sexta-feira, 14 de junho de 2013

Valente


Título original: The Brave One
Ano: 2007
Direção: Neil Jordan
Roteiro: Roderick Taylor (argumento e roteiro), Bruce A. Taylor (argumento e roteiro), Cynthia Mort (roteiro)
Gênero: Ação/Drama/Policial/Suspense
Origem: Austrália/Estados Unidos
Duração: 119 minutos
 

“Sou Erica Bain e, como vocês sabem, eu ando pela cidade. Eu me queixo, reclamo, mas eu ando, observo e escuto. Sou testemunha de toda beleza e feiura que está desaparecendo da nossa adorada cidade.” Erica Bain, personagem de Jodie Foster em The Brave One (2007).

Não se trata de uma leitura que eu tenha feito recentemente, mas bem me lembro que, no imortal romance de Jostein Gaarder – cujas vendas somam mais de 30 milhões de exemplares pelo mundo –, a jovem personagem Sofia Amundsen se exalta quando o seu misterioso tutor lhe questiona sobre a possibilidade de tirarmos do nosso caminho aqueles que, por ventura, nos façam mal (com perdão por eu apresentar a minha memória como única referência). Não é pra menos. Vivemos em uma sociedade na qual o famigerado “olho por olho, dente por dente” foge aos seus princípios éticos. Não obstante, a “vida real” consta de uma miríade de casos em que esse princípio ético é posto de lado, ocorrendo, dessarte, o prejuízo ou mesmo a morte àqueles que outrora hajam ou não atuado como algozes do seu então “vingador”. Valente – sofrível tradução de The Brave One (2007), de Neil Jordan – nos proporciona uma boa trama para a discussão deste tema.

Erica Bain (Jodie Foster) é locutora do programa “Street Walk”, na fictícia rádio WNKW. Ela leva uma vida comum, gostando do que faz e amando o enfermeiro David Kirmani (Naveen Andrews), com quem está prestes a se casar. Os planos e a vida comum de Erica, no entanto, sofrem um baque quando ela e o noivo são gratuita e brutalmente agredidos por três marginais, ocorrência que põe fim à vida de David e marca decisivamente a de Erica, que, o telespectador bem sabe, jamais será a mesma. O telespectador de Valente, aliás, sabe de muita coisa. Lendo a sinopse do filme antes de assisti-lo, ele já sabe, por exemplo, que ali não há nada realmente novo: uma mulher, tendo abaladas as suas estruturas, alimenta uma sede de vingança que, ao longo do filme, levará às últimas consequências.

Valente, no entanto, pode e deve ser qualificado como um bom filme, a despeito dos clichês e por inúmeras razões, sendo a principal delas o fato de Neil Jordan haver sido um mestre em contar uma velha estória dando-lhe ares de inédita, utilizando-se de elementos simples, porém significativos, como, por exemplo, a excelente trilha sonora da qual Dario Marianelli ficou incumbido. As cenas de suspense, de violência e de profundas reflexões de Erica acerca do ocorrido e daquilo em que está se tornando são embaladas por instrumentais que levam o telespectador às sensações provavelmente pretendidas por Jordan. As mencionadas reflexões de Erica, aliás, são um importante elemento: não temos aqui apenas um filme de violência – embora seja ela, naturalmente, o seu ponto forte –, mas, também, um filme sobre a profunda transformação de uma mulher, que, após um ataque brutal, não mais consegue adaptar-se à trivialidade; tampouco, e com razão, consegue ver o mundo – e, em especial, Nova Iorque – como um lugar seguro. Nesse âmbito, vale ressaltar que a mudança pela qual Erica passa não é assim tão brusca – o que, caso contrário, o seria em detrimento do senso de realidade da obra –, visto que, já no início do filme, nos é apresentada uma personagem de natureza reflexiva, introspectiva e censora; uma personagem inconformada com as estimáveis características que estão desaparecendo de sua “adorada cidade”. O que temos, portanto, é uma Erica acostumada a reagir à própria insatisfação – a princípio, com sua expressiva escrita; mais a diante, com a violência.

