quarta-feira, 16 de junho de 2021

Talvez eu tenha raiva de mim mesmo...

Talvez eu tenha raiva de mim mesmo...

Talvez eu sinta raiva por haver me desculpado quando eu não tinha culpa, por haver tentado me explicar quando o outro simplesmente não se importava ou por haver me humilhado, dando, assim, razão ao agressor.

Talvez eu tenha raiva de mim mesmo por haver passado o maior pano para quem não se fez digno de tanto; por haver tratado como livro de cabeceira gente que, quando muito, me tinha como folheto descartável; por haver expressado profunda gratidão a quem, com ar de generosidade, fez o mínimo quando podia fazer tanto.

Talvez eu tenha raiva de mim mesmo por me haver regozijado com migalhas; por havê-las tomado como banquete quando não estava em condições de discernir altruísmo de esmola ou falsa empatia.

Talvez eu tenha raiva de mim mesmo por haver sido diplomático e não-violento quando devia ter tocado o foda-se; por haver ofertado a outra face quando o outro acreditava que “o mundo é dos espertos”; por haver me preocupado em ser bom quando o outro, ao desferir contra mim golpes em forma de palavras, se mostrava indigno de meu respeito e cordialidade.

Talvez eu tenha raiva de mim mesmo por haver insistido na escuta negada; por haver me preocupado em acertar as coisas com quem há muito se afastara emocionalmente; por haver pagado pelo que eu tanto almejava que me fosse humanamente concedido.

Talvez eu tenha raiva de mim mesmo por não haver sabido ou tido a coragem para dizer o que eu de fato desejava; por haver permitido ou mesmo colaborado para que regateassem o meu valor como ser humano; por haver aceitado uma entrega parcimoniosa e condicionada quando sabia que só uma entrega total, espontânea e desinteressada me traria verdadeiro alento.

Talvez eu tenha raiva de mim mesmo por haver mendigado atenção quando sabia que o preço era alto; por haver me contentado com a humanidade distorcida como quem aceita a bebida que, em lugar de matar a sede, desidrata.

Talvez eu tenha raiva de mim mesmo por também ter culpa; por haver me metido em determinadas situações ou, pior, por não haver saído delas quando era tempo, quando tudo apontava para um fim trágico.

Talvez eu tenha raiva de mim mesmo por haver buscado respostas onde só encontrei mais perguntas; por haver me afastado de mim para buscar no outro a cura para os meus males.

Talvez eu tenha raiva por haver me colocado em contextos aos quais eu não pertencia, por haver erguido castelos sobre alicerces de areia, por haver me colocado nas mãos de gente que tão pouco pode fazer por si mesma.

Talvez eu tenha raiva de mim mesmo por me haver guiado por expectativas alheias, por não haver corrido o risco de quebrar a cara em busca da concretização dos meus sonhos, por haver dito sim ou dito não quando queria dizer o contrário.

Talvez eu tenha raiva de mim mesmo por não haver chegado “lá” aos 30; por não haver atendido, aos 33, aos quesitos necessários para ser digno do amor deste ou daquele; por não haver conquistado, aos 37, aquelas coisas que não me interessam, mas que caracterizam o estereótipo do vencedor; por ser medíocre ou, pior, por julgar medíocre aquilo que eu genuinamente sou...

Talvez eu tenha raiva de mim mesmo por haver perdido tempo em demasiado, por haver perdido vida...

É verdade... Talvez eu tenha raiva de mim mesmo, e, se assim é, essa raiva evidencia a necessidade de perdoar aos demais, mas aponta, antes de mais nada, para a urgência de perdoar a mim mesmo, de fazer as pazes com esse outro que me habita e me faz companhia...

Que você possa se curar de si; saber-se vítima, mas saber-se algoz; perdoar-se e perdoar a todos; olvidar o passado e seguir em frente.

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