não amanhã. Mas o faria. De certa forma, já o estava fazendo, em doses homeopáticas, mas fatais, todos os dias. Faria, e doía saber, mas, como agravante da dor, ele sabia.

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Vigília


Lustrei os móveis,
limpei a poeira das grades,
pus tapete com dizeres frente à porta.
Eu sei que um dia ele vem...
O café ainda esfria sobre a mesa
servido na porcelana que herdei da minha avó.
Fiz bolo de cenoura
e queimei um palo santo
para neutralizar as energias,
só pra que se sinta em paz.
O forro de mesa barato,
eu comprei numa liquidação,
junto da capa do liquidificador.
Meu amor
é o mesmo, ontem, hoje,
triste,
desesperançado,
mas em vigília
e não se cansa de esperar.

terça-feira, 1 de outubro de 2019

Compromisso

Hoje, depois de um dia difícil lidando com uma mente indócil; depois de horas arrastadas me lamentando por erros cometidos e oportunidades perdidas; hoje, depois de me debater com o desejo de permanecer na cama e o medo de sair e encarar a vida; depois de chorar sozinho desejoso de me aninhar nos braços que se mantêm cruzados para mim; hoje, depois de desejar fugir e vagar sem rumo; depois de meditar, orar, pedir a Deus pelo meu futuro; hoje, depois de ter o peito atravessado pela dor, testemunhei o pôr-do-sol pela minha janela, e, diante dele, fiz um compromisso com o Criador. A partir de hoje, sempre que me sentir cansado, sempre que a existência me pesar nos ombros, virei à janela do meu quarto e observarei o pôr-do-sol, grato ao Universo pela dádiva de presenciar, diariamente, tamanha beleza. Hoje, depois de me revoltar contra mim e o mundo, assumi diante da vida o compromisso de me fazer absurdamente feliz.