segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

A verdadeira religião

 

Eu não sei. É isso mesmo que você leu. “Não sei” é a melhor e mais sensata resposta para a pergunta que subjaz ao título deste artigo. E eu peço que, por favor, não acredite em uma resposta contrária, a não ser que ela ressoe na parte mais íntima dentro de você. E é justamente a partir disso que nos cabe tecer uma longa e sincera discussão.

Ok, entendo que você deve estar se perguntando a que se propõe um artigo sobre “a verdadeira religião” que já de início afirma não saber dizê-la. E tal questionamento, por mais compreensível que seja, me leva a percepção de que você está, muito provavelmente, a cometer o equívoco que por vezes eu já cometi e ainda cometo na busca da Verdade, isto é, do verdadeiro caminho para Deus. A propósito, afirmar que se trata de um equívoco que eu “ainda cometo” é deveras relevante aqui, vez que deixa bem claro que este que vos escreve não é um ser evoluído que cá está para lhe dar direcionamento. Não, não... sou apenas alguém que segue na busca, obstinado, encontrando uma resposta aqui, uma luz ali, mas sempre buscando, tal como você.

Mas que equívoco é esse ao qual me referi? Nada menos que a busca de algo espiritual por uma via intelectual. E aqui é importante que não se faça confusão:  entenda que nada há de errado no estudo, na leitura de obras com temática espiritualista, religiosa e afins. Até porque se temos um cérebro, se somos dotados de intelecto, é muito improvável que tal capacidade nos tenha sido dada à toa ou que não a possamos utilizar para fins espirituais. Então, sim, o estudo é bem-vindo; a leitura é, sim, um excelente instrumento na busca pela Verdade, e você não deve nunca deixar de buscar conhecimento.

O problema se dá é quando sobrepomos o intelecto a todos os outros meios dos quais a Inteligência Universal se utiliza para nos dar direcionamento. E é aí que a gente corre o risco de se converter naquelas figuras excêntricas que surgem na internet falando sobre temas de extrema complexidade – os chakras, as leis herméticas, a alquimia etc. e tal – mas parecem pouco espirituais de fato. Sobrepor o intelecto a todo o resto é tornar as coisas de Deus algo puramente acadêmico, no que vale lembrar que que por vezes foram grandes intelectuais que cometeram as maiores atrocidades “em nome de Deus”, Mas um Deus ao qual só se conhecia de forma intelectual e egoica.

Ademais, buscar o conhecimento de algo tão complexo como “o verdadeiro caminho para Deus” por via do intelecto já é equivocado por si só. Afinal, será mesmo que existe alguma doutrina que careça de bons e bem fundamentados argumentos na defesa de si? Imagine, por exemplo, se fosse promovido um grande evento como nunca visto na humanidade. Um evento no qual se reunissem os grandes nomes de cada doutrina: o Papa, o nome mais expoente do espiritismo, a figura mais importante do budismo, a maior autoridade no protestantismo etc. Olha, quase posso garantir que ninguém sairia vencedor ou fracassado desse debate, e muito provavelmente todos, em algum momento, cairiam naquela famigerada ideia das “verdades de fé”, isto é, aquilo em que se acredita não com base em argumentos bem embasados, mas por meio da tradição, da crença e correlatos (e não há nenhum problema nisso).

Certo. Então, se concordamos que um buscador sincero e dedicado ao estudo encontraria bom fundamento em toda e qualquer religião, como conhecer o caminho correto, como encontrar a Verdade se não por meio do intelecto. E é neste ponto que eu, que adoro listas, vou deixar algumas dicas para você com base na minha própria experiência. Vamos nessa?

1 – Colocando o ego de lado

Há uma frase bonita que diz que “aquilo que você busca também está buscando por você. Ok, eu concordo, mas também concordo que aquilo que você está buscando da maneira errada e com as intenções inapropriadas está se afastando de você. E aqui cabe uma pergunta: a sua busca por respostas tem Deus como objetivo final ou tem apenas você, com a sua necessidade de desvendar segredos do Universo só para se sentir melhor consigo e superior aos outros, ou para gozar de mais conforto neste mundo material? Não estaríamos nós apenas substituindo a desesperada busca por títulos acadêmicos (também muito bem-vindos) pela busca de experiências metafísicas e poderes sobrenaturais que nos elevem acima dos demais, colocando-nos em evidência entre esses meros mortais?

