domingo, 28 de junho de 2020

Do Orgulho à Liberdade



Há exatos 51 anos, um atrito entre a polícia de Nova Iorque e frequentadores de bares locais – sobretudo no contexto do Stonewall Inn, localizado no bairro de Greenwich Village, em Manhattan – marcou o dia 28 de junho como o Dia do Orgulho LGBT+.

A expressão Orgulho LGBT+, ainda pouco compreendida por muitos que lhe criticam o uso por não considerar digna de orgulho a condição homossexual e afins, surge como o oposto à “vergonha” e à “culpa” que a sociedade insistia (e ainda insiste) em tentar incutir no sujeito que escapa aos padrões da heterormatividade.

No meu entendimento, o substantivo “orgulho” não pressupõe que haja alguma vantagem em ser LGBT+. Até porque, convenhamos, não há vantagem alguma nisso, assim como não há vantagem alguma em ser heterossexual. A condição humana – e não a orientação sexual, identidade de gênero e afins – é o que nos coloca em vantagem em relação aos outros animais, vez que, caracterizada pelo uso da razão, nos dá a possibilidade (comumente pouco aproveitada) de empreendermos alguma ação em prol da humanidade.

A expressão me parece válida, porém, como forma de se expressar o amor-próprio que deve reger a existência do sujeito LGBT+ “apesar de”, como diria Clarice Lispector. Nesse sentido, cabe ao indivíduo LGBT+ reconhecer o seu valor como ser humano e lutar pela sua dignidade e exercício da liberdade “apesar de”: apesar da homofobia, apesar dos insultos, apesar das agressões físicas, apesar da resistência da família, apesar da condenação da igreja, apesar da depressão. Sempre “apesar de”.

No meu entendimento, porém, é preciso que, enquanto LGBT+, reconheçamos uma responsabilidade tanto ou mais relevante que a luta por direitos, que é o cuidado para que – ao enveredarmos pelo caminho da militância e da excessiva identificação com uma condição/orientação no contexto da sexualidade e/ou do gênero – não acabemos por oferecer combustível ao preconceito personalístico, que é a raiz de todos os preconceitos.

O preconceito personalístico, caracterizado pela supervalorização do “eu” em detrimento de tudo que dele difere e, por conseguinte, da humanidade, tem por base o egoísmo, que, se você parar para pensar, é o que jaz por trás de todo e qualquer problema pessoal e social.

O Orgulho LGBT+, portanto, deve nos conduzir ao degrau seguinte, levando-nos não a estacionarmos nesse rótulo – que é um dentre os tantos que nos são colocados quando chegamos a este mundo –, mas a nos colocarmos acima dele, reconhecendo-nos, primeiro, como integrantes da vida e da humanidade, tornando-nos, assim, eficientes em cumprir com o objetivo de buscar a Unidade, como defendia Platão.

Pedagógica como a vida é, parece-me válido tomarmos o isolamento social, que ora impede as Paradas do Orgulho LGBT+ mundo afora – evento esse que, ao meu ver, não raro contribui negativamente para a luta da referida comunidade –, como uma oportunidade para refletirmos a respeito; para nos perguntarmos se a excessiva militância não seria um subterfúgio a nos isentar do contato com a nossa sombra; para refletirmos no quanto a nossa luta contra o preconceito está embasada em preconceitos da mesma espécie; para pensarmos a massificação, comumente travestida por um ideal de liberdade, como um plano perverso contra o reconhecimento de nossa verdadeira natureza.

O exercício do autoamor, expresso na expressão Orgulho LGBT+, é útil à elevação a um outro nível, no qual, ao nos identificarmos tão somente com a condição humana, percebemo-nos prontos para amarmos a toda a humanidade, livres dos rótulos e bandeiras que tomamos como armaduras quando, na verdade, não passam de grilhões; livres das amarras e, finalmente, munidos da fraternidade, metaforizada na espada do grande guerreiro Jorge da Capadócia.

E isso, eu bem sei, exige muita coragem, ação guiada pelo coração (do latim coraticum = cor + agis). Coragem para encararmos a nossa sombra, coragem para abrirmos mão dos nossos preconceitos, coragem para sermos livres e felizes, coragem para nos reconhecermos como Um.

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