quinta-feira, 12 de maio de 2022

Sobre se jogar na vida



No último sábado, aventurando-me em mais uma trilha guiada, fui presenteado com as belas paisagens no trajeto entre a Serra da Moeda e Marinho da Serra – que fazia parte do percurso feito pelo ouro de Minas Gerais com destino aos portos do Rio de Janeiro. Todavia, se por um lado fui privilegiado pelas belezas do caminho – a envolvente neblina do início, o Pico do Itabirito, os pequenos vilarejos, a charmosa cachoeira etc. – por outro, tive a contemplação prejudicada pelas minhas próprias limitações.

Eis que na segunda metade da caminhada, quando já percorridos cerca de 4km, a minha limitação visual, unida à falta de equilíbrio e ao cansaço físico, se apresentou como um obstáculo real à atividade. Caí pela primeira vez, sem imaginar que as dificuldades ainda por vir me levariam a cair pela segunda, terceira etc.

O constrangimento era um fato, sobretudo quando, observando as minhas dificuldades, participantes com os quais eu ainda não caminhara me perguntaram se aquela era a minha primeira vez naquele tipo de atividade. Todavia, se havia o constrangimento, havia também a solidariedade e a gentileza típicas de quem costuma participar dessas atividades, sempre a me amortecerem as quedas (pois a caminhada é individual, mas nunca solitária...).

Se nas experiências anteriores eu chegara ao fim da caminhada feliz e orgulhoso pelas dificuldades transpostas, o prazer não se fazia presente desta vez, quando – assentado no restaurante da simpática Pousada Estalagem Moeda Real – eu me percebia certo de não mais querer passar por experiências como aquela.

Não obstante, havia também algumas certezas e aprendizados que nem mesmo o meu cansaço, vergonha e joelho ralado podiam abafar, quase como uma vitória subjacente a um aparente fracasso. A saber: a cada queda, eu me levantara imediatamente (ou quase); não me faltara ajuda em nenhuma das dificuldades (e aqui destaco o nosso guia Marcelo, pessoa de um raro senso de humanidade, e o Eurico, participante que, sem querer, mas com imensa boa-vontade, acabou por se tornar meu guia em alguns momentos).

E, acima de tudo, a conclusão que me veio – à custa de muito esforço, mas como que um profundo suspiro de liberdade – foi a de que não se trata de vencer ou fracassar, de se sair bem ou mal, mas, sim, de viver as experiências. É na experiência que a gente se percebe, detectando as nossas forças e fraquezas e, por conseguinte, realizando ajustes, decidindo-se quanto ao que evitar ou repetir.

Mais do que malogros e êxitos, a experiência nos proporciona o autoconhecimento, acompanhado daquela doce sensação de que, a despeito dos resultados, nós encaramos mais um desafio. Perceber-se, porém, só vem de uma disposição e abertura para a vida, com as dádivas e reveses que lhes são próprios.

Eu desejo que você se jogue na vida, e que, em cada mergulho, conheça um pouco mais deste que será o único a acompanha-lo até o final dessa longa e imprevisível caminhada: você mesmo.


quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Pânico (Scream, 2022)


Foi num remoto ano de 1997, quando as vídeolocadoras nem sequer sonhavam com a sua extinção, que tive o privilégio de assistir, por meio de uma fita VHS, àquele que inaugurou uma nova fase no gênero terror. Cinema era um luxo para a minha realidade de então, de modo que eu só vim a adentrar uma sala pela primeira vez no ano seguinte, quando Titanic (Titanic, 1997) convenceu a minha mãe a, numa tarde aleatória, surpreender a mim e à minha irmã com um “meninos, vamos ao cinema?”.

Não haver conhecido o ghostface no cinema, porém, em nada prejudicou a minha experiência com Pânico (Scream, 1996), que, alguns meses antes, virara até matéria de alguns telejornais. Era noite. Estávamos eu e minha mãe – grande companheira para filmes de terror e afins – nos primeiros minutos daquele filme tão esperado quando acabou a energia elétrica, frustrando a nossa experiência. Em instantes, porém, a luz retornou, nos permitindo acompanhar as desventuras de Sidney Prescott (Neve Campbell) e companhia.