Colocar o ego de lado (metaforicamente falando, é claro, pois isso soaria absurdo para qualquer profissional sério da psicologia ou da psicanálise) e estabelecendo Deus como um fim me parece um excelente exercício, por mais árduo que seja (e, acredite, é beeem árduo). O livro Imitação de Cristo, escrito por Tomás de Kempis, é um livro extremamente querido entre os cristãos católicos e um excelente aliado nesse processo de abandonar-se em Deus, esquecendo-se de si e dando espaço para que a Verdade ocupe o palco de nossa mera existência. Fica a dica.

2 – Perguntando a quem tem a resposta

Este tópico é tão óbvio, mas tão óbvio que eu não vejo necessidade de me demorar muito nele. Pense bem: na escola, quando você tem dúvida, você pergunta ao professor. Em casa, quando você ainda é criança, você recorre aos seus pais quando precisa de permissão para algo ou de algum esclarecimento ou ajuda. Então me responde, criatura: por que cargas d’água, em se tratando da natureza de Deus, você recorre ao pastor, ao padre, ao pai-de-santo, ao terapeuta e até ao presidente da república em lugar de recorrer... a Deus?

Nada contra essas figuras que eu mencionei, certo? A questão aqui é que, se você quer uma resposta certeira, um direcionamento verdadeiro, não faz sentido recorrer a alguém que – na melhor das intenções – vai lhe oferecer uma resposta obviamente enviesada! Talvez você não acredite que pode ter esse diálogo direto com Deus; talvez você não se considere digno(a) ou – pior! – talvez acredite que não deva se dirigir a Ele questionando-Lhe a própria natureza. Mas eu vou lhe dizer uma coisa: você pode, sim! Pode e deve.

Deus muito se agrada do filho sincero que recorre a Ele e fala com sinceridade. E digo mais: as minhas orações mais benéficas foram aquelas em que eu “quebrei o pau”. Claro, você não precisa e nem deve faltar com respeito com quem lhe concedeu a vida, mas não tema ter uma conversa espontânea, de filho(a) para Pai, de criatura para Criador.

E, claro, fique atento(a), pois a resposta virá. Seja por meio de uma coincidência bizarra, de uma música, uma mensagem, um sonho... Não sei como, mas sei que ela virá, a um só tempo clara e sutil. Então, por favor, não se distraia.

3 – Lembrando que uma coisa não exclui a outra

Veja bem: eu já passei por várias religiões. Segui a fundo apenas o catolicismo, mas já transitei com certa dedicação pelo espiritismo e o universalismo, bem como já frequentei a umbanda, o budismo, o hinduísmo etc. Dadas essas minhas incursões por diferentes filosofias, se tem uma coisa que me incomoda é escutar alguns líderes religiosos afirmarem que “a filosofia X é a verdadeira” ou “a igreja Y é a igreja de Cristo”. Algumas denominações religiosas, mais radicais, até mesmo acrescentam que tudo o que é contrário a elas é obra do inimigo, “o pai da mentira”.

Tal discurso me incomoda porque eu estou muito certo de haver encontrado Deus em cada uma dessas experiências, e sei que você, que também já esteve em vários lugares na sua jornada rumo ao sagrado, também já O encontrou em cada um deles. Ademais – e espero não estar sendo blasfemo ao dizê-lo – me parece muito sacana a imagem de um Deus que, ao mirar uma casa espírita, por exemplo, afirme algo como: “Tem uma galera ali me buscando, falando de mim e tentando se pautar em meus ensinamentos, mas esse povo é espírita, ali eu não entro”. A propósito, se bem me lembro, é justamente o contrário disso que o Divino Mestre nos diz em Mateus 18,19-20: “Pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali eu estou no meio deles”.

É insano acreditar que um Deus que é todo amor e misericórdia faça acepção de pessoas com base em suas doutrinas em vez de considerar a busca sincera de cada um. O Deus verdadeiro é um Deus de amor, e não de arrogância; não um Deus que olha a religião e “não se junta com essa gentalha” (e eu nunca pensei que recorreria ao Chaves para refletir sobre o Criador...).

