segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Paradoxo de amor


O amor que me fez ir é o mesmo que me faz voltar.
Me toma pela mão e com os mesmos dedos
com os quais fez som em sua guitarra
me mostra a direção a seguir.
Encantado,
me guio pelo som de uma seresta.
Não há lágrimas,
mas sei que alguém está morrendo
para que eu me possa parir.
Perdido em meio ao caos
busco guarida em corpos estranhos,
chupo paus de desconhecidos,
bebo de copos largados ao acaso
como que desejoso de um boa-noite-cinderela.
Não quero nada
e quero tudo.
Quero retornar ao meu amor
que ficou me acenando do farol.
Quero retornar ã segurança da ilusão
que vivi em seus braços sem que ele nunca soubesse.
Quero a vida inventada e tão conhecida
de tão imaginada em meus gemidos mudos.
Só ele me pode curar os calos dos pés e das mãos.
Só ele sabe sarar as dores com o
poder curativo do seu toque.
Retrocedo, mas sei que não posso.
É esse o caminho para, de mendigo,
eu me tornar um rei.
O meu amor me ensina,
– sem nunca pretender-se professor –,
que, para encontrar saída,
eu preciso abrir mão do meu amor.

sábado, 16 de novembro de 2019

A vilania da depressão

Contar os dias para o feriado e, quando esse finalmente chega, não conseguir ficar em paz devido a renitente voz na sua mente.

Planejar todo um fim de semana e não conseguir cumprir nem mesmo 10% do planejado.

Ver imensa complexidade em tarefas simples, como abrir a correspondência, tomar banho ou lavar um copo.

Dormir em excesso como forma de fugir da realidade e do burburinho dentro da própria cabeça.

Julgar-se indigno.

Ver a casa imunda e as roupas pra passar e sentir que não dispõe das forças necessárias para fazer algo a respeito.

Ter um humor que oscila em questão de horas, por várias vezes ao dia.

Sentir-se forte e entusiasmado, mas com a certeza (ou medo) de que todo esse vigor se esvaia em pouco tempo.

Não ter perspectivas para o futuro.

Fazer bobagens na tentativa de se sentir melhor e conseguir apenas agravar ainda mais o próprio estado com a bobagem feita.

Tudo isso é a depressão.

Ou ao menos como ela se manifesta na minha experiência.

Diante dessas palavras, alguém poderia se perguntar: “Já há tantos anos passando por esses altos e baixos, o que mais esse estúpido acha que pode dizer sobre depressão que nos traga algum tipo de contribuição?” E eu responderia que a minha maior contribuição está não no que eu possa dizer, mas, sim, no fato de – apesar de uma depressão que já data de anos e parece me consumir a cada dia – eu permanecer vivo.

Sim. É difícil, doloroso, desafiador... Mas, a despeito da dor de agora, eu ainda tenho fé e esperança de que chegará o dia em que terei conseguido atravessar isso.

E você também vai.

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Sombras


Você não sabe,
mas às vezes a minha casa assume uma atmosfera soturna
e eu sou assombrado por fantasmas que me perseguem
e me ameaçam com o fim que levaram outros como eu.
Os mais sádicos, porém,
apenas me mostram o espelho
no qual eu vejo refletido o menino da minha infância
a encolher-se diante dos risos da classe.
Você não sabe,
mas me firo diariamente com os espinhos
das rosas das quais ousei desejar a fragrância..
Apenas pare
e ouça os gritos abafados de quem não tem como fugir.
Tomado pelo medo,
corro desesperado pelas ruas,
bebo veneno,
desmaio na sarjeta e me embebedo
de prazeres marginais.
E se às vezes lhe destino palavras confusas
é porque, querendo morrer,
eu preciso sobreviver a mais uma noite.
Quem sou eu em plena madrugada?
Quem é você que já não sei se existe?
É possível que haja se apercebido do desvalor
da vida que eu lhe quis oferecer.
Era pouco,
mas era tudo o que eu tinha.
Será que não entende que eu temo
que o vento espatife as vidraças?
Será que não sabe que eu passo noites em vigília
de modo a impedir que eles entrem aqui.
Não...
Você não sabe
porque se negou a reconhecer o humano em mim.