Destaque para a cena da abordagem dos bandidos, que exigem nervos de aço do telespectador que, até então guiado por uma estória leve, experimenta agora a desumanidade de três desconhecidos que, por diversão, agridem impetuosamente dois jovens de bem, cheios de vida, amor e planos. Naturalmente, levar o espectador ao asco com esse tipo de cena não é mérito de Jordan, visto que qualquer tabloide consegue isso, todos os dias, na vida fora das telas. Tal estratégia é, no entanto, pertinente ao objetivo do diretor, que é, naturalmente, justificar as atitudes posteriores da mocinha, levando o telespectador a manter-se do lado dela. Destaque também para as cenas que vemos na sequência, que são uma alternação entre as imagens dos cuidados ao corpo ferido de Erica no hospital e as cenas de David distribuindo carícias pelo mesmo corpo. Isso poeticamente embalado por “Answer”, de Sarah Mclachlan.

Outro momento que merece destaque é quando a heroína, disposta a tentar continuar a seguir com sua rotineira vida, faz, em seu programa de rádio, uma narração que se faz interessante por refletir, com fidelidade, o sentimento de inúmeras vítimas e familiares de vítimas da violência nas grandes cidades, e isso é mais um ponto que “avisa” ao telespectador que, ao assistir a Valente, ele não está, definitivamente, diante de nada surreal, mas palpável, bem próximo de si.

“Nova York, a cidade grande mais segura do mundo. Mas é horrível... temer o lugar que um dia você amou. E ver uma esquina que você conhecia tão bem e ter medo de sua sombra. Ver degraus familiares e ser incapaz de subir. Nunca entendi como as pessoas podiam viver com medo. Mulheres com medo de ir para casa sozinhas. Pessoas com medo de pó branco em suas caixas de correio, da escuridão e da noite. Pessoas com medo de pessoas. Sempre achei que eram os outros que sentiam medo. Pessoas mais fracas. O medo nunca me atingia. E então, ele atingiu. E quando ele atinge, você descobre que ele estava lá o tempo todo, esperando, sob a superfície de tudo aquilo que você amava. Você sente a pele formigando, seu coração adoece e você olha para a pessoa que um dia você foi, descendo a rua, e você se pergunta se um dia voltará a sê-la.” Erica Bain, personagem de Jodie Foster em The Brave One (2007).

Erica agora dorme ao lado do túmulo de seu amante, implorando-lhe uma palavra, e se envereda por uma rotineira caminhada noturna, na qual visita, armada, os pontos mais recônditos da cidade. À certa altura – anterior, aliás, à aquisição ilegal da arma – Erica chega a procurar a polícia, pensando em deixar nas mãos dela a solução para o seu caso. É quando nos é apresentada mais uma espécie de justificativa para o que ela fará logo em seguida: a ineficiência da polícia, da qual temos como pista a frase que o policial repete, religiosamente, a todos que, desolados, recorrem a ele: “Certo, Sei que é difícil, mas se puder ter um pouco de paciência e sentar ali. Logo mais, um policial virá ajudá-la.” Erica, no entanto, não quer que a justiça seja feita por um processo moroso e que, aliás, não lhe ira saciar a ira. Ela quer “fazer justiça com as próprias mãos”, o que nos é reafirmado por duas cenas que veremos no decorrer do filme: i) quando Erica desiste quando, na delegacia, está prestes a entregar-se à polícia como a autora dos (merecidos?) assassinatos que estão acontecendo na cidade e ii) quando colocada frente a frente com um dos assassinos, mesmo reconhecendo-o, ela prefere não dizer à polícia, para poder realizar ela mesma a sua vingança.

Vale ressaltar que o telespectador-alvo do filme anseia por ver a mocinha – culturalmente concebida como frágil e levada ao extremo do sofrimento após tornar-se vítima da violência e perder o seu amado –, tomar ares de vilã e sair pela cidade a fazer com que os algozes dos cidadãos de bem provem do seu próprio veneno. A plena satisfação, no entanto, fica apenas para o telespectador, uma vez que Erica – embora, provavelmente, experimente também uma espécie de prazer ao cometer os assassinatos – sente-se cada vez mais vazia e culpada pelo “mal” que vem provocando. Esta natureza controversa da obra nada mais é, no entanto, do que uma estratégia – muito boa, por sinal – utilizada por Jordan para que o telespectador chegue a uma reação catártica sem, no entanto, deificar a heroína pelos seus atos, o que seria, penso, como legitimar a própria violência.

Destaque, neste ponto, para um diálogo entre Erica e a aparentemente dura – porém compreensiva e conhecedora da dor e conflito interno vividos pela protagonista – Josai (Ene Oloja), quando essa se depara com Erica assentada nos degraus à frente da sua casa, fumando angustiada e disparadamente.