E é aqui que pode vir a pergunta: “Ah! Então quer dizer que eu posso frequentar qualquer religião?!”. E a minha resposta é SIM!, você pode, maaas... – e eu preciso que você preste muita atenção ao que direi em seguida – o fato de não haver a religião verdadeira não significa que Deus não o(a) queira em uma em particular.

É isso mesmo que você leu. Pois acima da diversidade religiosa, existe a vontade do Criador. E, nessa perspectiva, o discurso tão em voga de que “Jesus era contra as religiões, então vamos buscar Deus apenas dentro de nós” pode ser tão prejudicial quanto a afirmação de que “a minha doutrina é a correta”. As religiões, doutrinas e filosofias existem no mundo, de modo que, se nós concordamos que Deus se faz presente em cada uma delas, é natural que concordemos também que Ele precisa de pessoas específicas exercendo um papel em cada uma delas.

É por isso que existe gente desenvolvendo um trabalho maravilhoso na doutrina de Kardec, é por isso que existem pessoas com vibração tão elevada na umbanda, é por isso que existe gente cheia do Espírito Santo na igreja evangélica... A grande maioria das pessoas ainda sente que precisa e recorre às religiões e, portanto, Deus lá sempre estará, sempre designando pessoas para determinadas tarefas. Beleza, neste ponto você vai me dizer algo como: “Aihn, mas tem um monte de gente enganando os outros dentro das igrejas e blá blá blá”. Pois então... eu disse que Deus designa pessoas para certas tarefas e não que executa Ele mesmo as tarefas. Nós, em nossa inconstância, estamos invariavelmente nos afastando de Deus, sendo, portanto, suscetíveis ao erro... E, sim, isso dá margem para uma outra conversa bem complexa que nós não teremos aqui, tá bom?

4 – Vivendo a vida

Certo, vimos que as muitas abordagens oferecem a possibilidade de conexão com o sagrado, estando aí a importância e valor de todas elas. A nossa falha, porém, pode estar também nessa arraigada ideia de que demandamos um momento, uma reunião e/ou um ritual específico para tal conexão. Convém repetir que a adesão a uma filosofia ou algo do tipo é, sim, de imenso valor, mas a gente precisa cuidar para que aquele momento da missa, da gira, do passe ou do louvor não seja o nosso ÚNICO momento dedicado a Deus ao longo da semana.

E não, eu não estou dizendo que você precisa reservar mais momentos para Deus ou que precisa orar três vezes ao dia em vez de apenas uma etc. Eu estou dizendo que, se você coloca Deus como um fim em si, cada movimento, cada ação sua deve ser por e para Ele.

Buscar desesperadamente uma doutrina na qual se encaixar pode ser um sinal de que você só se acredita em contato com Ele dentro de um conjunto de dogmas, quando, na verdade, Deus é tudo o que há. Nem que você quisesse, você não estaria fora ou longe Dele. Em meio a essa luta cotidiana que nos consome o tempo, a energia e a atenção, ter um momento dedicado exclusivamente a Ele é super importante. Viver a vida, porém – sem se cobrar, sem se julgar em débito porque faltou à missa na semana passada – pode lhe proporcionar insights maravilhosos.

Experiências como o satsang (“encontro com a Verdade”, em sânscrito), mindfulness (atenção plena) e a vertente filosófica voltada para a não-dualidade exploram muito e de forma bastante experiencial essa ideia de que Deus já é aqui e agora, e jamais poderia deixar de ser. Não permita que a busca desesperada por uma Verdade intangível ao intelecto o distraia, desviando a sua atenção de uma Verdade que já está dada, de um Deus que jamais lhe ocultou a Sua face.

