sexta-feira, 22 de abril de 2011


Esta terra, os astros. o sertão em paz.
esta flor e o pássaro feliz que vês,
não sentirão, não poderão jamais viver
esta vida singular que Deus nos dá.

Foi na terça-feira, 12 de abril do ano corrente. Eu caminhava rumo a minha casa, fazendo aquele costumeiro trajeto, o qual não faço apenas nas raras ocasiões em que me animo a esperar na estação o ônibus que circula pelo meu bairro. Assim, passando ao lado daquela igreja na qual outrora realizei tanta coisa boa e bonita, senti-me, de repente, convidado por aquele hino de paz que os meus ouvidos captaram como a ressonância de um tempo remoto, porém saudoso, bonito, durante o qual existia em mim ainda a ingênua credulidade no ser humano e no ideal de plena felicidade. A despeito da referida chamada, segui o meu caminho ainda por alguns segundos, com passos hesitantes rumo à rua que, se tomada, anularia qualquer possibilidade de eu retornar à igreja, cedendo ao convite que me era feito.

Parei. Retornei, entrei na igreja e, na entrada, fui recebido por duas pessoas, que me saudaram com a “paz de Cristo”, o que me levou a me sentir feliz e acolhido, dado que, a despeito da fé fragmentada que me habita em tempos atuais, sei que quando se deseja a “paz de Cristo” no contexto da igreja católica, está se desejando alguma coisa muito boa e bonita. Em paz, entrei então na reunião da renovação carismática, observando que, para uma terça-feira à noite, continuava atraindo um número para lá de significativo de pessoas. Então, de mochila nas costas e receoso de chamar a atenção, fiquei ali, no fundo da igreja, cantando a música cuja letra eu ainda sabia, escorregando, porém, na coreografia. Eu participara significativamente de eventos e grupos daquela igreja durante alguns anos, havendo sido brusco o meu afastamento, e seria no mínimo constrangedor para mim que conhecidos daquela época me vissem e considerassem ser um possível retorno a minha presença ali. Me encabulava interpretar o papel do filho pródigo, e eu não havia voltado... Tanto que, quando informado por uma senhora da existência de assentos disponíveis, apenas agradeci. Eu não pretendia acomodar-me em um dos assentos. Tampouco pretendia permanecer ali por muito tempo, tanto que não permaneci.

Mas foi bom estar naquela que fora a minha segunda casa durante tanto tempo e rever tantas das pessoas queridas de uma época.

Folheando as páginas que até então se escreveram sobre a história da minha religiosidade, percebo haver oscilado entre a intensa participação cristã, que beirou o fanatismo religioso, e o profundo afastamento, que beira o ateísmo. Nunca, porém, cheguei a algum dos extremos, e, vale observar, não é com lástima nem com prazer que o digo, tais são as tantas dores e sabores experienciados de ambos os lados. A minha trajetória como cristão – iniciada aos catorze anos e impulsionada pelo meu amigo Ricardo – é perpassada por um belo aprendizado sobre humanidade, solidariedade, amor e otimismo que eu quero levar pela vida toda. Então, como julgar mal aquele tempo? Como pensá-lo como “tempo perdido” se a fé tanto me preencheu e tanto bem me fez? Sim, com tudo o que tinha de ruim, com tudo o que tinha de medo, com tudo o que tinha de fuga da homossexualidade, com tudo o que tinha de tentativa de escapar da vida medíocre que eu julgava levar, tudo aquilo era bom. Os encontros do MOJUAC – Movimento dos Jovens Unidos a Cristo – nas tardes de sábado, os encontros da RCC – Renovação Carismática Católica – nas noites de terça, as conversas com Ricardo, os meus planos de tornar-me irmão missionário e ser encaminhado para realizar missões no Equador, como aconteceu com a Margarida (Margarida, cadê você?), e, principalmente, a constante sensação de paz e de correspondência amorosa vindos de um Deus que era todo amor e misericórdia. E, para alimentar a alma, eu lia o texto sugerido pelo Ricardo. “Mesmo que os montes se retirem e as colinas vacilem, meu amor nunca vai se afastar de você (...)” (Isaías 54,10). E traço um breve paralelo entre aqueles tempos e os atuais, nos quais tantas buscas vãs pelo amor me levam a dar de cara com a desumanidade e indiferença dos “éles” e “éfes” da vida, que eram possibilidades nulas naquela relação com Deus.

E me lembro dos pontos engraçados: Rosilda me dizendo que a minha coreografia da música “Heis que faço novas todas as coisas” mais parecia uma tentativa de apanhar mosquito; eu tentando “converter” os meus familiares; eu impressionado com a beleza do Pe. Marcelo Rossi, que tornou-se ícone do catolicismo nos finais dos anos 90; a minha carteira com dezenas de orações que eu acreditava me protegerem etc. Só recentemente, Ricardo, Bruna – que era protestante/evangélica naquela época – e eu nos vimos numa crise de risos incontrolável na mesa de uma pizzaria, lembrando o grande desafio de Ricardo, que, sem saber como salvar a si próprio do inferno, se compadecia com a minha situação, indo ambos desesperados para a igreja. E, por mais de uma vez, eu me confessei com o Pe. Álvaro, temido pela rigidez que lhe era característica, mas que, no contato pessoal, era afetuoso e amigo.

Bons tempos aqueles.