“– Não devia fumar. Isso vai matar você.
– Não me importo.
– Há muitas formas de morrer. Mas é preciso achar uma forma de viver. E... isso é difícil.” The Brave One (2007).

É quando Erica encontra uma forma não de viver, mas, sim, de suportar a vida de agora, carente de Jason e da paz de outrora, “porque, quando você ama algo, toda vez que um pedacinho dele se vai, você perde um pedacinho de si próprio.” Erica, então, havendo-se perdido por inteiro, agora anda pela cidade colocando em sua mira todos aqueles que perturbam a paz alheia, se fazendo algozes de outrem.

Neste ponto da trama, já temos a presença do Detetive Mercer (Terrence Howard), que investiga as misteriosas mortes na cidade, desconhecendo, a principio, que o temido – ou adorado – “justiceiro” está por trás de toda a simpatia daquela mulher. Essa dupla, aliás, é a responsável por grande parte das reflexões sobre justiça, ética e assassinato do filme. Tomemos como exemplo a sena em que, cedendo uma entrevista à Erica, o detetive lhe conta sobre o Sr. Murrow, dono dos estacionamentos da Ilha Roosevelt. Ao ser questionado por ela se nada havia a ser feito quanto a isso, o detetive, arrependendo-se em seguida, responde não haver nenhuma solução que fosse legal. Na sequência, Erica pergunta ao detetive se suas mãos haviam tremido nas ocasiões em que teve que matar alguém e esse responde negativamente, colocando isso como a vantagem de estar do lado certo.

Temos aí a explanação de dois lados com algo importante em comum. Ou seja: o hábito de executar o outro como forma de fazer justiça. Não obstante, defende-se haver um lado certo e um lado errado, embora ambos existam em prejuízo à vida humana. Jordan nos traz tal reflexão de maneira magistral. Havendo levado o telespectador-modelo a torcer pelo sucesso da protagonista em seu plano de vingança, leva-o, em seguida, a questionar a atitude da mesma e adentrar, a partir disso, numa série de questionamentos: se não seria correto torcer pela protagonista, dever-se-ia de fato torcer pelo detetive? Haveria mesmo alguma circunstância em que tentar contra a vida humana fosse uma atitude legítima? Será que a polícia age mesmo eticamente, e, se sim, em que se baseia esta ética?

Entre os ouvintes do programa “Street Walk”, as opiniões a respeito se dividem tal como entre os telespectadores de Valente. Um primeiro defende a ação do “vingador” como um favor à sociedade. Um segundo defende que, ao decretar a morte de outrem sem julgamento, o justiceiro se iguala às pessoas que ele mata. Um terceiro menciona o prazer que nos proporciona ver os algozes da sociedade serem punidos com a morte.

Enfim, esses e outros debates surgem na tela enquanto vemos Valente, o que, nas mãos de Jordan, não anula a possibilidade de um desfecho razoável para a mocinha, possibilitado, naturalmente, por Mercer, que parece haver cultivado um certo fascínio pela moça. Assim, ao final da trama, o afeto, o cuidado e a compreensão da dor alheia se sobrepõem a qualquer ética, tornando-se o último bandido restante objeto de um combinado entre Erica e Mercer. Seria certo? Não sabemos, mas sabemos que estamos tratando de um filme, que encontrou neste final um quase equilíbrio entre a satisfação do expectador e o comprometimento com a ética. Digo isso porque, mesmo havendo um final favorável à protagonista, não se pode falar ainda em “final feliz”, visto sabermos que, a despeito de qualquer coisa, Erica seguirá carregando as marcas da violência sofrida e da perda do noivo, tal como ela própria avisa no encerramento da trama. “Não há como voltar a ser aquela outra pessoa. Voltar àquele outro lugar. Essa coisa, essa pessoa estranha... é só o que você é agora.”

É isso. Apesar de algumas falhas, Valente é um excelente filme, principalmente por não se embasar tão somente no objetivo de levar o telespectador à saciedade, enfatizando, também, questões éticas inquietantes. Bem diferente do violento e raso Doce Vingança (2010) – regravação de A vingança de Jennifer (1978) chegado às telas três anos após Valente –, a trama de Jordan é uma estória que faz pensar.


