quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

"O grande sonho"

Há pouco mais de 25 anos, a EMABH - Escola Municipal Aurélio Buarque de Holanda, onde cursei da 5ª à 8ª série, lançava o jornalzinho anual do colégio. O ano era 1995, quando internet, para aqueles pré-adolescentes periféricos e com uma vida inteira pela frente, não passava de algo do qual se ouvia falar. Logo, não havia a possibilidade da criação de um informativo virtual com publicação mensal, algo tão comum hoje em dia.

O “Geração Estudantil” – nome escolhido dentre as dezenas de sugestões feitas pelos discentes – se pretendia instrumento de integração entre alunos, professores, direção e comunidade escolar, bem como um estímulo à revelação de talentos.

Se por um lado era um instrumento desdenhado por boa parte dos discentes, por outro havia os que reconheciam-lhe a importância, participando ativamente da edição do jornal. Ali havia entrevistas, piadas, charadas, informações sobre datas comemorativas, textos dos alunos, recadinhos e outras coisas que a gente podia deixar como sugestão na caixinha de metal verde que ficava presa à parede ao lado da sala dos professores.

Era o primeiro ano do jornal. Era também o meu primeiro ano naquela escola e naquele bairro. O ano em que fiz os meus primeiros amigos. O ano em que a gente teve o nosso primeiro telefone lá em casa! O ano em que experimentei os meus primeiros conflitos com relação à minha sexualidade ao ver o Arnold Schwarzenegger pelado nas cenas iniciais de “O exterminador do futuro 2”. Foi, portanto, um ano de grandes transformações...

Foi na 2ª edição do informativo, em 1996, que tive publicado o meu primeiro texto, inspirado em uma situação que de fato havia ocorrido à minha família poucos meses antes. E não precisa ser um expert para perceber que criatividade e habilidade textual não eram exatamente o meu forte (risos).

Talvez, porém, não fosse essa a opinião da Cida Fulanete, que foi a minha professora de português na 6ª e 7ª séries, sendo precedida pela Maria Tereza e sucedida pela Marília. Foi por sugestão da Aparecida, se bem me lembro, que, pela primeira vez, li um livro na íntegra. Era “Ana e Pedro – Cartas”, de Vivina de Assis Viana e Ronald Claver.

Minha Nossa... como é louco perceber o quanto ainda trago daquele Alex de 11/12 anos de idade. Não em termos comportamentais, mas de personalidade. E, embora seja inevitável me deparar com uma dorzinha aqui e ali ao rememorar a trajetória dos meus últimos 25 anos, é gratificante perceber que, se o Alex de agora segue sendo um tolo sonhador, ao menos ele cultiva hoje sonhos um pouquinho mais elevados do que uma premiação na loteria... o que também não seria mal...

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Uma quase mulher

Ela era uma bicha alta, imponente. As pernas eram bem torneadas, próprias de um bailarino com carreira na Europa e Estados Unidos. A pela era de um negro reluzente, como bem disse, certa vez, a igualmente saudosa (e desbocada) Dercy Gonçalves. Dadas as limitações de uma sociedade que celebra as debilidades e desdenha os êxitos, muito se conheceu de suas polêmicas, mas pouco de sua humanidade e cultura irretocável.

A primeira lembrança que eu tenho do Jorge Lafond (1952 – 2003) é de uma participação sua no programa do Gugu Liberato – mais um que nos deixou recentemente –, onde uma jovem realizava o sonho de desenhar, com batom, um coração em sua cabeça lustrosa.

Foi na Vera Verão, personagem mais famosa desse grande artista, que eu tive, desde a infância, uma referência de homossexual. Eram outros tempos... Tempos em que homossexuais, se apareciam na tevê, era apenas para fazer rir por via do estereótipo do gay espalhafatoso e sexualizado.

Isso, porém, em nada o desabonava. Eu, em algum nível já ciente da minha homossexualidade, gostava daquela liberdade de ser, ainda que não refletisse – como ainda não reflete – a realidade. Gostava de quando a Vera Verão adentrava o cenário da praça, causando alvoroço e chamando a atenção de todos. Gostava das vezes em que, no final do esquete, ela ficava com o bofe da inimiga, só mais tarde vindo a entender que aquilo me proporcionava uma espécie de catarse.

Veja bem: se a Vera Verão – um gay negro e cheio de trejeitos – acabava conquistando um homem comum ou sendo escolhida como a musa do clipe do Paulo Ricardo, decerto que eu, um gay fora do padrão (porque o meio gay também tem os seus preconceitos), teria também a minha chance. Desse modo, a vitória da Vera Verão, mesmo que uma vitória boba (pois, convenhamos, conquistar um boy magia não é lá uma grande realização na vida), também era, de alguma forma, a vitória daquela criança tímida lá da periferia, que, com os seus medos e óculos enormes, já se entendia como homossexual.

