Imagem retirada do site da campanha.
A minha peregrinação pela 39ª Campanha de
Popularização do Teatro e da Dança de Belo Horizonte teve como largada a
peça A virgem de 40 – Agora ou nunca,
o que me trouxe também a oportunidade de adentrar pela primeira vez o Teatro ICBEU
– que também está na casa dos 40, mas não é mais virgem, não! –, tão próximo a
minha adorada Praça da Liberdade. A descrição da peça, disponibilizada na
divulgação da campanha, é simples: Norma, “uma professora romântica, sonhadora
e virgem”, resolve, no dia de seu aniversário de 40 anos, se dar de presente
uma relação sexual, o que acaba por gerar “sucessivas situações inusitadas”. O
que o público não sabe, embora provavelmente suponha em sua maioria, é que o
recurso encontrado pela protagonista para a concretização do seu intento é uma
agência de acompanhantes, através da qual ela tem contato com três peculiares
profissionais do sexo: o “número 32” Ronaldo, cujo “Ronaldão” é, na verdade, “Ronaldinho”,
e só deixa a protagonista – e a plateia – na vontade; o “número 22” Celso (mais
romântico que a própria Norma), que, há vinte anos, foi aluno da protagonista, a
sua primeira paixão; e o diretor da agência, um homem curiosamente caquético que
se viu obrigado a ir ele próprio à casa da protagonista a fim de atender-lhe à complexa
demanda. Aliás, é justamente a demanda da nossa excêntrica Norma que gera as
absurdas situações: ela não apenas quer “perder a virgindade”, como também quer
viver este momento tão especial fazendo “papai-e-mamãe” – posição tão
ultrapassada quanto “tripé de samambaia” –, sendo chamada de amor e sendo
carregada até o quarto vestida de noiva.
Neste ponto, é válido que façamos algumas
considerações acerca da contraditória personalidade da professora, que valoriza
o amor e a primeira vez na noite de núpcias (o que justifica o nome dado à
personagem: Norma), mas que vai tentar ter tudo isso, de “mentirinha”, com um
garoto de programa, fracassada que foi ao tentar concretizá-lo na vida real. E
é aí que subjaz a intempérie que marcou a vida da professora, que, há vinte
anos, estava noiva e, por desconhecida razão, foi abandonada pelo homem com
quem sonhava ter sua primeira noite e viver para sempre em uma “casinha de
janelas azuis”.
Como podemos notar, A virgem de 40 tem um bom argumento, mas a verdade é que Aziz Bajur,
autor da peça, não se aproveita como pode desse argumento, e – por falha ou por
escolha –, acaba desenvolvendo uma estória focada no humor, pautada no
preconceito e com desfecho aquém das expectativas da plateia.
O preconceito ao qual faço menção está no
desespero no qual o simples desejo da professora se transforma no decorrer da
peça, levando-a ao ponto de convidar o porteiro do prédio ao seu apartamento,
abduzindo-o, com uma arma, a ter uma relação sexual com ela. Tal preconceito
está até mesmo no texto, onde podemos conferir dizeres como “E agora? Quem é
que vai resolver o meu problema?”. Claro, talvez estejamos a exigir demais de
uma peça que se propõe exclusivamente ao humor, sem, em momento algum,
pretender enveredar-se por reflexões sérias acerca da questão da mulher. Mas,
por outro lado, não sei se a arte (e aqui eu me refiro a um conceito estritamente
pessoal de arte) está autorizada a se desviar de reflexões desse tipo.
Por outro lado, não se deve ignorar o fato de
que o humor atual se dá, geralmente, alicerçado em preconceitos, o que pode,
talvez, legitimar o uso e abuso do estereótipo da mulher de 40 anos desesperada
por sexo, tais são as ocorrências físicas e adoção de postura mais ativa no
plano social, profissional, afetivo e sexual que marcam a vida das mulheres aos
40.
Outro ponto é que a peça me parece não cumprir
com a sua função catártica, em especial se considerarmos haver na plateia
pessoa em condição semelhante à da protagonista. Principalmente pelo seu
desfecho, que, aparentemente, mais se justifica pela necessidade de se encerrar
a estória com um final meia-boca após haver alcançado sucesso com o riso. Será
que a nossa protagonista necessitava, de fato, de uma relação sexual com um
michê, mesmo que nocauteada pelo álcool que vai consumindo ao longo da trama?
Será que ela devia mesmo desistir do seu sonho de “um amor para toda a vida”?
Será que o seu ex-aluno, tão acanhado e insatisfeito com a sua condição de michê,
a satisfaria a ponto de fazê-la esquecer a mágoa que lhe foi causada há vinte
anos? Enfim, é claro que são respostas que devem ficar para a imaginação da
plateia. O problema, porém, é que a trama carece de elementos que possibilitem
ao espectador o sonho pós-espetáculo.
Merece destaque, porém, a transformação,
inclusive física, pela qual Norma vai passando ao longo da trama. Da recatada
mulher de óculos, cabelos presos e camisola longa à sedenta mulher de linguajar
chulo, longos cabelos anelados e camisola sexy de cor vermelha, vai se
revelando a loba. E merecido destaque, também, para a Ivonete, atendente da
agência de acompanhantes, a quem só conhecemos por via das sucessivas ligações
da protagonista, mas que nem por isso deixa de nos arrancar muitos risos. “Nós
não temos ‘qualquer um’. Só trabalhamos com profissionais altamente
qualificados”.
Conclui-se, então, que A virgem de 40 – Agora ou nunca tem, sim, alguns problemas que
podiam ser solucionados aproveitando-se melhor o seu argumento. Mas, a despeito
disso, trata-se de uma peça que, como todas as peças participantes da campanha,
deve ser vista e aplaudida de pé, pois os atores, o diretor, o autor e todos os
envolvidos merecem. Tal como você que, não só durante a campanha, mas durante o
ano inteiro, merece ir ao teatro para rir e chorar com as Normas da vida!
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