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Publicado originalmente em CinePlayers.


domingo, 27 de janeiro de 2013

De pernas pro ar 2


Título original: De Pernas Pro Ar 2
Ano: 2012
Direção: Roberto Santucci
Roteiro: Paulo Cursino, Ingrid Guimarães, Marcelo Saback
Gênero: Comédia
Origem: Brasil
Duração: 95 minutos


O prazer não tem limites! E Alice Segretto (Ingrid Guimarães), vai levar isso ao pé da letra e expandir os negócios da “Sex Delícia” à capital cultural do mundo: Nova Iorque. E aí está boa parte da graça de De pernas pro ar 2. Quem, ao assistir o trailer, previu muita risada diante das trapalhadas de Alice em Nova Iorque, não vai se decepcionar. Aliás, uma das muitas verdades que têm sido ditas sobre o longa é o fato de ser ele um dos raros casos em que a sequência supera o original. É isso mesmo. Esta sequência do filme de Roberto Santucci – que conta, inclusive, com a própria Ingrid Guimarães na produção do roteiro – potencializa os acertos do anterior, cria novas piadas e comete novos erros, totalmente perdoáveis a meu ver. Vamos a tudo isso.

Antes de chegar à América, Alice vai passar um mau bocado, desmaiando sobre um bolo bem peculiar no lançamento da centésima loja da “Sex Delícia”; sendo colocada no chinelo pela linda, bem-sucedida e faz-tudo Vitória (Christine Fernandes) e cometendo loucuras em uma reunião com investidores após ingerir seu calmante com champanhe. E como se não bastasse, a pobre ainda vai parar em um spa dirigido pela severa Regina (Alice Borges). Nada disso, porém, é suficiente para parar Alice, que, para escapar do spa e continuar tocando o seu voluptuoso negócio, recorre aos serviços do hacker e contrabandista de eletrônicos Leozinho (Wagner Santisteban), além de proporcionar um orgasmo à “sargentona” Regina. No spa, aliás, todas essas figuras – com destaque para o Mano Love (Luiz Miranda), antipático, mas cômico – são hilárias. Tanto quanto o orgasmo alcançado por Alice, ao som de Byafra, por via do estranho objeto de oito tentáculos – ou testicles (trocadilho infame, porém engraçadíssimo, utilizado no filme) – que viria a ser a chave para o sucesso da “Sex Delícia” em Nova Iorque.

Contudo, devem ser considerados pontos que eu nem chamaria de falhas, visto que surtem efeito (o riso) e não prejudicam o filme. Um deles é aquela espécie de reformulação da cena de Alice à mercê de um “brinquedinho”, desta vez não controlado pelas ondas sonoras durante o jogo de futebol do filho (João Fernandes, no primeiro filme), mas pelo controle remoto, manuseado, involuntariamente, por João (Bruno Garcia). Outro ponto é a previsível cena do restaurante, exibida à exaustão em produções norte-americanas e até em novelas do SBT. Me recordo de haver visto algo do tipo, pela primeira vez, em Uma babá quase perfeita (1993). Conforme já dito, porém, são pontos que, embora representem um pequeno pecado em termos de criatividade, surtem o efeito esperado e estão bem onde estão.

Ademais, quaisquer falhas são compensadas pelo brilhante elenco. Ingrid Guimarães continua a nos surpreender com o seu talento. Cristina Pereira ganha maior destaque e a sua personagem Rosa mostra que não está ali a passeio, tal como a perfeita Denise Weinberg, para quem parece não haver tempo ruim. Maria Paula, muito criticada desde o primeiro filme (críticas com um quê de exagero, a meu ver), continua defendendo bem a sua Marcela. E até o Paulinho (Eduardo Melo, nesta sequência) se sai bem em suas raras falas. E, havendo mencionado a cena do restaurante no parágrafo anterior, não se pode desconsiderar a rápida, porém intensa, participação de Rodrigo Sant’Anna, que, em sua última cena, até utiliza um dos bordões de sua personagem Valéria Vásquez. A referência a bordões do pretenso humorístico Zorra Total, aliás, não é uma novidade em filmes nacionais. A diferença é que, enquanto soou como uma patética estratégia em Xuxa Gêmeas, ficou funcional e dentro de contexto em De pernas pro ar 2. Quanto a Ricardo (Eriberto Leão) – que também se sai bem como possível cara-metade de Alice –, fico pensativo quanto ao beijo que apenas quase rolou entre ele e a protagonista, mas que rolou pra valer entre João e a “Mulher Maravilha”. Não se trata de uma apologia à traição, mas fico me questionando sobre esta mulher moderna, empreendedora e independente que, contraditoriamente, não se atreve nem a um beijinho com uma bela figura como Ricardo (Eriberto Leão) à quilômetros de distancia de sua cidade e de sua família. Machismo enrustido em um filme tão libertário ou estratégia do diretor para mostrar que Alice, apesar de sua compulsão pelo trabalho, é fiel à sua família? Vai saber...

