quinta-feira, 23 de maio de 2019

O abraço dele

Idealista, expressa suas utopias nas rodas de amigos, prevalecendo sempre a calma e o jeito de menino que lhe é peculiar. Nunca o vi levantar a voz, a não ser em ocasião de uma pilhéria ou coisa que o valha.

Às vezes ele me cumprimenta, num aperto de mão firme que, com um pouco de sorte, traz de brinde um afago nas costas, o máximo a que dois homens têm direito de chegar. As mais próximas, vejo-o envolve-las em um abraço terno, daqueles demorados, durante os quais já se inicia uma conversa repleta de afetos. Nada há nele da masculinidade tóxica que ainda tanto nos vitima.

Apenas observo, imaginando-me dentro do seu abraço de vinte segundos.

Se me deixo levar pela distração, pego-me a imaginá-lo na intimidade, sobre a qual ele, discreto e avesso a vulgaridades, mantém o doce mistério. Imagino-o cuidadoso no toque. Não cheio dos melindres típicos daqueles que têm medo de amar. Refiro-me ao cuidado de quem caminha na ponta dos pés a fim de não despertar traumas adormecidos. Ele não é homem de remexer baús empoeirados ou de cutucar feridas. Portanto, há de explorar cuidadosa e minuciosamente o templo de sua peregrinação. 

Sobressaltado, procuro desviar o pensamento, como que receoso de ser pego em meus devaneios. Não quero que ele me veja dessa forma, como alguém que tem sobre ele esse tipo de pensamento. Para ele, quero ser apenas o nerd esquisito com o qual o máximo a que se pode chegar em termos de relacionamento é o cumprimento amistoso. Ver-me como sou equivaleria a ter-me em baixa conta, e, diante de tal opção, eu prefiro continuar a ser ninguém.

Um dia eu o abraço no Natal, o presenteio com um livro e, quem sabe, se eu tiver coragem, teço uns versos falando de todo o meu amor...

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