Neste ponto é possível que você, leitor, esteja a se questionar: “Mas por que diabos esse cara não para de divagar e parte logo para a discussão do novo filme, que é o que de fato importa?” E eu respondo justificando o meu relato intimista pela palavra que mais me vem à mente quando penso em Pânico (Scream, 2022), informalmente chamado de Pânico 5: nostalgia.

Sim, pois, para cinéfilos da minha geração, que tiveram a grata oportunidade de assistir ao nascimento dessa franquia em uma conturbada adolescência, falar desse novo filme é falar de nostalgia, homenagem, recordações. É, enfim, uma experiência certamente distinta daquela vivida pelos que ora são apresentados à franquia.

O retorno de alguns personagens – além dos óbvios Sidney, Dewey (David Arquette) e Gale (Courteney Cox) – é um entre os muitos elementos da homenagem que se pretende Pânico 5. Judy Hicks (Marley Eve Shelton), sobrevivente de Pânico 4 (Scream 4, 2011) e desafeto de Gale naquela ocasião, retorna aqui como xerife de Woodsboro e mãe de Wes (Dylan Minnette), cujo nome, por sua vez, homenageia o saudoso Wes Craven (1939 – 2015), criador da franquia.

Martha Meeks (Heather Matarazzo), que tem breve aparição em Pânico 3 (Scream 3, 2000) como irmã de Randy (Jamie Kennedy) – sobrevivente do primeiro filme que não durou muito no segundo – é aqui mãe dos gêmeos Mindy (Jasmin Savoy Brown) e Chad (Mason Gooding). A propósito, são fantásticas as conexões que o filme estabelece entre Mindy e o falecido tio Randy... Uma curiosidade: o pôster de divulgação de O Albergue 2 (Hostel: Part II, 2007) é estampado por Heather Matarazzo, cuja personagem, muito embora apenas coadjuvante no longa, é a que tem a morte mais assustadora...

Outro que reaparece, proporcionando-nos uma grata surpresa, é Billy (Skeet Ulrich), assassino do primeiro filme e o único que realmente merece o título de galã em toda essa franquia. Se tivemos a mãe do rapaz em Pânico 2 (Scream 2, 1997), agora temos a sua própria filha Samantha (Melissa Barrera), que ora divide com Sidney o papel de mocinha.

E, naturalmente, não podemos cometer o absurdo de esquecer Roger L. Jackson, ator de voz que interpreta o Ghostface em todos os filmes da franquia. Quem assiste a Pânico 5 no idioma original tem a oportunidade de escutá-lo.

E por falar nisso, atentemo-nos para o cuidado presente até mesmo na dublagem brasileira, que nos trouxe Marisa Leal dublando Sidney, Marco Antônio Costa dublando Dewey, Andrea Murucci dublando Gale e Tatá Guarnieri dublando o ghostface, tal como em Pânico 4. Temos também Wendel Bezerra novamente dublando o Billy, vinte e cinco anos após o primeiro filme...

São muitas as semelhanças e discrepâncias com os demais filmes da franquia. Em se tratando de diferenças, me chamou a atenção o fato de Pânico 5 ter maior apelo emocional (seria exagerado dizer “dramático”), trazendo um bom número de jovens destinados a morrer – como em todo bom e velho filme de terror –, mas nos levando a nos importarmos com eles. Aqui, os personagens parecem menos aleatórios, o que nos leva, por exemplo, a sofrer pela morte de Judy e do filho Wes, bem como a torcer pela Mindy etc. Penso que um conjunto de coisas contribui para tanto: o valor afetivo da franquia, a boa construção dos personagens e, claro, os requintes de crueldade presentes em cada morte, devidamente compensados ao final. Pois, sim, o filme soube nos proporcionar uma catarse (melhor assim...).

Importante lembrar que – tanto por ser esse um filme em que tudo é possível como pelo absurdo da inabalável sorte dos três grandes protagonistas da franquia – um deles precisa morrer aqui, o que foi bastante ousado. Dewey, lembrando-se tardiamente da valiosa dica dada pela Sidney ao final do terceiro filme (“Atire na cabeça!”), acaba por se colocar nas mãos do assassino, proporcionando a qualquer fã da franquia uma cena deveras dolorida. Não surpreenderia, porém, se o personagem retornasse numa provável continuação, revelando-se sobrevivente ao massacre de Pânico 5.