Aliás, no tocante ao mencionado aspecto libertário do longa, isso, a meu ver, lhe rende muitos pontos. De pernas pro ar 2 segue provocando o riso sem precisar apelar para o palavreado chulo ou fazer piadas sexistas. O sexo ali é para todos, sem que isso tenha aquele famigerado arzinho de escárnio.

E falando em mulher moderna, merece destaque a criança que interpreta Alice na infância, relatando, para uma câmera, os sonhos que, de um jeito ou de outro – embora de uma maneira bastante torta – se realizam na vida adulta da personagem. Neste ponto, vale fazer uma analogia entre esta Alice, obstinada na busca pela concretização de um sonho – única e exclusivamente para fins de realização pessoal – e aquela outra Alice, personagem de Lewis Carroll. É óbvio que são estórias totalmente distintas, mas ambas estão envoltas em sonhos e fantasias, e são justamente essas fantasias (num sentido malicioso, no caso de De pernas pro ar 2) que as conduzem ao amadurecimento. Aliás, em ambas as estórias, um coelho é o grande responsável por tudo... Em se tratando de filmes e, principalmente, obras literárias, nomes nem sempre são casuais. A personagem de Christine Fernandes, por exemplo, não se chama Vitória devido a uma escolha arbitrária, mas, sim, para reforçar para o telespectador a representação que aquela mulher tem para Alice. Ou seja: a mulher vitoriosa por dar conta do recado em todos os âmbitos de sua vida.

E foram justamente os sonhos de menina da protagonista os responsáveis por uma rápida solução para o final do filme. Uma solução que, na verdade, deixa muita coisa mal resolvida, vista a lógica de que Alice não vai mudar, continuando isso a ser prejudicial a si mesma, ao seu casamento e, em especial, ao seu filho. Por outro lado, não sei se esse tipo de exigência cabe a uma comédia. E, além disso, esse desfecho meio vago vem a ser positivo se for sinal de uma possível continuação. Então, enquanto o terceiro filme não vem, vamos ao cinema rir a valer com as brejeirices da protagonista e dos que a acompanham, e, se tivermos que tirar uma lição do filme, que seja a de que o bom é que vivamos a nossa vida de pernas pro ar...

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Publicado originalmente em CinePlayers.

domingo, 13 de janeiro de 2013

A virgem de 40 – Agora ou nunca


Imagem retirada do site da campanha.

A minha peregrinação pela 39ª Campanha de Popularização do Teatro e da Dança de Belo Horizonte teve como largada a peça A virgem de 40 – Agora ou nunca, o que me trouxe também a oportunidade de adentrar pela primeira vez o Teatro ICBEU – que também está na casa dos 40, mas não é mais virgem, não! –, tão próximo a minha adorada Praça da Liberdade. A descrição da peça, disponibilizada na divulgação da campanha, é simples: Norma, “uma professora romântica, sonhadora e virgem”, resolve, no dia de seu aniversário de 40 anos, se dar de presente uma relação sexual, o que acaba por gerar “sucessivas situações inusitadas”. O que o público não sabe, embora provavelmente suponha em sua maioria, é que o recurso encontrado pela protagonista para a concretização do seu intento é uma agência de acompanhantes, através da qual ela tem contato com três peculiares profissionais do sexo: o “número 32” Ronaldo, cujo “Ronaldão” é, na verdade, “Ronaldinho”, e só deixa a protagonista – e a plateia – na vontade; o “número 22” Celso (mais romântico que a própria Norma), que, há vinte anos, foi aluno da protagonista, a sua primeira paixão; e o diretor da agência, um homem curiosamente caquético que se viu obrigado a ir ele próprio à casa da protagonista a fim de atender-lhe à complexa demanda. Aliás, é justamente a demanda da nossa excêntrica Norma que gera as absurdas situações: ela não apenas quer “perder a virgindade”, como também quer viver este momento tão especial fazendo “papai-e-mamãe” – posição tão ultrapassada quanto “tripé de samambaia” –, sendo chamada de amor e sendo carregada até o quarto vestida de noiva.

