Há exatos 51 anos, um atrito entre a polícia
de Nova Iorque e frequentadores de bares locais – sobretudo no contexto do Stonewall
Inn, localizado no bairro de Greenwich Village, em Manhattan – marcou o dia 28
de junho como o Dia do Orgulho LGBT+.
A expressão Orgulho LGBT+, ainda pouco
compreendida por muitos que lhe criticam o uso por não considerar digna de
orgulho a condição homossexual e afins, surge como o oposto à “vergonha” e à “culpa”
que a sociedade insistia (e ainda insiste) em tentar incutir no sujeito que
escapa aos padrões da heterormatividade.
No meu entendimento, o substantivo “orgulho”
não pressupõe que haja alguma vantagem em ser LGBT+. Até porque, convenhamos,
não há vantagem alguma nisso, assim como não há vantagem alguma em ser
heterossexual. A condição humana – e não a orientação sexual, identidade de
gênero e afins – é o que nos coloca em vantagem em relação aos outros animais,
vez que, caracterizada pelo uso da razão, nos dá a possibilidade (comumente
pouco aproveitada) de empreendermos alguma ação em prol da humanidade.
A expressão me parece válida, porém, como
forma de se expressar o amor-próprio que deve reger a existência do sujeito
LGBT+ “apesar de”, como diria Clarice Lispector. Nesse sentido, cabe ao
indivíduo LGBT+ reconhecer o seu valor como ser humano e lutar pela sua
dignidade e exercício da liberdade “apesar de”: apesar da homofobia, apesar dos
insultos, apesar das agressões físicas, apesar da resistência da família,
apesar da condenação da igreja, apesar da depressão. Sempre “apesar de”.
No meu entendimento, porém, é preciso que,
enquanto LGBT+, reconheçamos uma responsabilidade tanto ou mais relevante que a
luta por direitos, que é o cuidado para que – ao enveredarmos pelo caminho da
militância e da excessiva identificação com uma condição/orientação no contexto
da sexualidade e/ou do gênero – não acabemos por oferecer combustível ao
preconceito personalístico, que é a raiz de todos os preconceitos.
O preconceito personalístico, caracterizado
pela supervalorização do “eu” em detrimento de tudo que dele difere e, por
conseguinte, da humanidade, tem por base o egoísmo, que, se você parar para
pensar, é o que jaz por trás de todo e qualquer problema pessoal e social.
O Orgulho LGBT+, portanto, deve nos conduzir
ao degrau seguinte, levando-nos não a estacionarmos nesse rótulo – que é um
dentre os tantos que nos são colocados quando chegamos a este mundo –, mas a
nos colocarmos acima dele, reconhecendo-nos, primeiro, como integrantes da vida
e da humanidade, tornando-nos, assim, eficientes em cumprir com o objetivo de
buscar a Unidade, como defendia Platão.
Pedagógica como a vida é, parece-me válido
tomarmos o isolamento social, que ora impede as Paradas do Orgulho LGBT+ mundo
afora – evento esse que, ao meu ver, não raro contribui negativamente para a
luta da referida comunidade –, como uma oportunidade para refletirmos a
respeito; para nos perguntarmos se a excessiva militância não seria um
subterfúgio a nos isentar do contato com a nossa sombra; para refletirmos no
quanto a nossa luta contra o preconceito está embasada em preconceitos da mesma
espécie; para pensarmos a massificação, comumente travestida por um ideal de
liberdade, como um plano perverso contra o reconhecimento de nossa verdadeira
natureza.
O exercício do autoamor, expresso na
expressão Orgulho LGBT+, é útil à elevação a um outro nível, no qual, ao nos
identificarmos tão somente com a condição humana, percebemo-nos prontos para amarmos
a toda a humanidade, livres dos rótulos e bandeiras que tomamos como armaduras
quando, na verdade, não passam de grilhões; livres das amarras e, finalmente,
munidos da fraternidade, metaforizada na espada do grande guerreiro Jorge da
Capadócia.
E isso, eu bem sei, exige muita coragem, ação
guiada pelo coração (do latim coraticum
= cor + agis). Coragem para encararmos a nossa sombra, coragem para
abrirmos mão dos nossos preconceitos,
coragem para sermos livres e felizes, coragem para nos reconhecermos como Um.
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