1999, porém, veio para pôr fim àquilo tudo. Foi o ano da minha mudança de bairro, e, entristecido, me vi obrigado a me afastar de tudo. E foi bom, mas eu só viria a saber isso mais tarde, quando, junto de minha irmã, me tornasse catequista na igreja cuja padroeira é Santa Luzia, a protetora dos olhos, o que por si só já era motivo para que Patrícia e eu amássemos tanto aquele ambiente. Desde pequenos tínhamos em nosso quarto um quadro com a imagem da santa. Durante alguns anos, Patrícia e eu, obrigados pela nossa mãe, íamos no dia 13 de dezembro às ruas do bairro no qual morávamos na infância a solicitar, com o quadro em punho, alguma quantia em dinheiro que, mais tarde, mamãe entregaria à igreja. Alguma promessa feita pela minha mãe, a mesma que, ainda hoje, costuma dizer que no período da Quaresma todos os demônios que permanecem presos durante o restante do ano são libertos dos seus grilhões, saindo pelo mundo a espalhar maldade. Bom, seria uma boa explicação para o ocorrido recentemente em uma escola de Realengo, no Rio de Janeiro. A verdade, porém, é que, aparentemente, meus pais, bem como muitos outros conhecidos meus, sempre viveram o catolicismo enquanto tradição familiar ou mesmo obrigação, nunca, no entanto, vivenciando a fé em sua essência como posso dizer que vivenciei.

Privilégio? Não sei. Tanto a Super quanto a Galileu já estamparam suas capas com matérias especiais sobre o tema, discorrendo sobre os incontestáveis benefícios da fé. Tudo o que sei, porém, é que essa vivência me permite conceber a fé não como a condição para a “felicidade”, mas como uma possibilidade. Não critico o ateísmo. Pelo contrário, admiro-o por julgá-lo corajoso, dado que o ateísmo, a meu ver, tem como base a certeza, a convicção da não existência de Deus e de nenhum deus. Parece-me ser tão difícil ter certeza de alguma coisa... Incomoda-me, no entanto, assistir a cenas de escárnio à fé dos outros. Penso que a igreja, enquanto instituição, é digna de severas críticas pelos preconceitos que ajuda a sucumbir, pela vista grossa que faz para certas questões etc. A fé, no entanto, por mais absurda que possa parecer a alguns, é, sim, digna do nosso respeito, principalmente por não raro ser ela tudo o que sustenta algumas pessoas. É tanta gente buscando saída em recursos obscuros. Me alegraria que a fé fosse o recurso apelado por todos. Assim, da mesma forma que o “não crer” é um tanto corajoso, crer também é maravilhoso. É como... sei lá... um mergulho no invisível, no inexplicável. É saltar do ponto mais alto e, incrivelmente, sustentar-se no ar sem o apoio de recursos como paraquedas e afins. Assim, seria equivocado julgar a fé como coisa de seres ignorantes, quando ela é, na verdade, privilégio de seres evoluídos.

Crer é sublime...

Confesso desconhecer os meus reais objetivos com esta postagem, autobiográfica em todas as suas linhas. Apenas queria dedicar uma postagem a este dia importante no qual se medita a paixão de Cristo, e me faz relativo bem relembrar, neste dia, os tempos idos da minha adolescência. Tanta coisa mudou... Ricardo e Bruna vêm frequentando reuniões sobre Espiritismo, tendendo ao Espiritismo Cardecista, conforme relatado ontem pelo Ricardo; Rosilda, Margarida e tantos outros daquela época desapareceram; Patrícia segue sendo católica, mas, creio, com conceitos distintos dos daquele tempo de catequista; e eu... Bom, eu opto por não rotular-me com adjetivos referentes a qualquer religião que seja. Procuro aprender aqui e ali, e não há religião melhor e mais edificante que o constante aprendizado. Há alguns anos tive boas lições de Espiritismo com o meu amigo virtual Gabriel Raphael, as mesmas que tive, ao lado de minha amiga Linda, com Tuco e Michele durante uma longa madrugada de janeiro. Com Rick Friano, outro amigo virtual – intelectual e budista – aprendi que minhas angústias, frustrações e traumas não me colocam em posição inferior e nem superior em relação a ninguém, mas em condições de igualdade em relação a todos. Com Renato e Romerito – católicos e amigos com atuação efetiva na minha vida – aprendo que os preconceitos do meio não me impedem de permanecer no mesmo sendo quem sou. Com o Pedro, ateu convicto e mestre extraclasse, aprendo a honestidade, a humanidade e a solidariedade como valores independentes de religião.

E assim, de todos os ensinamentos, eu – que não posso me enveredar por uma discussão mais complexa sobre Deus por não dispor do conhecimento necessário – sugeriria a consciência do outro e a luta diária pelo bem da humanidade, o que, pelo que sei, são ensinamentos que Jesus, Buda, Chico Xavier e a grande maioria dos líderes religiosos têm em comum. Sugeriria a postura reta e a gentileza dos que educam pela própria convivência. E sugeriria, enfim, que sejamos bons, para sermos felizes, e que sejamos felizes, para que a nossa vida valha a pena.

Em minh'alma cheia do amor de Deus,
palpitando a mesma vida divinal,
há um resplendor secreto do infinito Ser,
há um profundo germinar de eternidade.

Trecho de “Sim, eu quero”. In: Canta Povo de Deus. Belo Horizonte: Equipe Pastoral, 1993, canto 104, p. 38.