Neste ponto, é válido que façamos algumas considerações acerca da contraditória personalidade da professora, que valoriza o amor e a primeira vez na noite de núpcias (o que justifica o nome dado à personagem: Norma), mas que vai tentar ter tudo isso, de “mentirinha”, com um garoto de programa, fracassada que foi ao tentar concretizá-lo na vida real. E é aí que subjaz a intempérie que marcou a vida da professora, que, há vinte anos, estava noiva e, por desconhecida razão, foi abandonada pelo homem com quem sonhava ter sua primeira noite e viver para sempre em uma “casinha de janelas azuis”.

Como podemos notar, A virgem de 40 tem um bom argumento, mas a verdade é que Aziz Bajur, autor da peça, não se aproveita como pode desse argumento, e – por falha ou por escolha –, acaba desenvolvendo uma estória focada no humor, pautada no preconceito e com desfecho aquém das expectativas da plateia.

O preconceito ao qual faço menção está no desespero no qual o simples desejo da professora se transforma no decorrer da peça, levando-a ao ponto de convidar o porteiro do prédio ao seu apartamento, abduzindo-o, com uma arma, a ter uma relação sexual com ela. Tal preconceito está até mesmo no texto, onde podemos conferir dizeres como “E agora? Quem é que vai resolver o meu problema?”. Claro, talvez estejamos a exigir demais de uma peça que se propõe exclusivamente ao humor, sem, em momento algum, pretender enveredar-se por reflexões sérias acerca da questão da mulher. Mas, por outro lado, não sei se a arte (e aqui eu me refiro a um conceito estritamente pessoal de arte) está autorizada a se desviar de reflexões desse tipo.

Por outro lado, não se deve ignorar o fato de que o humor atual se dá, geralmente, alicerçado em preconceitos, o que pode, talvez, legitimar o uso e abuso do estereótipo da mulher de 40 anos desesperada por sexo, tais são as ocorrências físicas e adoção de postura mais ativa no plano social, profissional, afetivo e sexual que marcam a vida das mulheres aos 40.

Outro ponto é que a peça me parece não cumprir com a sua função catártica, em especial se considerarmos haver na plateia pessoa em condição semelhante à da protagonista. Principalmente pelo seu desfecho, que, aparentemente, mais se justifica pela necessidade de se encerrar a estória com um final meia-boca após haver alcançado sucesso com o riso. Será que a nossa protagonista necessitava, de fato, de uma relação sexual com um michê, mesmo que nocauteada pelo álcool que vai consumindo ao longo da trama? Será que ela devia mesmo desistir do seu sonho de “um amor para toda a vida”? Será que o seu ex-aluno, tão acanhado e insatisfeito com a sua condição de michê, a satisfaria a ponto de fazê-la esquecer a mágoa que lhe foi causada há vinte anos? Enfim, é claro que são respostas que devem ficar para a imaginação da plateia. O problema, porém, é que a trama carece de elementos que possibilitem ao espectador o sonho pós-espetáculo.

Merece destaque, porém, a transformação, inclusive física, pela qual Norma vai passando ao longo da trama. Da recatada mulher de óculos, cabelos presos e camisola longa à sedenta mulher de linguajar chulo, longos cabelos anelados e camisola sexy de cor vermelha, vai se revelando a loba. E merecido destaque, também, para a Ivonete, atendente da agência de acompanhantes, a quem só conhecemos por via das sucessivas ligações da protagonista, mas que nem por isso deixa de nos arrancar muitos risos. “Nós não temos ‘qualquer um’. Só trabalhamos com profissionais altamente qualificados”.

Conclui-se, então, que A virgem de 40 – Agora ou nunca tem, sim, alguns problemas que podiam ser solucionados aproveitando-se melhor o seu argumento. Mas, a despeito disso, trata-se de uma peça que, como todas as peças participantes da campanha, deve ser vista e aplaudida de pé, pois os atores, o diretor, o autor e todos os envolvidos merecem. Tal como você que, não só durante a campanha, mas durante o ano inteiro, merece ir ao teatro para rir e chorar com as Normas da vida!

sábado, 12 de janeiro de 2013

Namore um cara que lê



Imagem retirada do blog Peregrinacultural`s.