Esteja inteiro(a) no que faz. Faça o seu trabalho não apenas pelo sustento, mas também na certeza de que Deus o(a) designou para fazê-lo em prol de alguém que talvez você nem conheça e nunca venha a conhecer, mas que precisa do seu trabalho. Seja gentil e abençoe a todos. Diante de cada situação, se pergunte como agiria Jesus (ou Buda ou Sócrates ou quem quer que seja) em seu lugar. Dialogue com o próximo como quem dialoga com uma manifestação do Divino (aliás, SURPRESA!, é exatamente isso que o próximo é). Sacralize a tudo e a todos, pois, como bem diz o título de um livro do Pe. Fábio de Melo, sagrado é viver.

5 – Entendendo que Deus é grande

Você já deve ter visto aquela imagem tão singela, mas tão profunda que apresenta dois peixes dentro do mar, um deles livro e outro no interior de um aquário. No aquário há a inscrição “com religião”, ao passo que no peixe que nada livremente há a inscrição “com Deus”.

Na minha interpretação, essa ilustração não desrespeita e nem descredibiliza a religião, mas apenas a define como algo que capta um aspecto específico de Deus, o que a torna limitada. O peixe que nada livremente parece menos limitado, pois, ao se ver livre de uma doutrina em especial (o aquário), tem o privilégio de navegar por todas as águas, estabelecendo contato com as diversas facetas do Divino. Mas não se engane... pois o oceano, por maior que seja, também tem os seus limites, e ninguém pode conhecer ou captar o Todo...

E o que eu quero dizer com isso? Bom, estou dizendo que, aderindo ou não a uma religião, a sua compreensão do Criador será limitada, pois Ele é incognoscível, inefável. Pôxa, Ele é Deus uai (e me perdoe pelo mineirês). Muito me agrada uma busca livre da religião, entrar em contato com outras maneiras de crer, ritualizar e professar a própria fé; conhecer outros aspectos do Altíssimo e me dar conta do quão pouco ainda sei sobre Ele. Todavia, também compreendo que, ao fazer tal escolha, perco a oportunidade de vivência coletiva da espiritualidade, da identidade, sensação de pertencimento e propósito proporcionadas pela forma como é estruturada uma doutrina. E bem sei das tantas vezes em que, ávido por respostas, me confundi, me perdi e me coloquei em experiências que não eram pra mim...

Perceba, portanto, que uma coisa não é melhor que a outra. O que existem são abordagens distintas e, claro, as nossas escolhas, que sempre trazem consigo vantagens e desvantagens. A arrogância de quem crê haver compreendido o Criador – o que é mais comum dentro das religiões, mas também presente entre os espiritualistas – nos afasta Dele, ao passo que o humilde reconhecimento de Sua grandeza e de nossa pequenez e ignorância tende a nos propiciar um contato mais íntimo com Ele.

Conclusão

Lembro de, em criança, ir à missa com minha mãe, quando era sempre cantada uma música assim: “Senhor, quem entrará no santuário pra te louvar? / Quem tem as mãos limpas e o coração puro / Quem não é vaidoso e sabe amar”. Só quando adulto descobri que essa música tem inspiração no Salmo 24.

Perceba que o salmista afirma que só entrará no santuário – isto é, só estará na presença de Deus – quem for honesto, bom, humilde e amoroso. Em nenhum momento ele diz algo como “quem for evangélico” ou “quem for maçom”. Mas ele também não disse “só entrará quem zombar, criticar e fugir das religiões”. Tanto o salmo como diversos outros trechos bíblicos revelam que Deus espera de nós comportamentos, atitudes e ações, e não adesão ou repúdio a esta ou àquela doutrina.

Afinal, estar preso a um aquário, sem a possibilidade de experienciar a imensidão do oceano é ruim. Igualmente ruim, porém, é ficar à mercê dos perigos das águas, sem o devido amparo e instrução, quando do gozo de nossa liberdade... O bom disso tudo é que Deus, em Sua infinita misericórdia, nos dá a possibilidade de escolha, expressa na palavra livre-arbítrio.

Portanto, segue buscando, mas não permita que o seu coração se aflija por questões que nunca foram prioridade para Deus. Apenas seja sincero e persistente no desejo de seguí-Lo, de agir conforme a vontade Dele. Vontade essa que há de ser revelada no âmago de todo buscador sincero.

Eu espero que este artigo o tenha ajudado de alguma maneira, trazendo-lhe paz e clareza quanto aos seus próximos passos.


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