“Faça o que eu digo, mas não faça o que eu
faço”. São dizeres que, se por um lado denotam hipocrisia, por outro podem
revelar certo altruísmo, ainda que distorcido, quando vindos de alguém que pretenda
poupar o outro dos caminhos por ele percorridos.
De qualquer forma, porém, não me parece uma
pedagogia lá muito eficaz, sendo ela severamente criticada, inclusive, no texto
bíblico, seja quando Jesus desaprova o comportamento dos “mestres da lei e os
fariseus” em razão da incoerência entre suas ordens e ações (Mateus 23:2-3),
seja quando Pedro, em sua epístola, orienta os pastores a atuarem não como
dominadores dos que lhes são confiados, mas como exemplos para o rebanho. (I
Pedro 5:3).
Uma frase de autoria desconhecida, mas
comumente atribuída a este ou àquele personagem histórico diz que “a palavra
convence, mas o exemplo é o que arrasta”.
Etimologicamente, exemplo tem origem do latim exemplum,
que, literalmente, significa “uma amostra”, “o que é retirado”, e, por sua vez,
deriva do verbo eximere – ex- (fora)
+ -emere (tirar) –, que equivale a “tirar”, “remover de”. Veja que coisa
bonita: em seu sentido original, a palavra expressava a ideia de que, ao ser
exemplo de alguma virtude – como a bondade, a honestidade, a resiliência e
afins –, a pessoa era tida como uma pequena amostra de algo maior. Talvez de
Deus, expressão máxima das virtudes. A primeira definição que o Dicionário
Houaiss apresenta para o termo é “tudo que pode ou deve ser imitado; modelo”.
Você já deve ter visto aquela charge em que
duas mães, junto de seus respectivos filhos, estão sentadas em um banco de praça,
ao que uma, vendo o filho da outra com um livro em mãos enquanto o seu permanece
vidrado no celular, pergunta-lhe: “O que você faz para o que o seu filho leia?”
Detalhe: a mãe inquiridora tem um celular em mãos, enquanto a outra tem nelas
um livro aberto.
Diz-se que certa vez uma mãe levou o seu
filho a Mahatma Gandhi e implorou que ele orientasse o garoto a parar de
consumir açúcar, ao que Gandhi, após uma pausa, disse: “Traga o seu filho
novamente em duas semanas.” Embora intrigada, a mãe agradeceu, prometendo fazer
o que lhe fora orientado. Assim, passadas duas semanas, eis que a mulher leva o
seu filho novamente à presença de Gandhi, ao que o mestre encara o garoto nos
olhos e diz: “Pare de comer açúcar.” Agradecida, mas ainda mais perplexa, a mãe
pergunta a Gandhi por que razão ele lhe havia mandado retornar em lugar de
haver simplesmente orientado o garoto há duas semanas, quando de sua primeira
visita, ao que Gandhi respondeu: “Há duas semanas eu estava comendo açúcar.”
Pensar o caráter educador do exemplo me
parece urgente em tempos em que virtudes como empatia e retidão se mostram tão
presentes no discurso político enquanto, na prática, o egoísmo continua a ser a
base do nosso comportamento e seguimos apegados à corrupção nossa de cada dia.
O exemplo é o que arrasta, minha gente, e não a nossa demagogia.
É natural que, ao falarmos de exemplo,
pensemos em nossa postura diante de nossos filhos, alunos, subordinados e afins.
Vale, porém, ampliarmos um pouco mais esta discussão de modo a contemplar
também os governantes que tanto criticamos.
Ora!, seria mesmo possível que ditadores,
elitistas e corruptos nasçam no seio de uma sociedade virtuosa? Depositar em impeachments
e em eleições toda a nossa expectativa por renovação não seria como trocar de
espelho em razão da espinha que vimos no rosto ontem?
Epicteto (55 d. C. – 135 d. C.) chamava de
escravo aquele que insiste em lutar contra coisas que não dependem dele sem
nada fazer quanto àquilo que de fato lhe compete. É um pouco o que fazemos
quando, passionais ou mesmo dominados por uma tola ilusão, esperamos mudar os
outros pela palavra pouco ou nada nos empenhando em sermos exemplo.
É que ser exemplo dá trabalho! Mudar a nós
mesmos dá trabalho. A única alternativa a esta mudança, porém, é seguirmos
dedicados aos nossos inflamados, mas vazios discursos, colhendo, assim, os
miseráveis resultados de sempre.
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