Namore um cara que se orgulha da biblioteca que tem, ao invés do carro, das roupas ou do penteado. Ele também tem essas coisas, mas sabe que não é isso que vai torná-lo interessante aos seus olhos. Namore um cara que tenha uma pilha de três ou quatro livros na cabeceira e que lembre do nome da professora que o ensinou as primeiras letras.

Encontre um cara que lê. Não é difícil descobrir: ele é aquele que tem a fala mansa e os olhos inquietos. Ele é aquele que pede, toda vez que vocês saem para passear, para entrar rapidinho na livraria, só para olhar um pouco. Sabe aquele que às vezes fica calado porque sabe que as palavras são importantes demais para serem desperdiçadas? Esse é o que lê.

Ele é o cara que não tem medo de se sentar sozinho num café, num bar, num restaurante. Mas, se você olhar bem, ele não está sozinho: tem sempre um livro por perto, nem que seja só no pensamento. O rosto pode ser sério, mas ele não morde, não. Sente-se na mesa ao lado, estique o olho para enxergar a capa, sorria de leve. É bem fácil saber sobre o quê conversar.

Diga algo sobre o Nobel do Vargas Llosa. Fale sobre sobre as novas traduções que andam saindo por aí. Cuidado: certos best-sellers são assunto proibido. Peça uma dica. Pergunte o que ele está lendo – e tenha paciência para escutar, a resposta nunca é assim tão fácil.

Namore um cara que lê, ele vai entender um pouco melhor seu universo, porque já leu Simone, Clarice e – talvez não admita – sabe de memória uns trechos de Jane Austen. Seja você mesma, você mesmíssima, porque ele sabe que são as complicações, os poréns que fazem uma grande heroína. Um cara que lê enxerga em você todas as personagens de todos os romances.

Um cara que lê não tem pressa, sabe que as pessoas aprendem com os anos, que qualquer um dos grandes tem parágrafos ruins, que o Saramago começou já velho, que o Calvino melhorou a cada romance, que o Borges pode soar sem sentido e que os russos precisam de paciência.

Um namorado que lê gosta de muita coisa, mas, na dúvida, é fácil presenteá-lo: livro no aniversário, livro no Natal, livro na Páscoa. E livro no Dia das Crianças, por que não? Um cara que lê nunca abandonará uma pontinha de vontade de ser Mogli, o menino lobo.

E você também ganhará um ou outro livro de presente. No seu aniversário ou no Dia dos Namorados ou numa terça-feira qualquer. E já fique sabendo que o mais importante não é bem o livro, mas o que ele quis dizer quando escolheu justo esse. Um cara que lê não dá um livro por acaso. E escreve dedicatórias, sempre.

Entenda que ele precisa de um tempo sozinho, mas não é porque quer fugir de você. Invariavelmente, ele vai voltar – com o coração aquecido – para o seu lado.

Demonstre seu amor em palavras, palavras escritas, falas pausadas, discursos inflamados. Ou em silêncios cheios de significados; nem todo silêncio é vazio.

Ele vai se dedicar a transformar sua vida numa história. Deixará post-its com trechos de Tagore no espelho, mandará parágrafos de Saint-Exupéry por SMS. Você poderá, se chegar de mansinho, ouvi-lo lendo Neruda baixinho no quarto ao lado. Quem sabe ele recite alguma coisa, meio envergonhado, nos dias especiais. Um cara que lê vai contar aos seus filhos a História Sem Fim e esconder a mão na manga do pijama para imitar o Capitão Gancho.

Namore um cara que lê porque você merece. Merece um cara que coloque na sua vida aquela beleza singela dos grandes poemas. Se quiser uma companhia superficial, uma coisinha só para quebrar o galho por enquanto, então talvez ele não seja o melhor. Mas se quiser aquela parte do "e eles viveram felizes para sempre", namore um cara que lê.

Ou, melhor ainda, namore um cara que escreve.



SILVA, Bruna Palma e. Namore um cara que lê. Retirado do blog Acepipes Escritos. Baseado no texto Date a girl who reads, de Rosemary Urquico.



Visite o meu post anterior: Namore uma garota que lê.


Namore uma garota que lê



Imagem retirada do blog Plantão Online.

