sexta-feira, 9 de abril de 2021

A dona da vida real



Se, assim como eu, você adora um dramalhão mexicano, é provável que conheça essa clássica cena de Soy Tu Dueña (2010) – se não me engano, a quinta adaptação do texto venezuelano de 1972. A trama acompanha uma jovem da alta sociedade que, após ser abandonada no altar pelo homem que, como se não bastasse, a traia com a sua prima, decide se mudar para a fazenda que herdara dos pais.

Convertida em uma mulher fria e rancorosa, a jovem – Valentina Vilaça, na versão estrelada por Lucero – não confia mais nos homens, e esta cena antológica marca a sua decisão por assumir as rédeas de seu destino, trazendo à tona uma nova mulher.

Se isso, porém, não foi fácil para a personagem, imagine para nós, pessoas comuns, que não dispomos de uma fazenda para onde fugir e tampouco estamos podendo jogar um carro no abismo com um vestido de noiva dentro (sim, a personagem fez isso, e só para se livrar do vestido...).

Na vida real, a gente precisa lidar com a dor em meio a uma série de outros problemas, não raro compartilhando o mesmo ambiente com aquele que nos magoou. Na vida real, depois de ter o coração partido, não nos deparamos com um Fernando Colunga a nos oferecer todo o seu amor e disposto a curar as nossas feridas. Pelo contrário, é provável que permaneçamos por muito tempo sozinhos, isso quando não nos deparamos com um novo idiota. E, sim, a gente ainda está no lucro caso o nosso algoz haja sido o David Zepeda.

Na vida real, costuma doer por um longo tempo, tanto por ser difícil esquecer como pelo nosso apego ao que nos machuca, o que acaba por render um bocado de autossabotagem. É que na vida real, a gente quer dar a volta por cima, mas às vezes a gente tem recaídas, não raro nos enveredando por pequenas ações que colocam em risco semanas, meses ou até mesmo anos de trabalho de superação.

Esse texto, porém, não pretende lhe desanimar e tampouco criticar a teledramaturgia, da qual sou fervoroso fã. A propósito, que felicidade a nossa termos a ficção como uma possibilidade de catarse.

Este texto é, portanto, um convite a ter paciência consigo mesmo. Que o drama mexicano, o filme, o livro ou seja lá o que for lhe tragam alento enquanto você atravessa a dor, mas que você não se culpe ou se subestime se não tem a força da heroína da trama ou se sua história não transcorre como a dela.

E agradeça por isso, pois, se lhe falta a fazenda, a governanta amorosa e o mocinho bonito que lhe curará as feridas, é sinal de que você já tem em si tudo do que necessita para superar o que se passou. Trata-se daquela velha dor que muito nos honra, pois, se nos foi dada, é porque é do mesmo tamanho que nós.

Você não precisa se arriscar a pegar um resfriado indo para a chuva bradar que é “a dona do seu destino”. Basta que você reconheça que – em lugar de um capataz mau caráter e de uma prima que é melhor ter bem longe – os obstáculos ao final feliz de nossa trama são as nossas próprias debilidades, as nossas fragilidades, a nossa resistência diante do novo, o nosso medo do vazio.

E é aí que você percebe que, somente ao substituir o apego pela aceitação e comprometimento consigo mesma, é que você se torna a dona. A dona de sua vida real.


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