Se você já participou de alguma vivência de
coaching, você deve conhecer ou até mesmo haver participado da dinâmica da
madeira.
Ela funciona assim: depois de haver manipulado
as emoções dos participantes com a sua exposição, o palestrante convida um
voluntário ao palco solicitando-lhe que escreva em um pedaço de madeira aquilo
que considera como sendo seus defeitos, obstáculos ou qualquer coisa que deseje
vencer em sua vida. Feito isso, o
palestrante posiciona a madeira diante do voluntário para que este – depois de
muito suspense e ao som de Eye of the
Tiger e dos gritos de incentivo da plateia – quebre o objeto.
É uma dinâmica de empoderamento (enfoderamento, eu diria) que, naturalmente, simboliza a vitória sobre tudo
aquilo que nos impede de atingirmos as nossas metas.
Há algum tempo, tomado por uma paixão que,
junto de várias outras coisas, compunha um pacote cujo peso me rendera um
efeito colateral chamado depressão, ouvi de meu terapeuta o seguinte: “O João é
algo no qual você deposita a sua energia
como forma de fugir àquilo em que ela realmente deve ser investida. O João é o
demônio que o impede de enxergar aquilo que você realmente é”.
Na ocasião, eu compreendi, naturalmente, a metáfora
utilizada pelo meu terapeuta para algo que eu fazia inconscientemente (e às
vezes nem tão inconscientemente assim...). Só recentemente, no entanto, ao ser
abençoado com a leitura de um maravilhoso e outrora subestimado livro de Steven
Pressfield – A Guerra da Arte – pude
ter uma compreensão completa dos dizeres do meu nobre terapeuta.
O referido autor chama de Resistência toda e
qualquer força que, sutilmente, procure nos dissuadir de realizar aquilo que
vai nos elevar – e, por conseguinte, elevar o mundo à nossa volta – a um novo
patamar de consciência. Uma força
que não age contra nós em especial, mas contra qualquer movimento para o alto,
vez que quer manter as coisas como estão ou, se possível, piores. Você já deve
ter ouvido dizer que “para descer, todo santo ajuda”, certo?
Lembrei-me de quando a minha sempre tão sábia
irmã me chamou a atenção para a atuação dessa força quando eu considerei mudar
de emprego justamente quando vislumbrei a possibilidade de uma promoção... que
realmente aconteceu.
Sim, o meu terapeuta, como de hábito, tinha
razão: trata-se do demônio, equivocadamente representado como um cara
vermelhinho, com chifres e rabo pontiagudo. A Resistência é um demônio que age
com muito mais sutileza. Um demônio cuja arma não é um tridente, mas outra
muito mais afiada, como uma depressão, uma distração, um efêmero prazer ou
mesmo como aquela desculpa muito bem fundamentada para que deixemos para amanhã
a tarefa que, por ser a missão de
nossa alma, tem urgência de ser
realizada.
A Resistência é Mara empenhado em impedir a iluminação de Buda sob uma árvore de rudraksha.
A Resistência é o diabo a tentar Jesus em meio ao deserto a fim de dissuadi-lo de ser Deus para ser homem. A Resistência
é obstinada, e se esses grandes mestres a venceram, não foi para que nos lembrássemos
deles como fodões. Eles superaram há muito esse tipo de vaidade. Eles a
derrotaram como forma de nos deixar um legado, lembrando-nos sempre do nosso potencial para também vencermos a força
que, dia após dia, nos impele para trás enquanto nadamos contra a corrente.
“Não deis lugar ao diabo” (Efésios 4.27), já
nos diz o texto bíblico, pois é preciso que sejamos bons nadadores. Não para
lograrmos medalhas, mas porque, ao alcançarmos a margem, a humanidade inteira ganhará novo fôlego junto de nós. Manter o foco naquilo que há de nos realizar
como seres humanos é, portanto, quase um ato político, que torna plausível a
utilização daquela famigerada frase em um contexto muito mais nobre.
“Se fere a minha existência, serei
resistência.”
É bem isso. Em lugar de cedermos à
Resistência, resistirmos a ela diligentemente,
visando trazer à baila aquilo que somos em essência.
Isso sim é lutar pela própria existência.
E lembre-se: quanto maior for a Resistência,
maior é a urgência de superá-la. Quanto mais rígido for o pedaço de madeira,
maior há de ser a felicidade da qual
toda a humanidade gozará quando, finalmente, o fizermos em pedaços.
Nenhum comentário:
Postar um comentário