Namore uma garota que gasta seu dinheiro em livros, em vez de roupas. Ela também tem problemas com o espaço do armário, mas é só porque tem livros demais. Namore uma garota que tem uma lista de livros que quer ler e que possui seu cartão de biblioteca desde os doze anos.

Encontre uma garota que lê. Você sabe que ela lê porque ela sempre vai ter um livro não lido na bolsa. Ela é aquela que olha amorosamente para as prateleiras da livraria, a única que surta (ainda que em silêncio) quando encontra o livro que quer. Você está vendo uma garota estranha cheirar as páginas de um livro antigo em um sebo? Essa é a leitora. Nunca resiste a cheirar as páginas, especialmente quando ficaram amarelas.

Ela é a garota que lê enquanto espera em um Café na rua. Se você espiar sua xícara, verá que a espuma do leite ainda flutua por sobre a bebida, porque ela está absorta. Perdida em um mundo criado pelo autor. Sente-se. Se quiser ela pode vê-lo de relance, porque a maioria das garotas que leem não gosta de ser interrompida. Pergunte se ela está gostando do livro.

Compre para ela outra xícara de café.

Diga o que realmente pensa sobre o Murakami. Descubra se ela foi além do primeiro capítulo da Irmandade. Entenda que, se ela diz que compreendeu o Ulisses de James Joyce, é só para parecer inteligente. Pergunte se ela gosta ou gostaria de ser a Alice.

É fácil namorar uma garota que lê. Ofereça livros no aniversário dela, no Natal e em comemorações de namoro. Ofereça o dom das palavras na poesia, na música. Ofereça Neruda, Sexton Pound, Cummings. Deixe que ela saiba que você entende que as palavras são amor. Entenda que ela sabe a diferença entre os livros e a realidade, mas, juro por Deus, ela vai tentar fazer com que a vida se pareça um pouco como seu livro favorito. E se ela conseguir não será por sua causa.

É que ela tem que arriscar, de alguma forma.

Minta. Se ela compreender sintaxe, vai perceber a sua necessidade de mentir. Por trás das palavras existem outras coisas: motivação, valor, nuance, diálogo. E isto nunca será o fim do mundo.

Trate de desiludi-la. Porque uma garota que lê sabe que o fracasso leva sempre ao clímax. Essas  garotas sabem que todas as coisas chegam ao fim.  E que sempre se pode escrever uma continuação. E que você pode começar outra vez e de novo, e continuar a ser o herói. E que na vida é preciso haver um vilão ou dois.

Por que ter medo de tudo o que você não é? As garotas que leem sabem que as pessoas, tal como as personagens, evoluem. Exceto as da série Crepúsculo.

Se você encontrar uma garota que leia, é melhor mantê-la por perto. Quando encontrá-la acordada às duas da manhã, chorando e apertando um livro contra o peito, prepare uma xícara de chá e abrace-a. Você pode perdê-la por um par de horas, mas ela sempre vai voltar para você. E falará como se as personagens do livro fossem reais – até  porque, durante algum tempo, são mesmo.

Você tem de se declarar a ela em um balão de ar quente. Ou durante um show de rock. Ou, casualmente, na próxima vez que ela estiver doente. Ou pelo Skype.

Você vai sorrir tanto que acabará por se perguntar por que é que o seu coração ainda não explodiu e espalhou sangue por todo o peito. Vocês escreverão a história das suas vidas, terão crianças com nomes estranhos e gostos mais estranhos ainda. Ela vai apresentar os seus filhos ao Gato do Chapéu [Cat in the Hat] e a Aslam, talvez no mesmo dia. Vão atravessar juntos os invernos de suas velhices, e ela recitará Keats, num sussurro, enquanto você sacode a neve das botas.

Namore uma garota que lê porque você merece. Merece uma garota que pode te dar a vida mais colorida que você puder imaginar. Se você só puder oferecer-lhe  monotonia, horas requentadas e propostas meia-boca, então estará melhor sozinho. Mas se quiser o mundo, e outros mundos além, namore uma garota que lê.

Ou, melhor ainda, namore uma garota que escreve.



URQUICO, Rosemary. Namore uma garota que lê. Tradução e adaptação do original Date a girl who reads, por Gabriela Ventura, do blog Quinas e Cantos.



Visite o meu próximo post: Namore um cara que lê.