quinta-feira, 25 de junho de 2020

O que arrasta é o exemplo



“Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. São dizeres que, se por um lado denotam hipocrisia, por outro podem revelar certo altruísmo, ainda que distorcido, quando vindos de alguém que pretenda poupar o outro dos caminhos por ele percorridos.

De qualquer forma, porém, não me parece uma pedagogia lá muito eficaz, sendo ela severamente criticada, inclusive, no texto bíblico, seja quando Jesus desaprova o comportamento dos “mestres da lei e os fariseus” em razão da incoerência entre suas ordens e ações (Mateus 23:2-3), seja quando Pedro, em sua epístola, orienta os pastores a atuarem não como dominadores dos que lhes são confiados, mas como exemplos para o rebanho. (I Pedro 5:3).

Uma frase de autoria desconhecida, mas comumente atribuída a este ou àquele personagem histórico diz que “a palavra convence, mas o exemplo é o que arrasta”.

Etimologicamente, exemplo tem origem do latim exemplum, que, literalmente, significa “uma amostra”, “o que é retirado”, e, por sua vez, deriva do verbo eximere – ex- (fora) + -emere (tirar) –, que equivale a “tirar”, “remover de”. Veja que coisa bonita: em seu sentido original, a palavra expressava a ideia de que, ao ser exemplo de alguma virtude – como a bondade, a honestidade, a resiliência e afins –, a pessoa era tida como uma pequena amostra de algo maior. Talvez de Deus, expressão máxima das virtudes. A primeira definição que o Dicionário Houaiss apresenta para o termo é “tudo que pode ou deve ser imitado; modelo”.

Você já deve ter visto aquela charge em que duas mães, junto de seus respectivos filhos, estão sentadas em um banco de praça, ao que uma, vendo o filho da outra com um livro em mãos enquanto o seu permanece vidrado no celular, pergunta-lhe: “O que você faz para o que o seu filho leia?” Detalhe: a mãe inquiridora tem um celular em mãos, enquanto a outra tem nelas um livro aberto.

Diz-se que certa vez uma mãe levou o seu filho a Mahatma Gandhi e implorou que ele orientasse o garoto a parar de consumir açúcar, ao que Gandhi, após uma pausa, disse: “Traga o seu filho novamente em duas semanas.” Embora intrigada, a mãe agradeceu, prometendo fazer o que lhe fora orientado. Assim, passadas duas semanas, eis que a mulher leva o seu filho novamente à presença de Gandhi, ao que o mestre encara o garoto nos olhos e diz: “Pare de comer açúcar.” Agradecida, mas ainda mais perplexa, a mãe pergunta a Gandhi por que razão ele lhe havia mandado retornar em lugar de haver simplesmente orientado o garoto há duas semanas, quando de sua primeira visita, ao que Gandhi respondeu: “Há duas semanas eu estava comendo açúcar.”

Pensar o caráter educador do exemplo me parece urgente em tempos em que virtudes como empatia e retidão se mostram tão presentes no discurso político enquanto, na prática, o egoísmo continua a ser a base do nosso comportamento e seguimos apegados à corrupção nossa de cada dia. O exemplo é o que arrasta, minha gente, e não a nossa demagogia.

É natural que, ao falarmos de exemplo, pensemos em nossa postura diante de nossos filhos, alunos, subordinados e afins. Vale, porém, ampliarmos um pouco mais esta discussão de modo a contemplar também os governantes que tanto criticamos.

Ora!, seria mesmo possível que ditadores, elitistas e corruptos nasçam no seio de uma sociedade virtuosa? Depositar em impeachments e em eleições toda a nossa expectativa por renovação não seria como trocar de espelho em razão da espinha que vimos no rosto ontem?

Epicteto (55 d. C. – 135 d. C.) chamava de escravo aquele que insiste em lutar contra coisas que não dependem dele sem nada fazer quanto àquilo que de fato lhe compete. É um pouco o que fazemos quando, passionais ou mesmo dominados por uma tola ilusão, esperamos mudar os outros pela palavra pouco ou nada nos empenhando em sermos exemplo.

É que ser exemplo dá trabalho! Mudar a nós mesmos dá trabalho. A única alternativa a esta mudança, porém, é seguirmos dedicados aos nossos inflamados, mas vazios discursos, colhendo, assim, os miseráveis resultados de sempre.


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