domingo, 10 de novembro de 2019

O florescer masculino

“É pra hoje, Alex!” Ele vociferava, enquanto eu esperava me sentir realmente preparado para o próximo mergulho. “Errou, tenta de novo uai”. Disse ele quando eu reclamei ser muito difícil me colocar de pé sem me apoiar na raia. “Engoliu, só reza e continua.” Foi ele quando eu, dramático, engoli um pouco d’água.

Percebendo as consequências do sedentarismo a cinco primaveras para os quarenta, vi na natação uma boa alternativa, e lá fui eu, sendo conduzido por um instrutor para o qual, aparentemente, eu perdi o caráter de “iniciante” já na terceira aula.

O curioso, porém, é que são as atitudes dele e de caras como ele que me têm ensinado a gostar de homem. Mas não me refiro ao gostar no sentido afetivo ou sexual da coisa, até porque, convenhamos, essa tendência já faz parte de mim desde moleque, e não é lá uma grande novidade pra ninguém. O gostar ao qual me refiro aqui tem outras nuances, significados mais profundos que eu venho aprendendo após muito resistir ao masculino em mim e no outro.

Na minha experiência pessoal, são os homens os que mais me desafiam, exigindo de mim firmeza, objetividade e me fazendo tomar novo fôlego – literalmente, no caso da natação – quando me parece não ser mais possível.

Desde a mais tenra idade, sempre me cerquei de mulheres, todas elas se havendo dedicado magistralmente a me instruir na arte da sensibilidade, do altruísmo, da humanidade, da leveza, da consciência do próximo. Sim, tudo isso eu aprendi, sobretudo, com mulheres. O problema é que, excelentes professoras que elas são, me acomodei em seu amparo, refugiando-me em sua generosidade e acolhimento sempre infalíveis, sem necessariamente me dar conta disso.

É fato, no entanto, que determinados desafios com os quais a vida costuma nos surpreender me foram/vêm mostrando a necessidade de ancorar o masculino e o feminino em mim. O Yin e Yang. As duas facetas de um Deus que, na condição de mãe e de pai, ora é amparo e misericórdia, ora é Aquele que nos lança os duros desafios que nos colocam em movimento.

Esse processo contra as resistências, no entanto, é lento e gradual. Começou timidamente, com a coragem de encarar um psicólogo do sexo masculino, por exemplo. Avançou para o estreitamento de laços com amigos que, seguros de si, não veem em mim uma ameaça à própria sexualidade. Em seguida, maior aproximação com o meu pai, ainda longe do ideal – se é que existe um –, mas significativa se comparada a tempos de outrora.

Se das mulheres eu aprendi a sensibilidade, dos homens eu pretendo a objetividade e a firmeza. Mas não aquela firmeza característica de uma masculinidade tóxica que, felizmente, tem cada vez menos lugar no mundo. Refiro-me à firmeza que me permite aterrissar quando as asas da emoção me impulsionam a um voo interminável, livre e inconsequente.

Nos relacionamentos amorosos (ou tentativas de), eles têm se mostrado eficazes não na arte de me amar, mas na de me ensinarem a amar a mim mesmo antes de qualquer coisa, não raro me trazendo das nuvens para a terra firme, que é onde se  pode edificar algo de grandioso, duradouro e real.

Sim, eu gosto de homem. E continuo a gostar das mulheres. Agora, porém, sem negar nenhum dos dois. Vou oscilando entre esses dois polos, sendo extremamente organizado, mas desleixado com os serviços de casa; vestindo saia e mantendo a barba lenhador; não raro pensando com a cabeça de baixo, mas ainda escrevendo longas cartas de amor.

Este sou eu, aprendendo a ser livre, aprendendo a ser gay, aprendendo a ser homem. Aprendendo, a cada dia, a me descobrir e a expressar no mundo aquele que eu sou.