terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Tântrico

Pele alva. Barba espessa. Pelos castanho-escuros quando na sombra. Ligeiramente avermelhados contra o sol. Dava vontade de morar entre eles, sentir-lhes o cheiro, permanecer por ali... O pequeno portão se me abriu enquanto ele me aguardava na soleira, há quatro solitários e intermináveis anos.

Receoso de errar a pronúncia do sânscrito, optei por dispensar o Sannyas, chamando-o apenas pelo nome que compartilhávamos, metáfora que eu só viria a compreender mais tarde, conforme expresso em um dentre tantos e-mails sem resposta. A saudação tranquila e típica de um profissional sério foi entoada por uma voz serena e rouca pela nicotina. A barba, a voz, o cigarro... um conjunto que inspirava sensações impublicáveis e pelas quais fui atormentado nas noites que se seguiram. Trabalho intenso para mãos pouco habituadas ao serviço pesado. Era pra ser assim.

Tímido e incerto acerca de como agir, apertei-lhe a mão, apelando para uma formalidade tola e inadequada à nossa idade. Eram quatro anos de diferença, embora o confronto entre a jovialidade dele e a minha angústia característica desse a impressão de haver séculos de distância entre nós. Eu era um tiozão a invejar-lhe a energia e vitalidade que eu não tivera nem mesmo aos vinte. A vida tem disso às vezes... Cordial, ele me apontou o filtro, o toalete, o assento, educado como se espera de um profissional na zona sul. No caso dele, porém, a delicadeza passava ao largo do teatral.

E foram fatais aqueles minutos. Amei-o a partir de então. E soube, antes mesmo que ele pedisse licença para concluir os preparativos para a nossa sessão, mas não tinha como voltar. E de nada adiantaria ainda que tivesse, pois aquele amor se colocaria diante de mim aonde quer que eu fosse, pra me desafiar, me jogar contra a parede, me virar ao avesso, me mostrar para mim mesmo de uma forma que eu jamais quisera me ver.

“Pode chorar se quiser”, disse ele antes de me indicar o futon. E eu chorei, de fato, mas não durante a sessão. Chorei nas semanas que se seguiram. Chorei nos intervalos para o almoço. Chorei na cama que é lugar quente. Chorei, chorei e sigo a chorar, criança desamparada que sou, saudosa da ilusão que outrora me sustentara.

Não raro considero ir até lá, invadir-lhe o espaço e pedir que ele me devolva a mentira que eu era, dado não suportar a lida com a verdade que ora sei sobre mim. Mas não posso fazê-lo. Não porque ele tenha ido embora, mas, sim, porque ele nunca veio, e quem não veio não nos deve nada e nem tem que se despedir.

domingo, 10 de janeiro de 2021

Quando você entender...

Um dia você vai entender... Não agora, não no seu tempo, mas no tempo certo, no tempo Daquele que tudo sabe, depois de aprendidas todas as lições.

Um dia você vai entender, e quando entender, verá que não foi vítima ou injustiçado, e compreenderá que as privações foram livramento, que as frustrações foram uma bênção e que os dissabores foram, em geral, necessários ao enfrentamento dos desafios que se seguiriam.

Quando você entender, verá que a vida, como um personal trainer, lhe destina os treinos necessários, mas adequados ao seu estágio atual. E, assim, cada sobressalto lhe vai ajudando a criar musculatura e resistência, permitindo ao Grande Instrutor aumentar o peso dos halteres. Não para te sacanear, mas para te fazer mais forte; para te proporcionar a consciência do poder que você tem.

Um dia você vai entender. Não no tempo da sua ansiedade, mas depois que cessarem todas as perguntas, depois de atravessadas as etapas de uma natureza que nunca dá saltos. E, quando entender, verá a inutilidade das mágoas, a pequenez dos preconceitos, o vazio das posses e excessos.

Um dia você vai entender. Ah, se vai...! E quando entender, verá que a vida, pedagógica como é, lhe destinou as maiores bênçãos justamente quando você se percebeu em pleno desamparo. Pois o maior presente que um pai pode dar a um filho é tomar uma certa distância, observando enquanto ele caminha com as próprias pernas, entre tropeços e avanços.

Um dia você vai entender. Eu sei que vai. Não sei se na semana próxima ou dentro de algumas décadas. Pouco importa... Importa é que, enquanto o entendimento não chega, você tome a vida como um pai que, ciente da dor que lhe impinge em razão de sua imatura consciência, lhe aplica as mais duras lições por saber o que é melhor pra você.

Respira... Não tenha pressa. Apenas dá o máximo de si em cada momento, perdoando-se naqueles dias em que sair da cama é difícil demais.

Pois um dia você vai entender, e quando entender, verá que foi como tinha que ser, verá que o que houve foi o melhor que podia acontecer, e não desejará mudar uma só vírgula no enredo da sua trama.

Um dia você vai entender, e nesse dia, ao contemplar toda a maravilha que a vida lhe reservava, será grato, pleno e feliz como jamais ousou imaginar ser possível.