segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Não existe relacionamento fracassado!

“Não deu certo”. Eis uma afirmação comumente utilizada como referência a um relacionamento encerrado. Afirmações desse tipo partem da equivocada ideia de que as coisas precisam ser eternas. Caso contrário, é porque “não deu certo”. Ora!, não existe relacionamento fracassado. Existe é relacionamento terminado. Relacionamento que, quando se tornou disfuncional, foi prudentemente interrompido.

Neste ponto, você pode estar questionando: “Mas isso não faz sentido! Por uma lógica antonímica, se uma coisa parou de dar certo, é incontestavelmente óbvio que ela passou a dar errado!” Calma... e atente-se para o fato de que a abordagem aqui não se dá no campo semântico, mas, sim, na perspectiva que temos de relacionamentos e términos, comumente oriunda do mito do amor romântico.

O tão famigerado “final feliz” ainda é para nós sinônimo do “e viveram felizes para sempre”. Se nos fosse revelado que, alguns meses após o conhecido final, Cinderela se cansou daquela monotonia, pegou a sua parte da grana e resolveu dividir apartamento com as meias-irmãs, todo aquele amor vivido entre ela e o Príncipe perderia o valor para nós, pois só vale se for “para sempre”, embora nem a própria vida o seja. Não raro, um namoro terminado é lembrado (e avaliado) pelo desfecho trágico e não pelos anos bem vividos. E, nesse sentido, o fato de a história haver tido um fim nos leva a considerar todo o resto como tempo perdido, como se, para valer a pena, as coisas precisassem ser eternas.

É óbvio que ninguém embarca num relacionamento pensando no dia em que ele vai terminar. Da mesma forma, ninguém começa em um novo emprego pensando algo do tipo “quero dar o fora daqui em seis meses” ou se muda para uma casa nova afirmando “vou permanecer nesse imóvel só até ano que vem”. A princípio, a gente investe nas coisas objetivando que elas durem, e isso é natural e até saudável em certa medida. Mas fato é que um dia somos demitidos ou recebemos uma proposta de emprego melhor; um dia o aluguel fica muito salgado e a gente precisa procurar por outro imóvel; um dia os estilos de vida, os sonhos, os comportamentos, as visões de mundo não mais se alinham... e a gente precisa pôr fim a certos relacionamentos.

É claro que há aqueles relacionamentos que já começam “errados”, por assim dizer, mas esses são casos à parte, e mesmo eles, de alguma forma, também cumprem com o seu papel em nossa jornada. De um modo geral, porém, relacionamentos não dão errado. Eles apenas param de dar certo ou nos proporcionam algo distinto do que deles esperávamos.

Errada é a falsa ideia de eternidade que, comumente, nos leva a jogar na lata de lixo tudo aquilo que, embora haja chegado ao fim, foi maravilhoso enquanto durou (ou que, mesmo nunca havendo sido maravilhoso, ao menos nos ensinou a nunca mais nos colocarmos em uma situação afim). É triste ver pessoas definirem como “fracassado” um relacionamento que gerou até filhos! Meu Deus! Se há filhos, então deu certo. Se houve amor ou mesmo tesão, deu certo, sim. Se foi legal durante dois ou três dias, já deu super certo! Se nos ensinou a fazermos melhores escolhas, deu certo. Se proporcionou aprendizado, amadurecimento e autoconhecimento, então valeu, cumpriu com o seu propósito, deu certo...

Essa falsa ideia de eternidade é muito comum nos relacionamentos, fazendo-se presente desde a tatuagem com o nome do companheiro até a vida completamente alicerçada naquela parceria. Mas não é só nos relacionamentos que essa ideia se faz presente. Veja você que o nosso modo de viver pressupõe uma ilusão de que a própria vida neste plano é eterna. Nós, simplesmente, não somos suficientemente treinados ou maduros para lidar com a finitude das coisas. Mas fato é que as coisas são transitórias, sendo esta uma verdade incontestável. E penso eu que, quanto mais conscientes formos da inconstância das coisas, mais propensos estaremos a estabelecermos bases firmes em nós mesmos, sem construirmos castelos sobre alicerces de areia.

Sabe aquela frase que diz “foi bom enquanto durou”? Pois é... Ela é clichê, mas expressa uma verdade equivocadamente contrariada por afirmações do tipo “o relacionamento não deu certo”, “o romance fracassou” e afins. As pessoas estão em constante mutação, e é inteligente e até mesmo saudável reconhecer quando as discrepâncias, comuns em todo e qualquer encontro, estão fazendo a relação ruir; quando os interesses já não são os mesmos, inviabilizando, assim, a manutenção de algo que já não faz sentido.

Ou seja: até mesmo a concordância entre ambas as partes quanto a haver chegado a hora de cada um seguir o próprio rumo é sinal de um relacionamento saudável e bem-sucedido. Pôr fim a uma relação por vezes se revela como um verdadeiro ato de amor, pois não raro acontece de haver amor, mas não haver possibilidade de alinhar os objetivos, valores, expectativas e afins. É quando chega o momento de, por amor – amor pelo parceiro e amor-próprio – libertar o outro e libertar a si mesmo.

A intenção aqui, no entanto, não é induzi-lo a adotar a efemeridade como modo de vida a partir de então. Pelo contrário, o que pretendo é convidá-lo a seguir embarcando nas experiências com a intensidade que elas comumente exigem e merecem. Mas, se porventura tais experiências chegarem ao fim, não as rotule como fracassadas, pois isso seria enveredar por uma inverdade que só traz tristeza e sensação de perda de tempo. Pelo contrário, comprometa-se, a partir de então, a modalizar a sua fala sempre que se referir ao relacionamento passado, substituindo “não deu certo” por “foi super legal e produtivo, mas tivemos que descontinuar” ou “deu certo, mas, quando começou a não funcionar, a gente achou por bem terminar”.

Mas é para dizer isso a você mesmo, e não para os outros, que não têm absolutamente nada com a sua vida. Não se trata de provar nada a ninguém, mas de saber isso internamente, sempre ciente de que, humanos que somos, por vezes a gente vai sofrer, por vezes a gente vai chorar, sentir raiva, mágoa... E está tudo bem, pois eu sei que é difícil... É difícil encarar de maneira tão inspirada um relacionamento pelo qual estamos ainda enlutados. É difícil conceber dessa maneira um relacionamento abusivo (pelo qual ninguém deveria passar e que de maneira alguma pretendo romantizar aqui). Atribuir sentido, porém, pode ressignificar e amenizar a dor de uma experiência dolorosa. Trata-se de uma mudança de paradigma que denota gratidão à vida pela experiência vivida e, sobretudo, ao outro, que atravessou conosco uma fase que, por alguma razão desconhecida, se fez tão necessária ao nosso processo de aprendizagem. Esse, sim, interminável.

Nesse sentido, não entremos em um relacionamento tendo a eternidade como meta, mas, sim, para fazer dar certo, para evoluir, para ser feliz e fazer feliz enquanto possível for, sem nunca esquecer as palavras do poeta: “Que não seja imortal, posto que é chama / Mas que seja infinito enquanto dure”.

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Este artigo foi originalmente publicado em minha coluna nos portais O Segredo e Eu Sem Fronteiras.