quinta-feira, 3 de junho de 2021

O gozo do envelhecer


Sobressaltado, praticamente saltei do sofá ao toque do interfone. 10h30. Os malditos cinco minutos! O plano era simples, mas infalível: havendo ido para a cama quase às três da manhã e cheio de compromissos para este dia, programei o despertador para as sete e deitei-me no sofá, certo de que a ausência de conforto me impulsionaria a não permanecer em repouso quando raiasse o dia. Ledo engano... Despertado pelo alarme do smartphone cuidadosamente colocado a uma distância que me obrigaria a me levantar, o que fiz foi confiar nos famigerados “cinco minutos” a mais que, depois de certa idade, se tornam a nossa perdição. “Só mais cinco minutos”. E esses viraram horas, que, por sua vez, alteraram todo o curso do dia.

É curioso como eu ainda idealizo em mim aquele Alex dos tempos de faculdade, que, diante da necessidade de conciliar trabalho e estudo, virava a noite diante do computador, saía às seis para uma jornada de oito horas para, em seguida, ir direto para a universidade por tanto tempo sonhada. Aquele Alex dava conta disso. Ficava sonolento, é verdade, mas dava conta do recado.

O Alex de agora, porém, a três primaveras dos quarenta anos, pode até varar madrugadas, mas a conta, fatalmente, vem durante o dia. O Alex de então, ainda não desapegado do jovem de outrora, ainda faz planos mirabolantes, matriculando-se em cursos e sobrecarregando a agenda de tarefas, ignorando, porém, que sua energia não mais suporta a sobrecarga de outros tempos. O Alex de então carece de pausa, de fins de semana com descanso e oito horas de sono diárias. O Alex de agora já começa a preferir a escada rolante aos degraus comuns; o Uber ao ônibus que não vai deixa-lo na porta; o prazer solitário ao sexo casual que, possivelmente, vai causar desgaste emocional.

Sinto que – apesar das linhas de expressão, dos cabelos rareados e dos pelos brancos na barba – ele ainda se cobra o desempenho dos vinte e poucos anos. Não tanto por resistência ao envelhecimento em si, mas por exigir de si a compensação dos anos perdidos para a depressão e escolhas equivocadas.

O Alex de então se cobra, aos 37 anos, uma realização que justifique todo o investimento feito pelos pais ao longo de anos. O Alex quase quarentão se cobra aquelas conquistas que a grande maioria dos amigos fez aos vinte. O Alex de então quer correr atrás do prejuízo.

O corpo, porém, é implacável em pedir pausa e readaptação. Não me refiro a abrir mão de sonhos e ambições, elementos tão necessários à manutenção da vida. Refiro-me a uma nova dinâmica, adequada às possibilidades de então. Quem sabe uma alimentação mais consciente? Atividades físicas regulares, talvez (com certeza)? Terapia? Cursos EAD em lugar dos presenciais? Uma nova organização em termos de horários e afins? Enfim, uma dinâmica que acompanhe o não raro intransitivo verbo envelhecer.

Isso me faz lembrar daquelas atrizes belíssimas que, outrora interpretando mocinhas nas telenovelas, com presença frequente nas tramas do horário nobre, ora são convidadas aos papeis de mães das mocinhas do momento. Vale o mesmo para os galãs de outrora, que agora são o pai, o médico da família, o padre etc. E, a despeito dos procedimentos estéticos possibilitados pelo trabalho, o próprio trabalho é infalível em fazê-los lembrar da inexorável passagem do tempo.

A vida faz assim com os artistas globais, mas o faz também com os anônimos, com os Alex do mundo afora, que não estão sob os holofotes, mas também experimentam o democrático processo de envelhecimento.

Mas se as tramas televisivas relegam a maturidade a um papel de coadjuvante, restringido a beleza da existência humana a uma única fase, não precisamos e nem devemos reproduzi-lo em nossa vida real.

E é nesse sentido que, no final das contas, esse Alex dos quase quarenta, em perfeita comunhão com o jovem idealista dos vinte, aprende a entender esse processo que é viver não como a corrida do ouro, mas como um constante convite a cuidar de si para, então, estar apto a cuidar dos demais.

Aos poucos, ele entende que desapegar-se da vitalidade e das possibilidades dos vinte tem a ver, sobretudo, com saber viver, que, por sua vez, equivale a saber morrer.

Nenhum comentário:

Postar um comentário