“Rafael não sabia naquela época e nem
agora que às vezes a distância chega e ela é, como Estrela da Manhã, um tipo de
demônio que vai se infiltrando na família devagarzinho, de forma bastante
silenciosa. A distância é um demônio que não tem cheiro nem volume, mas que
também esfria o ar ao redor dos que são possuídos por sua presença e, quando os
corações se dão conta, já estão duros ou doloridos demais para lutar. Refazer o
caminho é um ato de fé. Reencontrar entes queridos e amigos da infância a um
passo é um esforço que não deveria ter esse nome. Às vezes o demônio se vai, às
vezes, não. Mas o fato é que, bem ou mal, Rafael os tinha ali, ao final do dia,
quando chegavam de seus afazeres do mundo e, dentro de casa, queriam continuar
lá fora, com suas mentes plugadas no que tinham vivido e ouvido e pouco se
importavam com os que estavam no entorno, dentro das paredes físicas do lar.
Comida congelada girando no micro-ondas e as falas monótonas da novela das nove
grasnando na TV.” (p. 220-221)