Pois é... eu sou do tempo em que havia a Vera Verão, que – muito antes de qualquer Pitty Bicha ou Valéria Vasquez (personagens de Tom Cavalcante e Rodrigo Sant’Anna, respectivamente) – já causava estardalhaço e, mesmo que de maneira estereotipada, já ocupava o seu espaço e exercia o seu direito de ser no mundo e em um país racista e homofóbico.

A Vera Verão – que, junto de tantos outros artistas que já partiram, habita a memória desta bicha quase quadragenária que vos escreve – eu envolveria num abraço e diria, se tivesse uma única oportunidade:

Muito obrigado, Lafond.

Texto que transbordou de mim numa manhã de quarta.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Quando chego aos 37...

Há algum tempo, a polêmica (e adorável) Antonia Fontenelle – naquele velho bate-bola comum ao encerramento das entrevistas – pediu ao igualmente polêmico (e divertidíssimo) Danilo Gentili que lhe contasse um medo.

Depois de refletir um pouco, chegando mesmo à quase conclusão de não ter nenhum medo, o comediante disse algo que muito me impactou.

“Eu tenho medo de uma coisa: tenho medo de ficar muito distante do que Deus quer que eu seja.”

Esta resposta me deixou um bocado pensativo, vez que encerra o que devia ser o único anseio do ser humano: cumprir com o propósito divino de sua alma.

Chegado aos 37 anos, eu olho para trás e vejo que já desejei muitas coisas, seja em termos materiais, afetivos, profissionais e afins. E, havendo tido a graça de conquistar alguns desses objetivos e falhado no alcance de muitos deles (o que, a propósito, também costuma ser uma graça...), desejo no dia de hoje o que gostaria de haver aprendido a desejar lá atrás, mais jovem, quando são gritantes os anseios do ego.

Estar cada vez mais próximo dos planos de Deus para mim.

O curioso é que, se há alguns anos desejar algo assim me parecesse falta de ambição ou até fanatismo religioso ou coisa que o valha, hoje entendo-o como o que de mais nobre e genuíno um homem pode querer para si.

Isso me faz lembrar de uma frase bíblica muito cantada nos meus tempos de católico: “Buscai primeiro o Reino de Deus e a Sua justiça, e tudo mais vos será acrescentado”.

E eu acredito sinceramente que, a despeito de crença, isso tem a ver com termos como meta, como objetivo primeiro, nos tornarmos mais humanos, o que talvez seja o que de melhor podemos fazer por nós e por aqueles que nos cercam: sermos verdadeiramente humanos.

Resta-me, portanto, agradecer ao Criador pela oportunidade a mim concedida até aqui, pedindo a Ele, aos meus mestres amados e benfeitores espirituais sabedoria e inspiração para fazer o melhor dos anos que vêm pela frente.

Gratidão imensa...

sábado, 6 de fevereiro de 2021

Clô para os íntimos

Uma vez, concedendo uma entrevista para a maravilhosa Bruna Lombardi, o saudoso Clodovil narrou uma situação em que foi ridicularizado em razão de sua sexualidade. Ele conta que – no calor do momento e como qualquer pessoa mediana – chegou a traçar vários planos de vingança, chegando mesmo a pensar que só se sentiria bem ao ver desempregado o sujeito que o humilhara.

E foi então que Clodovil, ao contar para a Bruna o diálogo que, de repente, se viu fazendo consigo mesmo na ocasião, disse uma das coisas mais bonitas que já escutei:

“Clodovil, isso está acontecendo para que você entenda que a vida não é tão linda quanto você está pensando. Essas coisas são para que você aprenda a se desapegar daqui. Esse moço está apenas cumprindo o papel de te mostrar que você precisa ir embora daqui. Se todo mundo fosse maravilhoso, aqui seria o Céu! Ele não fez nada de mal para você. É você que está preocupado em fazer mal para ele agora.”

Meu Deus... Isso é mais profundo do que aquele velho clichê de “não criar expectativas para não se frustrar” ou mesmo do que aquela sábia filosofia de que a ação do outro nos revela o que devemos curar em nós. Trata-se de algo mais bonito do que tudo isso.

O nosso sofrimento diante das adversidades típicas desta existência revela uma promessa de Deus para nós; revela que não pertencemos a este mundo, e que uma existência mais luminosa nos espera, livre do sofrimento que nos desagrada por mais resilientes que sejamos.

O meu desejo para hoje é que possamos tirar das frustrações a mesma lição que esse artista incomparável tirou de uma situação dolorida: aqueles que nos decepcionam são os nossos “professores do não ser”, e passam por nós como forma de nos oferecer uma escolha: a de darmos vazão aos apelos do nosso ego, cedendo à mágoa e desejo de vingança, ou a de tomarmos a nossa frustração como uma degrau rumo à nossa melhor versão.

Só uma dessas escolhas nos conduz ao mundo que está reservado para nós. Aquele mundo ao qual de fato pertencemos...