A propósito, a chamada “suspensão da descrença” configura-se como algo deveras necessário em todos os filmes da franquia e neste de modo especial. Afinal, temos o personagem que “vai dessa pra uma melhor” com uma única punhalada do ghostface, enquanto outros, depois de uma série delas, se recupera em questão de minutos; temos uma adolescente/jovem (Mikey Madison) nocauteando um homem adulto e ex-xerife; temos uma policie pra lá de ineficiente e um hospital ermo e sem nenhum tipo de segurança. Enfim, todos os absurdos favoráveis ao roteiro, o que torna totalmente viável o retorno do personagem tão querido que é Dewey.

Vale dizer, aliás, que ele, assim como Sidney e Gale, parecem não haver sido tão explorados aqui, o que nem de longe significa que não hajam recebido a devida importância. Ocorre que, além de ser esse um filme ágil, há nele a intenção de apresentar uma nova protagonista. Diante disso, os realizadores parecem haver feito um bom trabalho ao se dedicar aos veteranos sem diminuir as irmãs Samantha e Tara (Jenna Ortega), em torno das quais gira toda a trama.

Do trio sobrevivente sabemos pouco, mas o suficiente: Sidney, tal como no terceiro filme, reside em outra cidade, agora com filhos (tomara que frutos de um relacionamento com o detetive interpretado pelo Patrick Dempsey em Pânico 3...), retornando para Woodsboro em razão da morte de Dewey. Ele, por sua vez, é um xerife aposentado vivendo em um trailer. Ele e Gale (assim como os seus intérpretes na vida real) não estão mais juntos, o que tem como causa a carreira de Gale. A química entre os atores, porém, permanece quase palpável.

Enfim, Pânico 5 se sai bem em todos os seus objetivos: prestar uma homenagem aos fãs e ao criador da franquia, ressuscitá-la e contar uma boa história. Parece-me, porém, haver sido dedicada demasiada atenção à metalinguagem e às conexões com os filmes anteriores e pouca atenção ao desfecho, que nos revela assassinos irrelevantes com motivações nada criativas. Todavia, considerando que a própria Sidney caçoa de tais motivações, penso que isso talvez seja intencional, vez que nesse longa importa muito mais o durante do que a revelação final. Ademais, trata-se de um roteiro que, ao abraçar com força a metalinguagem, brinca com o telespectador por meio da subversão, surpreendendo com o diferente quando se espera o óbvio e oferecendo o óbvio quando se espera a novidade. Um bom exemplo disso é a insinuação de uma morte a la Psicose (Psycho, 1960) que não acontece.

Outro ponto é que, embora há quem diga ser possível uma boa experiência com Pânico 5 sem conhecimento dos demais filmes da franquia, considero isso um tanto improvável. E digo-o porque, por mais que o próprio filme ofereça uma contextualização, penso se tratar de muita informação para um telespectador não iniciado na franquia. O primeiro filme me parece essencial. Há ainda as muitas referências a Stab – filme de terror existente no universo de Pânico, estabelecido a partir do segundo filme da série – que tende a dificultar a experiência.

Enfim, Pânico 5 – ao menos a meu ver – não decepciona os fãs da franquia, a despeito das falhas comuns a qualquer obra (sobretudo aquelas com forte apelo comercial). Embora o filme possa soar como despedida, o bom senso nos leva a considerar Pânico 5 como um novo fôlego para a franquia, que, a depender do resultado nas bilheterias, obviamente ganhará uma continuação (a não ser, claro, que optemos pela ingenuidade de acreditar que os produtores valorizam a arte acima dos lucros).

Resta-nos, então, aguardar o desenrolar dessa história, por ora detendo-nos ao sentimento de gratidão ao estranho ruído e à janela assustadoramente aberta que, há vinte e cinco anos, amedrontou Kevin Williamson, inspirando-lhe o roteiro do longa de 1996. No mais, espero que isto não aconteça, mas, se porventura a vida imitar a arte e estranhos acontecimentos lhe perturbem numa calada e solitária noite, atente-se a estas dicas: não atenda ao telefone, não abra a porta, não tente se esconder, não entre em... pânico.