segunda-feira, 11 de março de 2019

O outro, espelho de mim

 


Ele gozou e ficou mexendo no celular. Tá certo que eu queria abraço, conversa, olhar ou até mesmo um comentário engraçado, daqueles típicos das relações em que há intimidade. Mas nada disse, e ele seguiu atento ao celular... E, por mais que tenhamos permanecido ali por bom tempo, na prática bastou uma gozada para que eu me visse sozinho naquele quarto de motel barato. Mas tudo bem... Eu, com a minha carência, estava sempre a fantasiar romances, ignorando o fato de que na vida real aquela frieza era, provavelmente, o normal nessas situações. Permiti-me, portanto, ser vencido pelo celular.

Sem quaisquer sinais de afeição, descemos pelo elevador, acertamos a conta, e ele, alegando não querer perder o metrô, precipitou-se em direção a porta e saiu. Não queria ser visto saindo daquele local na companhia de outro homem, por mais bem resolvido que fosse no âmbito discursivo. Mas tudo bem... Eu, com a minha carência, esquecia que as pessoas têm as suas limitações e é preciso compreendê-las. E foi diante de tal reflexão que, por mais que desejasse companhia até o ponto de ônibus e despedida com abraço apertado, permiti-me ser vencido pela hipocrisia de outrem.

Embarquei no primeiro ônibus, dirigi-me ao assento mais próximo e fui tomado pela sensação de que alguma coisa faltava. Mas tudo bem... a necessidade básica havia sido relativamente atendida e aquilo devia ser o bastante.

Mas não era.

E eu me vi pensando que às vezes a experiência de ser bem tratado é tão rara que a gente, lamentavelmente, se acostuma com os abusos, buscando sempre uma justificativa para a indiferença do outro. Nesse sentido, por mais positiva que seja essa onda de “agradecer pelo que se tem”, a gente precisa ter muito cuidado para não cair na resignação, sobretudo no que tange aos relacionamentos, sejam eles efêmeros ou duradouros.

Ser maltratado não é normal e esperar respeito, afeto e empatia não é e nunca será um luxo. É bem verdade que as pessoas têm lá as suas dificuldades, mas como é que a gente fica nessa história? Estamos mesmo sendo compreensivos e tolerantes ou estando apenas nos deixando vencer pela nossa baixa autoestima, nos contentando com as migalhas de quem nunca nos proporcionará a real experiência de sermos amados?

Convém sermos, sim, gratos a esse outro que nos ignora, que nos trata como opção e nos relega a um lugar de menos valia, mas essa gratidão é por ele nos mostrar em que frequência estamos vibrando e o tipo de coisas que nós temos atraídos para a nossa vida. Pois é sempre sobre nós, certo? Nunca é sobre o outro.

Desejar companheirismo não necessariamente revela carência. Desejar para si alguém que caminhe contigo de mãos dadas e mostre o dedo médio para o primeiro que fizer um insulto não é superexigir da vida. Tolice é buscar isso no lugar errado. A pessoa que te respeita te enxerga por detrás das curvas ou da ausência delas e permanece contigo depois de saciados os instintos. A pessoa que te valoriza te toca a alma, para além dos toques previsíveis de quem só vê um corpo para satisfações imediatas. A pessoa que te ama te assume, te envolve, te esclarece. Supera ou ao menos se esforça para superar as dificuldades que impedem a construção de uma relação plena contigo.

É bom, porém, lembrar que encontrar essa pessoa está diretamente condicionado a ser, antes de mais nada, amado, respeitado e valorizado por uma pessoa em especial, que é, justa e coincidentemente, a mesma pessoa que chega às palavras finais desta mensagem. Respeite-se, valorize-se, seja para si mesmo aqui que tanto busca no outro. É clichê, eu sei, mas o conselho continua a ser super atual: seja o amor de sua vida, antes de mais nada. Antes de tudo! Seja por si próprio a pessoa mais amada. Não esquece disso.

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