Em um remoto 1994, quando eu tinha dez anos
de idade, uma professora muito querida, protestante convicta, comentou certa
vez que “o nosso corpo é templo do Espírito Santo”. Recordo-me de haver achado
bonita aquela metáfora, embora ignorando o seu real significado e, sobretudo, a
finalidade com a qual era comumente aplicada em um contexto opressor como o de
algumas religiões (e longe de mim querer fazer uma crítica a qualquer uma
delas).
Anos mais tarde, atuando como catequista
junto de uma senhora que, naturalmente, compartilhava dos valores do seu tempo,
ouvi-a dizer – especificamente às catequizandas – da necessidade de se
valorizar o próprio corpo. Comentário esse que, possivelmente, não foi compreendido
pelas pequenas e que, obviamente, não teve aprofundamento em razão da tenra
idade das interlocutoras.
De mera testemunha desses comentários, eu
mesmo, poucos anos depois, reproduzi-os em uma sessão de terapia, quando –
tendo em mim mesmo impregnados os preconceitos que estabeleciam uma relação
sinonímica entre homossexualidade e promiscuidade – afirmei à minha jovem
terapeuta que o fato de eu não haver iniciado a minha vida sexual se
justificava por eu “valorizar muito o meu corpo”.
E eis que a resposta da terapeuta não podia
ser mais certeira: “E fazer sexo também não seria uma forma de se valorizar o
próprio corpo?”
E foi somente ali que eu me dei conta de como
eu apreendera os preconceitos com os quais eu vinha sendo metralhado desde a
infância. Preconceitos esses oriundos de uma sociedade na qual valorizar o
próprio corpo equivalia e não se permitir os prazeres do mesmo. Regra essa que,
provavelmente, não se aplicava a homens heterossexuais.
Sim... ninguém havia dito que o sexo
responsável e com consentimento também era uma forma de se valorizar o corpo.
E, mais para além disso, ninguém havia dito que tal valorização passava também
e sobretudo por amá-lo e reconhecer-lhe a beleza a despeito dos padrões. Muito
pelo contrário, a mesma sociedade opressora seguia nos empurrando garganta
adentro imagens de homens e mulheres de corpos perfeitos e brancos em sua
maioria.
Ninguém disse que valorizar o próprio corpo
passa por, antes de mais nada, cuidá-lo e amá-lo tal como ele é.
Esclarecimentos se fazem necessários, é
claro. Em momento algum faço apologia do sexo livre e desenfreado, dada a
certeza de que partir para o extremo oposto à repressão só nos leva a
desvalorização de nós mesmos e do outro, que é bem mais que mero objeto do
nosso prazer. Ademais, coisas como castidade e movimentos como Eu Escolhi
Esperar fazem sentido para muitas pessoas, o que já os torna dignos do devido
respeito. Liberdades individuais, certo?
Ademais, por mais que um corpo delgado ou
gordinho seja tão belo quanto qualquer outro, eu precisarei me cuidar se os
quilinhos a menos ou a mais me prejudicam a saúde, o que também é uma forma de
autocuidado.
A grande urgência, portanto, é que a
autovalorização aqui defendida não esteja condicionada à adequação a padrões
excludentes. Estamos todos inseridos nesta sociedade, de modo que é natural que
tenhamos ideais de beleza. O problema é quando esses ideais nos adoecem, nos
subestimam, nos levam a nos reconhecer em uma condição de menos valia. O
problema é quando uma equivocada identificação com o corpo nos leva a crer que,
se o mesmo é tido como inadequado, então nós somos também inadequados.
Valorizar o próprio corpo, porém, não deve
ter relação com fiscalização da sexualidade alheia, mas sim com o devido
reconhecimento da beleza desse invólucro que nos foi emprestado para trilharmos
a nossa jornada pela vida. Reconhecê-lo como tal pode propulsar o autoamor, e é
com base nesse autoamor – e não na opinião alheia – que se deve escolher por
transar ou não transar, por ser gordo ou ser magro, por ter pelos ou se depilar
etc.
Eu acredito que a minha professora estava
certa. O nosso corpo é mesmo templo do Espírito Santo, e eu tenho certeza de
que o maior desejo do divino que nos habita é que, antes de qualquer coisa, nos
amemos tal como somos.
Se cuida.
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