quinta-feira, 29 de abril de 2021

Amor & Solidão - Carolina Cunha

Amor & Solidão, segundo livro de Carolina cunha, revela o amadurecimento de uma mulher, e, por conseguinte, de uma escrita que ora se apresenta, a um só tempo, singela e vigorosa.

Sublimação é o termo que se utiliza, no contexto da psicanálise, para designar a reorientação de um impulso ou energia para um ato mais aceito ou elevado. É algo como a ressignificação de um sentimento ou emoção negativa que, devastadora em sua origem, se converte em um fator propulsor. Como eu não pretendo – e nem poderia, se quisesse – fazer aqui um tratado de psicanálise, arrisco definir o termo como um ato consciente ou inconsciente de sobrevivência.

A arte e a literatura são os contextos nos quais melhor se verifica esse comportamento humano, como em Johann Wolfgang von Goethe (1749 – 1832), cujos Sofrimentos do Jovem Werther (1774) nasceram da urgência do autor em sobreviver à sua paixão pela aristocrata Charlotte Buff (1753 – 1828). Por mais que Goethe esteja entre os poucos que assumem o caráter autobiográfico de sua obra, a verdade é que toda obra é autobiográfica, sendo ilógico ou mesmo impossível o contrário.

Carolina Cunha faz parte desse peculiar grupo de pessoas que busca na arte a expressão do seu mundo interior e – por que não dizer? – a própria sobrevivência. Tal substantivo é, a propósito, um tanto pertinente aqui, vez que a temática da morte (ou da vida) é o que perpassa as 61 páginas do pequeno grande livro intitulado Amor e Solidão (2021).

Neste seu segundo mergulho literário, precedido por Amor de Vidro (2020), a mineira se debruça novamente sobre a estreita relação entre amor e perda. Desta vez, porém, não espere encontrar o desalento típico das paixões juvenis presente no primeiro livro. Aqui, Carolina expressa, de maneira visceral, os questionamentos e conflitos típicos de quem fica: a saudade (p. 20), a negação (p. 50), o medo (p. 45), a culpa (p. 35) ou mesmo a impotência, como se verifica em “O gato alado” (p. 21), um dos textos mais irretocáveis da obra.

Não só de dor, porém, se faz Amor & Solidão, mas também de força, esperança e fé na continuidade da vida (p. 28 et al.), destruindo, assim, a impressão inicial de que se trata de uma obra melancólica. Na contramão do simples e irrefletido lamento, Carolina mescla a pura expressão de quem sofre a ausência com a coragem de quem sabe que precisa se reerguer (p. 54 et al.).

Com destaque para a definição do enterro como uma “carta de despedida a um leitor ausente” (p. 24), a autora se utiliza magistralmente das metáforas para falar da perda. E é disso que Amor & Solidão trata: da perda focada no luto e de tudo que ele envolve.

A própria disposição da obra, aliás, expressa o processo de luto, no que vale ressaltar a infeliz coincidência entre o luto pessoal, vivido por Carolina, e o luto que atravessam milhões de indivíduos em razão da pandemia de coronavírus. Convertendo-se este, aliás, em matéria-prima para a autora (p. 29).

O curioso é que o luto, aqui, é a um só tempo dolorido e pedagógico. E digo-o porque, se a dor do luto evidencia o amor que se tem, ela também ensina a difícil arte de amar em lugar de reter e a despeito da presença, aprendizado necessário ante as tantas ocasiões em que perdemos não para a morte, mas para as situações comuns à experiência humana, como a separação, a indiferença, o afastamento etc.

Nesse sentido, a perda é, sim, o que perpassa Amor & Solidão, mas esse também é um livro sobre o amor. E digo-o não só porque, via de regra, a dor da perda se reserva somente àqueles que amam, mas também porque Carolina o expressa como uma força superior à morte, que sobrevive a esta e pela qual vale a pena continuar vivendo.

É o amor que presentifica o ausente, que traz conforto e que, mesmo que levando algum tempo, se converte em combustível para uma vida que precisa seguir em frente.

Cunha, Carolina. Amor & Solidão. Belo Horizonte: publicação independente, 2021, 61p.

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